Atiradores Desportivos, arma municiada e Portaria 28 COLOG

Atiradores Desportivos, arma municiada e Portaria 28 COLOG

liminar-Portaria-28-COLOG

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I – INTRODUÇÃO

Foi cassada a liminar que suspendia a Portaria nº. 28/2017 – COLOG, impedindo os atiradores desportivos de transportar suas armas municiadas em determinados trajetos.

Com a cassação da liminar, os atiradores desportivos estão autorizados, novamente, a transportar “uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento“.

Este trabalho tem por objetivo esclarecer as principais vertentes relacionadas ao transporte de armas municiadas, pelos atiradores desportivos. Para tanto, serão analisadas a Lei nº. 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), o Decreto nº. 5.123/2004 (que que regulamenta o Estatuto) e a Portaria do Exército nº. 28/2017 – COLOG. Além disso, serão abordadas as decisões judiciais.

II – LIMINAR

Em uma resumida linha do tempo, o Exército Brasileiro editou a portaria 28/2017, autorizando os atiradores desportivos a transportarem suas armas municiadas. Em razão disso, um advogado do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou uma ação popular, pretendo a nulidade da portaria, inclusive, com um pedido liminar, para imediata suspensão desta. A Justiça Federal daquele Estado (RS) acatou o pedido do advogado, deferindo a liminar e suspendendo a mencionada norma (Portaria 28/2017 – COLOG).

A União, representando as Forças Armadas, recorreu ao Tribunal Regional Federal do Estado (TRF4), requerendo a cassação da liminar. O TRF4, por sua vez, acatou o pedido da União, cassando a liminar, tornando a Portaria 28/2017 – COLOG vigente, novamente.

Até o presente momento, dia 18/12/2017, os atiradores desportivos têm o direito de transportar as armas de fogo municiadas, de acordo com a portaria do exército.

Conveniente transcrever o artigo 135-A, da Portaria do Exército nº. 28/2017 – COLOG:

“Art. 135-A. Fica autorizado o transporte de uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento.”

III – ESTATUTO DO DESARMAMENTO EM RELAÇÃO AOS ATIRADORES DESPORTIVOS

Durante a gestão petista (Presidente Lula), o Congresso Nacional (deputados federais e senadores) criou a Lei nº. 10.826/2003, chamada de Estatuto de Desarmamento, que, teve por objetivo proibir a posse e o porte de arma de fogo.

Os atiradores desportivos receberam do Estatuto do Desarmamento o chamado “porte de trânsito”. Para melhor esclarecer, transcrevem-se os artigos abaixo:

Art. 6º. É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:
IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental.

Art. 9º Compete ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma para os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou sediados no Brasil e, ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores e de representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional.

Do artigo 6º, extrai-se que, os “integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo” receberam a exceção de “portar armas de fogo“.

Como se vê, não há nenhuma dúvida quanto à exceção, concedida aos caçadores, atiradores e colecionadores, no tocante ao porte de arma. Além disso, também não há nenhuma dúvida de que o Comando do Exército recebeu a competência para “autorizar” e “fiscalizar” os CAC e suas armas. Conveniente transcrever o artigo abaixo:

Art. 24. Excetuadas as atribuições a que se refere o art. 2º desta Lei, compete ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção, exportação, importação, desembaraço alfandegário e o comércio de armas de fogo e demais produtos controlados, inclusive o registro e o porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores (CACs).

Note-se que, ainda, que o artigo 6º concedeu exceção a diversos grupos, não fazendo distinção, por exemplo, entre policiais e CACs. A única ressalva, do mencionado artigo (inciso IX), refere-se à necessidade de decreto, conforme a expressão “na forma do regulamento desta Lei”, cujo tema – decreto – será tratado logo adiante.

O Estatuto possui três pontos evidentes na lei, não cabendo qualquer divergência: a) CACs no rol de exceção ao porte de armas (art. 6º, IX); b) necessidade de decreto regulamentador para tratar do porte de arma dos CACs (art. 6º, IX) e; c) competência do Comando do Exército a autorização, fiscalização e controle das atividades dos CACs (arts. 9º e 24).

Dos 37 artigos do Estatuto do Desarmamento, os que se referem ao interesse dos atiradores desportivo foram acima tratados. O próximo passo é examinar o decreto que regulamentou o referido estatuto.

IV – DECRETO QUE REGULAMENTOU O ESTATUTO DO DESARMAMENTO EM RELAÇÃO AOS ATIRADORES DESPORTIVOS

O Decreto nº. 5.123/2004 regulamenta a Lei no 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) e, portanto, não há como abordar os interesses dos atiradores desportivos, sem examiná-lo.

Do referido decreto, há, apenas, dois artigos que interessam ao presente texto, quais sejam artigo 30 e 32. Portanto, transcrevem-se baixo:

Da Prática de Tiro Desportivo

Art. 30. As agremiações esportivas e as empresas de instrução de tiro, os colecionadores, atiradores e caçadores serão registrados no Comando do Exército, ao qual caberá estabelecer normas e verificar o cumprimento das condições de segurança dos depósitos das armas de fogo, munições e equipamentos de recarga.
§ 1º As armas pertencentes às entidades mencionadas no caput e seus integrantes terão autorização para porte de trânsito (guia de tráfego) a ser expedida pelo Comando do Exército.
(…)

Dos Colecionadores e Caçadores

Art. 32. O Porte de Trânsito das armas de fogo de colecionadores e caçadores será expedido pelo Comando do Exército.
Parágrafo único. Os colecionadores e caçadores transportarão suas armas desmuniciadas.

O artigo 30, § 1º, rege, apenas, acerca da competência do Comando do Exército, para expedir porte de trânsito (guia de tráfego) aos CACs. Até aqui, não há qualquer divergência, pois, é inquestionável a competência do Comando do Exército em expedir o porte de trânsito (guia de tráfego) aos CACs.

A primeira tese a ser debatida encontra-se, justamente, no parágrafo único, do artigo 32, do Decreto em questão (Decreto nº. 5.123/2004).

Isso porque, o mencionado parágrafo Decreto proibiu (vedou) expressamente os colecionadores e caçadores de transportarem suas armas municiadas. Contudo, não o fez em relação aos atiradores desportivos.

Registre-se que, a lei não contém palavras inúteis. Trata-se de princípio basilar de hermenêutica jurídica. Assim, as palavras devem ser compreendidas como tendo alguma eficácia.

Assim, se o Decreto fez questão de inserir o parágrafo único, do artigo 32, proibindo o trânsito de armas municiadas aos colecionadores e caçadores e deixando de fora os atiradores desportivos, conclui-se que, a norma pretendeu autorizar o transporte da arma municiada a estes últimos. Do contrário, a lei teria mencionado os atiradores desportivos no artigo.

Para enfatizar o raciocínio, caberia a pergunta retórica: Por qual razão o decreto proibiu o transporte da arma municiada aos colecionadores e caçadores e excluiu os atiradores desportivos?

Trata-se de uma interpretação finalística ou teleológica, que consiste na indagação da vontade do legislador. Busca-se a mens legis, que é o espírito da lei.

Nesse caso, poderia se crer que, o legislador não proibiu o que o atirador desportivo de transportar sua arma de fogo municiada, tendo em vista que a locomoção de sua residência ou local de trabalho até o clube de tiros oferece riscos ao atirador, bem como a sociedade, haja vista que a arma poderia cair na mão de criminosos.

Como se vê, na ausência de norma expressa, cabe a interpretação judicial, o que cria uma grande insegurança jurídica, pois não se pode saber ou prever como cada julgador irá se posicionar acerca de um determinado caso concreto.

Há duas soluções para resolver o presente impasse. A uma, a alteração do Estatuto ou do Decreto, autorizando, expressamente, que “os atiradores desportivos poderão transportar suas armas municiadas“, como fez a Portaria 28 do COLOG ou, que haja uma consolidação de entendimento do Judiciário, por meio de súmula, de abrangência nacional.

Enfatize-se que, somente o Poder Legislativo pode criar, extinguir ou alterar o Estatuto do Desarmamento. O decreto, por sua vez, também pode ser alterado, mas sempre estará subordinado a lei que ele pretende regular.

Consigne-se que, mesmo se o Decreto nº. 5.123/2004 autorizasse, expressamente, o direito dos atiradores em transportar suas armas municiadas, poderia haver tese no sentido de que a Lei (Estatuto do Desarmamento) não concedeu tal direito, sendo, portanto, ilegal a concessão.

V – LIMINAR QUE SUSPENDEU A PORTARIA 28 DO COLOG (CASSADA)

Foi dito anteriormente que, a ausência de norma expressa gera a necessidade da interpretação do julgador, o que cria uma enorme insegurança jurídica. Pois bem, a liminar, deferida pela juíza do Rio Grande do Sul, que suspendeu a portaria 28 do Colog, pautou-se, justamente, “na ausência de norma”, como se vê abaixo:

(…) “diante da inexistência de previsão normativa de que os atiradores possam transportar suas armas municiadas, tem-se que o Comando do Exército acabou por afrontar o princípio da legalidade ao editar o art. 135-A da Portaria nº. 28/2017 – COLOG. Há que se considerar que o Estatuto do Desarmamento proibiu, de forma geral, o porte de arma de fogo, excepcionando o caso dos atiradores desportivos, de acordo com o regulamento. Nesse passo, uma vez que, do decreto regulamentar, a que se refere expressamente a lei, não é possível extrair autorização para o transporte de arma municiada pelo referido grupo, já que tal norma nada dispôs nesse sentido, consoante artigos alhures colacionado, há de prevalecer a regra geral, que veda o porte de arma.

Vale dizer, a despeito da competência conferida ao Exército, pela lei e pelo decreto regulamentar, para a concessão do porte de trânsito de arma de fogo, não há fundamento a admitir a referida inovação no ordenamento jurídico” (…).

Da análise da decisão supra, tem-se que, a juíza sentenciante considerou que não havia norma (lei ou decreto regulamentador) a autorizar o transporte de arma municiada pelo atirador desportivo. Dessa forma, a julgadora entendeu que embora o Comando do Exército tenha competência para conceder o porte de trânsito de arma de fogo, o fato de acrescentar o termo “municiada” em sua portaria, configura inovação, o que é vedado, por meio deste tipo de norma (portaria).

VI – DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (TRF4) QUE CASSOU A LIMINAR

A decisão que cassou a liminar não tratou do assunto acerca do direito do atirador desportivo transportar sua arma municiada. O tribunal (TRF4), limitou-se a questão processual. Isso porque, a decisão baseou-se no entendimento de “inadequação da via eleita”. Em simples palavras, a liminar foi deferida em uma “ação popular” (que foi a “via eleita”). Contudo, o tribunal entendeu ser ela “inadequada”. Assim, não houve qualquer abordagem do direito, em si, dos atiradores desportivos, nesta instância.

O recurso que cassou a liminar (agravo de instrumento) ainda aguarda decisão definitiva, tendo em vista que a cassação é uma decisão antecipada. Espera-se, pelos argumentos (fundamentação) utilizados pelo tribunal, que o recurso da União será “provido”, ao final.

Esclareça-se que a liminar é uma forma de decisão antecipada e a sentença é a decisão final do juiz de primeira instância. Logo, a ação popular ainda aguarda sua sentença em primeira instância.

VII – SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DE SÃO PAULO

A Secretaria de Segurança Pública, por meio do secretário, Mágino Alves Barbosa Filho, editou a Resolução SSP-83, de 19-6-2017, determinando às Polícias Civil e Militar, o que segue:

Resolução SSP-83, de 19-6-2017

Determina a observância do disposto na Portaria 28-COLOG, de 14-03-2017, do Comandante Logístico do Exército Brasileiro, pelas Polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo.

O Secretário da Segurança Pública, resolve: Artigo 1º – As Polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo deverão observar o contido na Portaria 28-COLOG, de 14-03- 2017, do Comandante Logístico do Exército Brasileiro, que deu nova redação a dispositivos da Portaria 51-COLOG, de 8 de setembro de 2015, em especial ao dispositivo no art. 135-A, que autoriza “o transporte de uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento”. Artigo 2º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

VIII – ABUSO DE AUTORIDADE

Segundo palestras de delegados e promotores de justiça, o desconhecimento de alguns servidores, incluindo delegados e oficiais da Polícia Militar, causa um grande risco do cometimento do crime de abuso de autoridade, previsto na Lei nº.4.898/1965, principalmente, no que diz respeito ao artigo 4º, quando prendem, ilegalmente, atiradores desportivos.

As sanções da lei de abuso de autoridade são de âmbito civil, criminal e administrativo. De acordo com o art. 6º, § 1º, alínea “f”, a pena pode chegar a demissão do serviço público.

IX – PODER LEGISLATIVO

O juiz (Poder Judiciário) julga de acordo com a lei vigente. O Comando do Exército (Poder Executivo) tenta normatizar de acordo com a competência que lhe foi conferida por lei. Portanto, a solução está em deixar de criticar o entendimento do Poder Judiciário, bem como a Portaria do Exército e cobrar a solução do Poder Legislativo (deputados federais e senadores).

Foi o Poder Legislativo que aprovou o Estatuto do Desarmamento e o Decreto Regulamentador, na forma que está.

Dessa forma, deve-se frisar que, o poder de conceder o direito ao porte de armas não cabe aos juízes, ao Comando do Exército ou a Polícia Federal, mas sim, aos deputados federais e senadores, que criam as leis e representam – ou deveriam representar – os interesses do povo.

Atualmente, está em debate a revogação do estatuto do desarmamento, conforme a consulta pública “PLS 378/2017”, criada pelo Senado Federal. Apesar da importância, a participação popular nesse projeto está muito abaixo do esperado.

Adriano Martins Pinheiro é advogado em São Paulo, articulista e palestrante e, nas horas vagas, atirador desportivo.

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