Dano moral por ofensas de advogado no processo judicial

Dano moral por ofensas de advogado no processo judicial

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Introdução

É muito comum que as pessoas sintam-se ofendidas com as argumentações ou “acusações” utilizadas pelos advogados e demais envolvidos no processo judicial.

Há aqueles que, por desconhecimento, aventura jurídica, ilusão ou inexperiência, decidem ajuizar ação indenizatória ou registrar boletim de ocorrência contra seu opositor.

A única forma de evitar a ilusão e aventura jurídica é a análise da legislação e jurisprudência. Qualquer parecer sem a referida análise é imprudente. Dito isso, prossigamos.

Código Penal (injúria e difamação em processo judicial)

O artigo 142, do Código Penal, é bem claro ao dizer que não há injúria ou difamação punível, quando a ofensa é irrogada em juízo (processo judicial), seja pela parte (requerente ou requerido), seja pelo advogado.

Transcreve-se o referido artigo abaixo:

“Art. 142 – Não constituem injúria ou difamação punível:
I – a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador”.

A referida norma é suficiente para esclarecer que a narrativa lançada em processos judiciais não configura ato ilícito. Note-se que o legislador afirmou que tais atos não são “puníveis”.

Imunidade do Advogado

As petições são redigidas por advogados, e não, pelas partes. Assim, a responsabilidade quanto à escolha das palavras recairia, em tese, sobre o profissional (há algumas considerações complexas acerca do tema).

Em se tratando de responsabilidade do advogado, é impreterível tecer as considerações adiante expostas.

O advogado possui imunidade prevista na Constituição Federal (CF). Logo, não há decisão judicial ou qualquer outra lei que possa atingir tal imunidade (relativa).

A CF rege que :

“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

A referida imunidade é prevista em lei especial, conforme previsto no § 2º, do artigo 7º, da Lei 8.904/94, como se vê abaixo:

O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”.

Como dito, o advogado tem, no exercício de sua atividade, a imunidade profissional, não constituindo injúria e difamação qualquer manifestação de sua parte (desacato retirado pelo STF).

Saliente-se que, a definição de “excesso” pode ser bastante distante do conceito dos leigos, merecendo uma melhor explicação em texto próprio.

Em resumo, pode-se afirmar que, na prática, é raríssimo que uma manifestação de um advogado seja considerada excesso. A análise de tal excesso é competência da OAB – e não do Poder Judiciário.

Dano Moral (necessidade de ato ilícito)

Para que haja indenização por dano moral deve haver: a) ato ilícito; b) nexo causal e; c) dano. Logo, se não há ato ilícito, não há indenização.

Ao leitor apressado, poderá passar despercebido o fato de que, em processo judicial, as “manifestações” tecidas pelo advogado não constitui ato punível. É dizer, não constitui ato ilícito, conforme já demonstrado acima (Constituição Federal, Código Penal e Lei 8.904/94).

A indenização – chamada no Código Civil de “reparação” – somente é devida ser houver a configuração do ato ilícito.

Para não restar dúvidas, transcreve-se o artigo 927, do Código Civil:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Existe dano?

O dano é relativo, pois como se verá adiante, o ser humano possui variações quanto a sua sensibilidade, podendo, inclusive, ser hipersensível ou melindroso. Assim, para algumas pessoas qualquer ato pode lhe convencer da existência de dano moral.

Ainda sobre o dano, deve-se anotar que os tribunais consideram muitos fatos como “fatos não indenizáveis”, bem como intitulam de muitos como “mero aborrecimento”.

É dizer, mesmo que uma conduta seja considerada imoral, amoral ou reprovável, não significará, necessariamente, um fato indenizável.

De qualquer forma, enfatize-se que, mesmo que alguém defenda que existiu o dano, não há como haver indenização, sem a configuração do ato ilícito.

Lado outro, o artigo 188, do Código Civil, é claro ao dizer que não há ato ilícito, quando há o “exercício regular de um direito reconhecido“.

Conveniente transcrever:

“Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”.

O advogado, ao exercer sua profissão, está no “exercício regular de um direito reconhecido” (vide legislações acima). Logo, suas manifestações “não constituem atos ilícitos”.

Em simples palavras, as manifestações do advogado em processo judicial, em regra, não constituem ato ilícito, tendo em vista sua imunidade profissional prevista na legislação, bem como o exercício regular de um direito reconhecido.

Considerando que o presente texto fundamenta-se em legislação transcrita, eventuais opiniões contrárias terão a árdua tarefa de contrariar a própria lei.

Jurisprudência

Como sempre, buscamos trazer casos práticos, para que o leitor saiba como os tribunais interpretam e aplicam a legislação. Isso porque, há sempre o risco de o leigo atrever-se em interpretar e formar conceitos equivocados, acerca da aplicação das leis.

Transcreve-se abaixo o emblemático o trecho da decisão prolatada pelo Desembargador Brenno Marcondes reproduzido abaixo (RT 597/321, rei. Des. Brenno Marcondes):

“A lei confere à parte ou a seu procurador o direito de ofender, na discussão da causa, o ex adverso, pois na defesa dos interesses particulares sobreleva necessidade, imperiosa muitas vezes, e inadiável em outras, de se travar o debate com acrimônia, deselegância, tudo na tentativa de mostrar a verdade. Na defesa da causa o advogado não pode omitir argumento algum, e não são poucas as vezes em que interesses conflitantes exigem ataques mais violentos. No pedido de protesto contra alienação de bens sobretudo, por sua própria natureza, deve o advogado usar termos candentes, pesados, agressivos, pois com eles pretende evitar que a outra parte disponha de um direito seu“.

Por óbvio, as manifestações do advogado devem se referir ao caso, não podendo se levar o tema ao extremo, a ponto de defender a tese de que o advogado poderia tecer ofensas aos envolvidos, sem qualquer contexto do processo. Presume-se que um advogado seja dotado de bom senso e equilíbrio.

Exemplo – Caso de investigação de paternidade (Apelação n° 994.05.045281-4)

Uma mulher sentiu-se ofendida quando aquele que ela tinha como o pai da criança negou a paternidade em juízo. Segundo ela, a ofensa à honra era evidente, tendo, assim, ajuizado uma ação, pleiteando indenização.

Contudo, a mulher perdeu em primeira e segunda instância, pois o requerido (posteriormente reconhecido como pai por exame de dna), tinha o direito de negar a paternidade, sem que o fato fosse “indenizável”.

O juízo acrescentou que os fatos alegados não são destinados ao público, e sim, ao Judiciário, não havendo, portanto, a indenização de ofender. Além disso, considerou que os processos de família tramitam em segredo de justiça, limitando, ainda mais, a publicidade das alegações.

Entendimento pacífico da jurisprudência

Para evitar um texto cansativo, conclui-se com os dizeres do Desembargador Paulo Eduardo Razuk, do Tribunal de Justiça do de São Paulo:

“Assim sendo, o emprego de expressões fortes ou mesmo inadequadas na acalorada discussão da causa deve ser tolerado, não constituindo ilícito penal ou civil, a ensejar a reparação por dano moral” (AC nº 9097900-54.2005.8.26.0000, j. 8.2.2011).

Entende-se, também, que, se abrisse o precedente de ações indenizatórias, em razão das teses de autor e réu, haveria uma ação de indenização, para cada ação ajuizada. Isso porque, não há como haver litígio, sem interesses conflitantes, acusações recíprocas e afirmações contrárias.

Doutrina

Aplica-se ao caso o trecho do ilustre jurista Aníbal Bruno abaixo, ao tratar da imunidade judiciária:

(…) “justifica-se, de um lado, pelo interesse da Justiça em assegurar que os direitos que se procura garantir no debate perante o juízo não tenham a sua defesa tolhida pelo temor de que determinado argumento ou determinada expressão venham a incidir na acusação de crime” (Direito Penal, Parte Especial I, tomo IV, Ed. Forense, 1966, página 329).

Tem-se, portanto, que, se não houvesse imunidade, o processo judicial restaria prejudicado, uma vez que, as partes e os advogados deixariam de atuar, plenamente, em razão de temor de consequências cíveis ou criminais.

Obrigação de “destemor” do Advogado

Pois bem, o jurista Aníbal Bruno explicitou que a imunidade judiciária serve para afastar o temor das partes e dos advogados.

Nesse contexto, imperioso lembrar que, o Código de Ética da OAB, em seu artigo 2º, inciso II, determina que o advogado atue com “destemor“.

Mas não é só! A Lei 8.904/94, em seu artigo 31, § 1º e 2º, determina que o advogado atue com independência e, ainda, que não tenha receio de “desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade”.

É o que se demonstra abaixo:

“Art. 31 (…).
§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.
§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.

Como se vê, o advogado deve possuir uma personalidade destemida e independente, não se deixando levar por “receios” de desaprovação ou opiniões de terceiros, sob pena de prejudicar aquele que lhe confiou a defesa de seus interesses.

Em outras palavras, o advogado “cheio de temores” jamais poderá ser um advogado que bem representa seu constituinte.

Conclusão

Para qualquer esclarecimento jurídico é necessário haver fundamentação. Em se tratando, por exemplo, do tema indenização, pergunte-se: Há ato ilícito? O que diz a lei?

Por fim, o Código de Ética da OAB, em seu artigo 2º, inciso VII, determina que é dever do advogado “aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial”.

Portanto, tem-se que o leigo pode “imaginar” e “empolgar-se” com uma aventura jurídica. O advogado, contudo, deve ser apto, conhecedor da legislação e da jurisprudência, a fim de evitar que seu cliente acredite em um pleito fadado ao fracasso.

* Adriano Martins Pinheiro é advogado, articulista e palestrante