LEGITIMIDADE PASSIVA DO AGENTE PÚBLICO

LEGITIMIDADE PASSIVA DO AGENTE PÚBLICO

EMENTA
PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. ATO DE DELEGADO NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO AGENTE PÚBLICO. Nada obsta que a vítima acione diretamente o causador do dano por ação dolosa ou culposa na condição de agente público. O artigo 37, 6º da CF não impede que a vítima de dano decorrente de ato de servidor público proponha contra este ação direta. Recurso provido. Decisão unânime.

ACÓRDÃO
Acordam os membros do Grupo II da 1ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, por unanimidade, em conhecer do apelo e lhe dar provimento…
Aracaju/SE, 29 de Outubro de 2001.
DES. ROBERTO EUGENIO DA FONSECA PORTO
RELATOR

RELATÓRIO

A MM. Juíza de Direito da 15ª Vara Cível da Comarca de Aracaju julgou extinta uma ação de indenização por perdas e danos com o fundamento de ilegitimidade passiva ad causam, ajuizada por GUTO ESCAPE PEÇAS E ACESSÓRIOS LTDA contra LUCIANO DIAS CARDOSO, Delegado de Polícia, por entender que a responsabilidade civil reclamada deve ser imputada ao Estado de Sergipe. A ação decorre do fato do apelante ter apreendido um automóvel, marca Chevrolet, tipo chevette, cor cinza, placa policial MOB – 6480-PB, na oficina de propriedade da apelado, sob a alegação de o referido veículo ser suspeito de produto de crime. Irresignado com a decisão, a autora intentou a presente apelação. Em suas razões, às fls. 126/129, a apelante alega que o veículo fora deixado em sua oficina para que fossem feitos alguns reparos nos freios, importando os serviços em R$ 405,00 (quatrocentos e cinco reais). Após o cumprimento do serviço pactuado, o apelado, no momento da apreensão do veículo, não estava no exercício de suas funções e mesmo que estivesse, ainda assim, seria responsável pela reparação dos danos sofridos pela demandante. Destarte, pugna pela reforma da fustigada decisão para responsabilizar o demandado na indenização requerida. Em sede de contra-razões, fls. 133/137, sustenta, o apelado, que estava no cumprimento de seus deveres como Delegado de Polícia e apreendeu o supramencionado veículo sob suspeita de ser produto de crime com vistas a instauração de inquérito policial para apurar crimes praticados por um indivíduo do nome Valacir, o mesmo que deixou o citado veículo para os serviços na oficina da apelante, sendo, portanto parte ilegítima no polo passivo, denunciando à lide o Estado de Sergipe e requerendo o improvimento do recurso. Instada a se manifestar, a douta Procuradoria de Justiça opinou pela manutenção da sentença. É o relatório. À douta Revisão…

VOTO

O recurso é tempestivo e se encontra devidamente preparado, merecendo ser conhecido.

Merecem prosperar os argumentos da apelante, haja vista que está evidente nos autos que o apelado é, de fato, funcionário público, e, nesta condição, os atos por ele praticados se considerados ilícitos no uso de suas funções, agindo com dolo ou culpa, a este cabe a responsabilidade na reparação dos danos causados.

Hodiernamente, o entendimento doutrinário é no sentido de que nada obsta que o lesado intente ação direta contra o causador do dano ainda que este seja funcionário público.

Discorrendo sobre a matéria, o insigne professor Rui Stoco em sua obra Tratado de Responsabilidade Civil, 5ª Edição, p. 898/899, Ed. Revista dos Tribunais, assim expressa:

“…Nos casos em que os danos causados a terceiros comprometem ou empenham a responsabilidade do Estado por ato doloso ou culposo de seus servidores, aquele que tem legitimidade ativa ad causam pode ajuizar a ação contra o Estado e seu servidor, em litisconsórcio passivo facultativo; apenas contra o Estado, ou apenas contra o servidor. “

Negar o direito de o particular acionar o servidor que obrou culposamente com fundamento na responsabilidade subjetiva ou aquiliana será negar vigência ao comando emergente dos arts. 159 e 160 do Código Civil.

Na mesma obra supra, cita outros autores dentre eles Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, que diz:

“Se fundada a ação no dolo ou culpa do agente da Administração, o particular poderá propor a ação mesmo só contra o agente público.”

E, assim finaliza o mestre:

“Perceba-se que se a ação for intentada diretamente contra o agente do Estado, estabelece-se uma linha direta, de modo que ele responderá pelos danos que causou. Apenas tal ocorreu mais rapidamente.”

Acerca da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público assim prevê a Carta Magna no artigo 37, 6º , in verbis:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Antes mesmo de o dispositivo constitucional ser instituído o Código Civil já previa no artigo 15, a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público por atos de seus agentes quando assim preconiza:

“As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.”

Diante de tais dispositivos é de se concluir que nada obsta ao particular que tiver sido lesado intentar a ação de indenização contra o causador do dano, aquele tem a opção de escolha entre demandar o Estado ou o agente público que haja dado causa ao evento danoso.

Ainda, na obra supramencionada o autor cita o entendimento de Adilson Abreu Dallari, in verbis:

“O sistema constitucional brasileiro consagra a responsabilidade pessoal do agente condicionada à existência de culpa e a responsabilidade incondicionada e direta do Estado como garantia da plena indenização da vítima. Resguarda, entretanto, ao Estado o poder-dever de agir regressivamente contra o agente, quando houver sido diretamente responsabilizado por ato pessoal culposo do agente, mas não proíbe a responsabilização direta do agente, como, de resto, estipula o novo Código de Processo Civil em seus arts. 70 e 76” (Regime constitucional dos servidores públicos. Ed. RT, S. Paulo, 2ª ed., 2ª tiragem, 1990, p. 139-140).

E acrescenta:

“Entendemos, portanto, ser juridicamente infundado o entendimento no sentido de que o agente não pode ser acionado diretamente. Seria de se perguntar que prejuízo poderia advir disto? Se fosse culpado, de qualquer forma teria que indenizar. Se inocente, nenhum prejuízo sofreria, pois, o sistema processual brasileiro consagra o princípio da sucumbência”. (op. cit., p.142).
E conclui o mestre Rui Stoco:

“Em verdade, a opção de escolha é da vítima, pois se o legitimado ativo promove a ação de indenização apenas contra o agente público, terá que provar sua culpabilidade e, ademais, assumir o risco dele não ter com que pagar. Contudo, se for ele solvente, a execução será mais simples, eficiente e rápida.

Se ingressar em Juízo primeiro contra o Estado, ficaria dispensado de demonstrar a culpa (ou dolo), mas teria que se submeter ao critério de execução estabelecido no art. 730 do CPC, e ingressar na fila dos precatórios judiciais, aguardando sua vez de receber por dois anos, no mínimo, ainda que o crédito seja considerado como de natureza alimentícia (CF/88, art. 100), considerando que também para esses créditos é estabelecida uma ordem à parte de precatórios,
para cumprimento dos ofícios requisitórios expedidos.”

Não raros os arestos posicionados no mesmo sentido:

“A responsabilidade objetiva do Estado pelos prejuízos causados por seus agentes não afasta o direito que tem o prejudicado de postular a necessária reparação diretamente do funcionário que causou o dano” (STF – 1ª T. – RE – Rel. Antônio Neder – j. 4.12.79 – RT 538/275).

“O fato de a Constituição garantir o direito de uma ação, em que a prova de culpa é dispensável e o pagamento assegurado pelas forças do erário, não priva o lesado da opção de agir diretamente contra o funcionário, culpado e solvável, em busca de um procedimento mais expedido de execução. Ao servidor público, nenhum interesse legítimo se lhe atinge, porquanto estaria sujeito, de outro modo, a suportar a ação regressiva, faculdade do Estado, indisponível pelo Administrador” (STF – x 1ª T. – RE – Rel. Octavio Gallotti – j. 20.9.85 – RTJ 115/1383).

“Relativamente à recomposição de prejuízos causador por quem atua investido de função de natureza pública, nada impede que o lesado acione exclusivamente o Estado, como, da mesma forma, pode fazê-lo em relação ao responsável direto, ou a ambos, conjuntamente”(TJSP – 3ª C. – Einfrs. – Rel. J. Roberto Bedran – j. 28.9.93 – JTJ-LEX 151/117).

Diante de tais considerações conheço do recurso para lhe dar provimento, reformando a sentença a quo, determinando a baixa dos autos para o regular andamento do feito.

É como voto.

Aracaju/SE,29 de Outubro de 2001.
DES. ROBERTO EUGENIO DA FONSECA PORTO
RELATOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE

ACÓRDÃO: 20012540
APELAÇÃO CÍVEL 1178/2000
PROCESSO: 2000206117
APELANTE GUTO ESCAPE LTDA.
PROC. ESTADO SAMUEL SOUZA LIMA
APELADO LUCIANO DIAS CARDOSO
ADVOGADO ANTONIO CORREIA MATOS
RELATOR: DES. ROBERTO EUGENIO DA FONSECA PORTO