Vigilante absolvido do crime de porte ilegal de arma

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0000188-70.2015.8.26.0550 [Visualizar Inteiro Teor]Classe: Ação Penal – Procedimento OrdinárioAssunto: Crimes do Sistema Nacional de ArmasMagistrado: Caio Cesar Ginez Almeida BuenoComarca: Rio ClaroForo: Foro de Rio ClaroVara: 2ª Vara CriminalData de Disponibilização: 28/09/2017TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA de Rio Claro Foro de Rio Claro 2ª Vara Criminal Avenida 05, nº 535, Rio Claro – SP – cep 13500-380 Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min 0000188-70.2015.8.26.0550 – lauda SENTENÇA Processo Digital nº: 0000188-70.2015.8.26.0550 Classe – Assunto Ação Penal – Procedimento Ordinário – Crimes do Sistema Nacional de Armas Autor: Justiça Pública Réu: Ademir Zanutto Juiz de Direito: Dr. Caio Cesar Ginez Almeida Bueno Vistos. ADEMIR ZANUTTO, qualificado nos autos, está sendo processado como incurso nas penas dos artigos 12 e 15, ambos da Lei 10.826/03, porque no dia 10 de outubro de 2015, por volta das 23h27min, na Avenida 03, nº 112, bairro Floridiana, nesta cidade e comarca de Rio Claro/SP, possuía e mantinha sob sua guarda arma de fogo, acessório e munição, consistentes no revolver marca “Taurus”, calibre 38, nº NA50926, sete cartuchos íntegros e dois deflagrados, do mesmo calibre, em desacordo com determinação legal e regulamentar, no interior de residência, ainda em construção, e dependência desta, conforme auto de exibição e apreensão (fls. 104/106) e do laudo pericial (fls. 133/134 e 139/143). Consta, também, que nas circunstâncias de tempo e lugar acima mencionadas, Ademir disparou arma de fogo em lugar naquele momento habitado. Auto de prisão em flagrante delito (fls. 87/91), boletim de ocorrência (fls. 101/103), auto de exibição e apreensão (fls. 104/106) e laudos periciais (fls. 133/134 e 139/143). A denúncia foi recebida (fls. 147), o réu foi citado (fls. 156/158) e intimado (fls. 171/172). A resposta escrita foi apresentada (fls. 152/154). Após a instrução penal, as partes apresentaram suas alegações finais. O Ministério Público e a Defesa requereram a improcedência da ação penal, com a absolvição do réu, nos termos do artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal. É o relatório. Fundamento e D E C I D O. A ação penal é improcedente. A despeito da autoria e materialidade dos delitos estarem devidamente comprovadas pelo auto de prisão em flagrante delito (fls. 87/91), boletim de ocorrência (fls. 101/103), auto de exibição e apreensão (fls. 104/106) e laudos periciais (fls. 133/134 e 139/143), de rigor a absolvição do réu ambas as acusações descritas na denúncia. Ouvido perante a autoridade policial o réu, Ademir Zanutto, disse que o local dos fatos é uma construção de sua propriedade. Na data anterior, indivíduos adentraram na residência e furtaram uma máquina de cortar pisos. Esclareceu que o local está todo murado e que os portões estavam fechados. Relatou que, no dia do ocorrido, foi até o imóvel portando um revólver calibre 38, marca Taurus, com três munições, sendo que estava com um coldre no qual havia mais munições. Entrou na construção com seu veículo e, após alguns minutos, tentaram abrir o portão. Questionados, esses indivíduos se identificaram como pedreiros, porém não acreditou, pois tinha conhecimento de que eles tinham viajado. Passados dez minutos, tentaram novamente abrir o portão. Assustado, efetuou dois disparos contra o muro. Nesta segunda tentativa tomou conhecimento de que se tratava de policiais, os quais mandaram que ele abrisse o portão, o que ele fez, franqueando a entrada dos agentes. Ressaltou que possui o revólver há vinte anos e que o registro foi feito na ocasião da compra. Esclareceu que sabe que não poderia possuir ou portar arma de fogo. Aduziu que possui curso de vigilante patrimonial e que exerce a profissão de supervisor de segurança. Em juízo, o réu manteve a versão apresentada na Delegacia, ressaltando que é proprietário da arma há vinte anos e que possui o registro dela. Afirmou que no dia dos fatos foi efetuado um disparo com a arma de fogo porque tinham entrado em sua construção. Resolveu, então, posar no local. Assim que adentrou na residência, puxaram o portão e, quando foi verificar, as pessoas se identificaram como pedreiros e que queriam pegar um objeto dentro do imóvel, ao que ele respondeu para aguardarem que ele iria verificar o referido objeto. Em seguida, ligou para sua esposa informando o ocorrido e disse a ela que iria chamar a polícia. Entrou na residência e bateram em seu portão, momento em que efetuou o disparo contra o muro, bem como gritou que estava chamando a polícia. Não acreditou de pronto que se tratava dos policiais que haviam chegado, pois eles não se identificaram. Em seguida, bateram no portão e pediram para ele abri-lo. Antes de atender ao pedido, guardou a arma e, neste momento chegou também seu filho que lhe disse que os policiais estavam no portão, sendo que logo franqueou a entrada deles. Confirmou que estava com um coldre contendo munições, que usava junto com a arma. Relatou que entregou a arma aos policiais. Esclareceu que não efetuou novos disparos quando os policias chegaram. Explicou que possuía a arma porque dez anos atrás trabalhou como supervisor de segurança, sendo que, nesta época tinha porte de arma. A testemunha de acusação, policial militar Eduardo Rezende Sanches, disse que foi solicitada via COPOM a verificação de um possível furto em andamento numa casa em construção. Quando chegou ao local e aproximou-se do portão da residência, ouviu um disparo de arma de fogo. Neste ínterim, tentou falar com a pessoa que, num primeiro momento não acreditou que se tratava da polícia. Após, a pessoa atendeu o portão e, em revista pessoal foi encontrada um coldre de um revólver em sua perna. Indagado sobre a arma de fogo, o réu indicou que possuía um revólver num dos cômodos da casa. Em audiência, reconheceu o réu como sendo a pessoa que estava no local no dia dos fatos. Não o conhecia anteriormente. Relatou que também foi encontrada munição. Narrou que a arma era de calibre 38. A testemunha de defesa, Edilson José Inácio, disse que não presenciou os fatos. Afirmou que o réu é uma pessoa boa. Explicou que vendia sapatos e que o réu era seu cliente e que hoje é cliente do réu, o qual vende enxoval. A testemunha de defesa, Talcídio do Carmo Luciano, disse que não presenciou os fatos. Afirmou que trabalhou em uma empresa como gerente operacional, na qual o réu era seu supervisor de segurança. Relatou que o réu é uma pessoa boa e íntegra, não tendo nenhum tipo de queixa em relação a ele. Esclareceu que o réu trabalhava armado e que possuía toda a documentação necessária. Aduziu que o comportamento dele sempre foi exemplar. Ficou sabendo dos fatos por terceiros, cerca de um mês após o acontecimento, narrando a mesma versão contada pelo réu. Entendo que o réu deva ser absolvido. I) Quanto ao crime previsto no artigo 12 da Lei 10.826/03, o réu confessou que possuía um revólver calibre 38, portanto de uso permitido, com o devido registro em seu nome, ainda que com a validade vencida (fls. 106). A arma de fogo estava dentro da residência de propriedade do réu, sendo que no momento do acontecido somente ele lá se encontrava, de modo que não houve risco ou perigo para a incolumidade pública. Ademais, a entrega da arma foi espontânea quando os policiais ingressaram na residência com a autorização do réu. Importante a leitura do artigo 3º da Lei nº 10.826/03, o qual traz a obrigação do registro da arma de fogo junto ao órgão competente, no caso a Polícia Federal. Já o artigo 4º da supracitada lei apresenta vários requisitos para a aquisição de arma de fogo de uso permitido. Atendidos tais requisitos, ocorre a permissão para a compra da arma, a emissão de certificado de registro que autoriza seu proprietário a mantê-la exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento (artigo 5º).  Tal registro deve ser renovado a cada 03 (três) anos , nos termos do artigo 5º, § 2º, do Estatuto do Desarmamento. Como se sabe, o artigo 12 da Lei nº 10.826/03, traz a figura típica daquele que possui ou mantém sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar. A princípio, a conduta do possuidor com o registro vencido seria típica, pelo fato de estar em desacordo com a determinação legal e regulamentar de renovar o registro a cada três anos. Justamente por isso, sua prisão pela autoridade policial, detentora da informação da ausência do registro poderia vir a ser automática. Ocorre que o vencimento da validade do certificado de registro em nada modifica a incolumidade pública. Assim, a mera apreensão do armamento até que haja a necessária renovação já se mostra suficiente para a reprovação da conduta, aplicando-se o princípio da intervenção mínima estatal. Há precedente no STJ: “HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. (…) 2. ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO COM O REGISTRO VENCIDO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL. PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA QUE SE MOSTRA SUFICIENTE. 3. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. (…) Na espécie, o paciente foi denunciado pela suposta prática da conduta descrita no art. 12 da Lei n. 10.826/2003, por possuir irregularmente um revólver marca Taurus, calibre 38, número QK 591720, além de dezoito cartuchos de munição do mesmo calibre. 3. Todavia, no caso, a questão não pode extrapolar a esfera administrativa, uma vez que ausente a imprescindível tipicidade material, pois, constatado que o paciente detinha o devido registro da arma de fogo de uso permitido encontrada em sua residência de forma que o Poder Público tinha completo conhecimento da posse do artefato em questão, podendo rastreá-lo se necessário, inexiste ofensividade na conduta. A mera inobservância da exigência de recadastramento periódico não pode conduzir à estigmatizadora e automática incriminação penal. Cabe ao Estado apreender a arma e aplicar a punição administrativa pertinente, não estando em consonância com o Direito Penal moderno deflagrar uma ação penal para a imposição de pena tão somente porque o indivíduo devidamente autorizado a possuir a arma pelo Poder Público, diga-se de passagem deixou de ir de tempos em tempos efetuar o recadastramento do artefato. Portanto, até mesmo por questões de política criminal, não há como submeter o paciente às agruras de uma condenação penal por uma conduta que não apresentou nenhuma lesividade relevante aos bens jurídicos tutelados pela Lei n. 10.826/2003, não incrementou o risco e pode ser resolvida na via administrativa. 4. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, para extinguir a Ação Penal n. 0008206-42.2013.8.26.0068 movida em desfavor do paciente, ante a evidente falta de justa causa. (Habeas corpus nº 294.078/SP, 2014/0106215-5, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta Turma, julgado em 26/08/2014, publicado em DJe 04/09/2014). Importante ressaltar que no Projeto de Lei n.º 3.722, de 2012, em trâmite na Câmara dos Deputados, há dispositivo que prevê a atipicidade dessas condutas. II) Quanto ao crime previsto no artigo 15 do referido diploma legal, entendo que o réu deva ser absolvido, pois ele confessou ter efetuado o disparo com o revólver dentro dos limites da residência, contra um muro, imaginando que seu imóvel estava a ponto de ser invadido, até aquele instante não acreditando que se tratava de policiais. No mesmo sentido, a única testemunha de acusação ouvida em juízo declarou que, assim que chegou próximo do portão da casa em construção, escutou um disparo de arma de fogo, tentando, em seguida, estabelecer diálogo com o morador do local que, num primeiro momento, não acreditou que se tratava de policiais à sua porta. Ainda, após ser franqueada sua entrada na residência, disse que o réu indicou que possuía um revólver num dos cômodos da casa. Já as testemunhas de defesa ouvidas foram unânimes em atestar a boa índole do réu. Enfim, tudo conflui para indicar que o acusado, além de possuir arma de fogo de uso permitido no interior de sua residência com o devido registro, ainda que vencido, não teve a intenção de realizar o disparo em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela. Frise-se, ainda, que não havia outras pessoas no interior da residência no momento do disparo e o revólver foi acionado contra um muro, no intuito de repelir iminente agressão, ainda que erroneamente suposta, pois na data anterior o local havia sido invadido e um objeto havia sido furtado de seu interior. No dia dos fatos, antes de efetuar o disparo, chegou a entrar em contato com sua esposa por telefone, contando-lhe que pessoas tentavam entrar novamente na casa em construção e que, por causa disso, pensava em acionar a polícia. Com base nas provas colhidas, entendo como razoável sua atuação em legítima defesa putativa, pelos motivos acima demonstrados. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação penal que a Justiça Pública move contra ADEMIR ZANUTTO e o ABSOLVO da acusação de ter praticado os crimes previstos nos artigos 12 e 15, ambos da Lei 10.826/03, o que o faço com fulcro no artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal. P. I. C. Rio Claro, 28 de setembro de 2017. CAIO CESAR GINEZ ALMEIDA BUENO Juiz de Direito DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA