Dia: 18 de Dezembro, 2017

  • Atiradores Desportivos, arma municiada e Portaria 28 COLOG

    Atiradores Desportivos, arma municiada e Portaria 28 COLOG

    I – INTRODUÇÃO

    Foi cassada a liminar que suspendia a Portaria nº. 28/2017 – COLOG, impedindo os atiradores desportivos de transportar suas armas municiadas em determinados trajetos.

    Com a cassação da liminar, os atiradores desportivos estão autorizados, novamente, a transportar “uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento“.

    Este trabalho tem por objetivo esclarecer as principais vertentes relacionadas ao transporte de armas municiadas, pelos atiradores desportivos. Para tanto, serão analisadas a Lei nº. 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), o Decreto nº. 5.123/2004 (que que regulamenta o Estatuto) e a Portaria do Exército nº. 28/2017 – COLOG. Além disso, serão abordadas as decisões judiciais.

    II – LIMINAR

    Em uma resumida linha do tempo, o Exército Brasileiro editou a portaria 28/2017, autorizando os atiradores desportivos a transportarem suas armas municiadas. Em razão disso, um advogado do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou uma ação popular, pretendo a nulidade da portaria, inclusive, com um pedido liminar, para imediata suspensão desta. A Justiça Federal daquele Estado (RS) acatou o pedido do advogado, deferindo a liminar e suspendendo a mencionada norma (Portaria 28/2017 – COLOG).

    A União, representando as Forças Armadas, recorreu ao Tribunal Regional Federal do Estado (TRF4), requerendo a cassação da liminar. O TRF4, por sua vez, acatou o pedido da União, cassando a liminar, tornando a Portaria 28/2017 – COLOG vigente, novamente.

    Até o presente momento, dia 18/12/2017, os atiradores desportivos têm o direito de transportar as armas de fogo municiadas, de acordo com a portaria do exército.

    Conveniente transcrever o artigo 135-A, da Portaria do Exército nº. 28/2017 – COLOG:

    “Art. 135-A. Fica autorizado o transporte de uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento.”

    III – ESTATUTO DO DESARMAMENTO EM RELAÇÃO AOS ATIRADORES DESPORTIVOS

    Durante a gestão petista (Presidente Lula), o Congresso Nacional (deputados federais e senadores) criou a Lei nº. 10.826/2003, chamada de Estatuto de Desarmamento, que, teve por objetivo proibir a posse e o porte de arma de fogo.

    Os atiradores desportivos receberam do Estatuto do Desarmamento o chamado “porte de trânsito”. Para melhor esclarecer, transcrevem-se os artigos abaixo:

    Art. 6º. É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:
    IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental.

    Art. 9º Compete ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma para os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou sediados no Brasil e, ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores e de representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional.

    Do artigo 6º, extrai-se que, os “integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo” receberam a exceção de “portar armas de fogo“.

    Como se vê, não há nenhuma dúvida quanto à exceção, concedida aos caçadores, atiradores e colecionadores, no tocante ao porte de arma. Além disso, também não há nenhuma dúvida de que o Comando do Exército recebeu a competência para “autorizar” e “fiscalizar” os CAC e suas armas. Conveniente transcrever o artigo abaixo:

    Art. 24. Excetuadas as atribuições a que se refere o art. 2º desta Lei, compete ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção, exportação, importação, desembaraço alfandegário e o comércio de armas de fogo e demais produtos controlados, inclusive o registro e o porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores (CACs).

    Note-se que, ainda, que o artigo 6º concedeu exceção a diversos grupos, não fazendo distinção, por exemplo, entre policiais e CACs. A única ressalva, do mencionado artigo (inciso IX), refere-se à necessidade de decreto, conforme a expressão “na forma do regulamento desta Lei”, cujo tema – decreto – será tratado logo adiante.

    O Estatuto possui três pontos evidentes na lei, não cabendo qualquer divergência: a) CACs no rol de exceção ao porte de armas (art. 6º, IX); b) necessidade de decreto regulamentador para tratar do porte de arma dos CACs (art. 6º, IX) e; c) competência do Comando do Exército a autorização, fiscalização e controle das atividades dos CACs (arts. 9º e 24).

    Dos 37 artigos do Estatuto do Desarmamento, os que se referem ao interesse dos atiradores desportivo foram acima tratados. O próximo passo é examinar o decreto que regulamentou o referido estatuto.

    IV – DECRETO QUE REGULAMENTOU O ESTATUTO DO DESARMAMENTO EM RELAÇÃO AOS ATIRADORES DESPORTIVOS

    O Decreto nº. 5.123/2004 regulamenta a Lei no 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) e, portanto, não há como abordar os interesses dos atiradores desportivos, sem examiná-lo.

    Do referido decreto, há, apenas, dois artigos que interessam ao presente texto, quais sejam artigo 30 e 32. Portanto, transcrevem-se baixo:

    Da Prática de Tiro Desportivo

    Art. 30. As agremiações esportivas e as empresas de instrução de tiro, os colecionadores, atiradores e caçadores serão registrados no Comando do Exército, ao qual caberá estabelecer normas e verificar o cumprimento das condições de segurança dos depósitos das armas de fogo, munições e equipamentos de recarga.
    § 1º As armas pertencentes às entidades mencionadas no caput e seus integrantes terão autorização para porte de trânsito (guia de tráfego) a ser expedida pelo Comando do Exército.
    (…)

    Dos Colecionadores e Caçadores

    Art. 32. O Porte de Trânsito das armas de fogo de colecionadores e caçadores será expedido pelo Comando do Exército.
    Parágrafo único. Os colecionadores e caçadores transportarão suas armas desmuniciadas.

    O artigo 30, § 1º, rege, apenas, acerca da competência do Comando do Exército, para expedir porte de trânsito (guia de tráfego) aos CACs. Até aqui, não há qualquer divergência, pois, é inquestionável a competência do Comando do Exército em expedir o porte de trânsito (guia de tráfego) aos CACs.

    A primeira tese a ser debatida encontra-se, justamente, no parágrafo único, do artigo 32, do Decreto em questão (Decreto nº. 5.123/2004).

    Isso porque, o mencionado parágrafo Decreto proibiu (vedou) expressamente os colecionadores e caçadores de transportarem suas armas municiadas. Contudo, não o fez em relação aos atiradores desportivos.

    Registre-se que, a lei não contém palavras inúteis. Trata-se de princípio basilar de hermenêutica jurídica. Assim, as palavras devem ser compreendidas como tendo alguma eficácia.

    Assim, se o Decreto fez questão de inserir o parágrafo único, do artigo 32, proibindo o trânsito de armas municiadas aos colecionadores e caçadores e deixando de fora os atiradores desportivos, conclui-se que, a norma pretendeu autorizar o transporte da arma municiada a estes últimos. Do contrário, a lei teria mencionado os atiradores desportivos no artigo.

    Para enfatizar o raciocínio, caberia a pergunta retórica: Por qual razão o decreto proibiu o transporte da arma municiada aos colecionadores e caçadores e excluiu os atiradores desportivos?

    Trata-se de uma interpretação finalística ou teleológica, que consiste na indagação da vontade do legislador. Busca-se a mens legis, que é o espírito da lei.

    Nesse caso, poderia se crer que, o legislador não proibiu o que o atirador desportivo de transportar sua arma de fogo municiada, tendo em vista que a locomoção de sua residência ou local de trabalho até o clube de tiros oferece riscos ao atirador, bem como a sociedade, haja vista que a arma poderia cair na mão de criminosos.

    Como se vê, na ausência de norma expressa, cabe a interpretação judicial, o que cria uma grande insegurança jurídica, pois não se pode saber ou prever como cada julgador irá se posicionar acerca de um determinado caso concreto.

    Há duas soluções para resolver o presente impasse. A uma, a alteração do Estatuto ou do Decreto, autorizando, expressamente, que “os atiradores desportivos poderão transportar suas armas municiadas“, como fez a Portaria 28 do COLOG ou, que haja uma consolidação de entendimento do Judiciário, por meio de súmula, de abrangência nacional.

    Enfatize-se que, somente o Poder Legislativo pode criar, extinguir ou alterar o Estatuto do Desarmamento. O decreto, por sua vez, também pode ser alterado, mas sempre estará subordinado a lei que ele pretende regular.

    Consigne-se que, mesmo se o Decreto nº. 5.123/2004 autorizasse, expressamente, o direito dos atiradores em transportar suas armas municiadas, poderia haver tese no sentido de que a Lei (Estatuto do Desarmamento) não concedeu tal direito, sendo, portanto, ilegal a concessão.

    V – LIMINAR QUE SUSPENDEU A PORTARIA 28 DO COLOG (CASSADA)

    Foi dito anteriormente que, a ausência de norma expressa gera a necessidade da interpretação do julgador, o que cria uma enorme insegurança jurídica. Pois bem, a liminar, deferida pela juíza do Rio Grande do Sul, que suspendeu a portaria 28 do Colog, pautou-se, justamente, “na ausência de norma”, como se vê abaixo:

    (…) “diante da inexistência de previsão normativa de que os atiradores possam transportar suas armas municiadas, tem-se que o Comando do Exército acabou por afrontar o princípio da legalidade ao editar o art. 135-A da Portaria nº. 28/2017 – COLOG. Há que se considerar que o Estatuto do Desarmamento proibiu, de forma geral, o porte de arma de fogo, excepcionando o caso dos atiradores desportivos, de acordo com o regulamento. Nesse passo, uma vez que, do decreto regulamentar, a que se refere expressamente a lei, não é possível extrair autorização para o transporte de arma municiada pelo referido grupo, já que tal norma nada dispôs nesse sentido, consoante artigos alhures colacionado, há de prevalecer a regra geral, que veda o porte de arma.

    Vale dizer, a despeito da competência conferida ao Exército, pela lei e pelo decreto regulamentar, para a concessão do porte de trânsito de arma de fogo, não há fundamento a admitir a referida inovação no ordenamento jurídico” (…).

    Da análise da decisão supra, tem-se que, a juíza sentenciante considerou que não havia norma (lei ou decreto regulamentador) a autorizar o transporte de arma municiada pelo atirador desportivo. Dessa forma, a julgadora entendeu que embora o Comando do Exército tenha competência para conceder o porte de trânsito de arma de fogo, o fato de acrescentar o termo “municiada” em sua portaria, configura inovação, o que é vedado, por meio deste tipo de norma (portaria).

    VI – DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (TRF4) QUE CASSOU A LIMINAR

    A decisão que cassou a liminar não tratou do assunto acerca do direito do atirador desportivo transportar sua arma municiada. O tribunal (TRF4), limitou-se a questão processual. Isso porque, a decisão baseou-se no entendimento de “inadequação da via eleita”. Em simples palavras, a liminar foi deferida em uma “ação popular” (que foi a “via eleita”). Contudo, o tribunal entendeu ser ela “inadequada”. Assim, não houve qualquer abordagem do direito, em si, dos atiradores desportivos, nesta instância.

    O recurso que cassou a liminar (agravo de instrumento) ainda aguarda decisão definitiva, tendo em vista que a cassação é uma decisão antecipada. Espera-se, pelos argumentos (fundamentação) utilizados pelo tribunal, que o recurso da União será “provido”, ao final.

    Esclareça-se que a liminar é uma forma de decisão antecipada e a sentença é a decisão final do juiz de primeira instância. Logo, a ação popular ainda aguarda sua sentença em primeira instância.

    VII – SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DE SÃO PAULO

    A Secretaria de Segurança Pública, por meio do secretário, Mágino Alves Barbosa Filho, editou a Resolução SSP-83, de 19-6-2017, determinando às Polícias Civil e Militar, o que segue:

    Resolução SSP-83, de 19-6-2017

    Determina a observância do disposto na Portaria 28-COLOG, de 14-03-2017, do Comandante Logístico do Exército Brasileiro, pelas Polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo.

    O Secretário da Segurança Pública, resolve: Artigo 1º – As Polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo deverão observar o contido na Portaria 28-COLOG, de 14-03- 2017, do Comandante Logístico do Exército Brasileiro, que deu nova redação a dispositivos da Portaria 51-COLOG, de 8 de setembro de 2015, em especial ao dispositivo no art. 135-A, que autoriza “o transporte de uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento”. Artigo 2º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

    VIII – ABUSO DE AUTORIDADE

    Segundo palestras de delegados e promotores de justiça, o desconhecimento de alguns servidores, incluindo delegados e oficiais da Polícia Militar, causa um grande risco do cometimento do crime de abuso de autoridade, previsto na Lei nº.4.898/1965, principalmente, no que diz respeito ao artigo 4º, quando prendem, ilegalmente, atiradores desportivos.

    As sanções da lei de abuso de autoridade são de âmbito civil, criminal e administrativo. De acordo com o art. 6º, § 1º, alínea “f”, a pena pode chegar a demissão do serviço público.

    IX – PODER LEGISLATIVO

    O juiz (Poder Judiciário) julga de acordo com a lei vigente. O Comando do Exército (Poder Executivo) tenta normatizar de acordo com a competência que lhe foi conferida por lei. Portanto, a solução está em deixar de criticar o entendimento do Poder Judiciário, bem como a Portaria do Exército e cobrar a solução do Poder Legislativo (deputados federais e senadores).

    Foi o Poder Legislativo que aprovou o Estatuto do Desarmamento e o Decreto Regulamentador, na forma que está.

    Dessa forma, deve-se frisar que, o poder de conceder o direito ao porte de armas não cabe aos juízes, ao Comando do Exército ou a Polícia Federal, mas sim, aos deputados federais e senadores, que criam as leis e representam – ou deveriam representar – os interesses do povo.

    Atualmente, está em debate a revogação do estatuto do desarmamento, conforme a consulta pública “PLS 378/2017”, criada pelo Senado Federal. Apesar da importância, a participação popular nesse projeto está muito abaixo do esperado.

    Adriano Martins Pinheiro é advogado em São Paulo, articulista e palestrante e, nas horas vagas, atirador desportivo.

    Contato: (11) 2478-0590 | Whatsapp (11) 99999-7566 | pinheiro@advocaciapinheiro.com


    VÍDEO ABAIXO:

  • Liminar que suspendeu o artigo 135-A da Portaria nº. 28/2017 – COLOG

    Liminar que suspendeu o artigo 135-A da Portaria nº. 28/2017 – COLOG

    Trata-se de ação popular ajuizada por xxxxxxxxxxxxxxxx contra a UNIÃO, objetivando seja deferida Medida Liminar/Tutela de Urgência para suspender os efeitos do artigo 135-A da Portaria 28 – COLOG, 2017, ante a sua flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade, ordenando que a ré dê publicidade desta medida, em especial a todos os clubes de tiros do território nacional.

    Narrou que, em 14/03/2017, o Exército Brasileiro editou a Portaria nº. 28 – COLOG (Comando Logístico do Exército), a qual alterou a Portaria nº. 51- COLOG, de 08/09/2015, exorbitando do poder regulamentar conferido pela Lei 10.826/2003, ao liberar, para os atiradores desportivos, o transporte de arma de fogo municiada, do local de guarda ao local competição e/ou treinamento.

    Afirmou que, até este ano, vigorava o entendimento de que as armas deveriam ser transportadas descarregadas e desmuniciadas, conforme estabelecido na Portaria nº. 4/2001 – COLOG.

    Sustentou que o disposto na Portaria nº. 28 – COLOG cria enorme insegurança, uma vez que possibilita o porte de armas municiadas por civis, e cria zona gris de enquadramento do porte ilegal, já que múltiplas são as rotas possíveis a serem percorridas entre a residência e o local de tiro.

    Alegou que o pano de fundo da criação da portaria atacada é um movimento concatenado formado por organizações civis em busca de uma forma abreviada para o registro de posse de arma de fogo para o cidadão comum, e por clubes de tiros, que, com o porte municiado, viram seus números de inscritos crescerem.

    Invocou o disposto no art. 6º, inciso IX, da Lei nº. 10.826/2003, e os arts. 30 e 31 do Decreto nº. 5.123/2004, asseverando em momento algum ter sido deferido o porte de arma municiada para os praticantes do tiro desportivo. Alegou que a mens legis foi de facultar ao colecionadores, atiradores e caçadores o porte não municiado de arma de fogo, o que até então era respeitado pelas portarias do Comando Logístico do Exército. Sustentou que o ato atacado seria lesivo ao patrimônio público, por ofender o princípio da moralidade.

    Intimada, a UNIÃO manifestou-se sobre o pedido de tutela de urgência no Evento 10. Arguiu, preliminarmente, a inadequação da via eleita, ao fundamento de que a ação popular tem por objetivo a anulação de atos administrativos concretos lesivos ao patrimônio público, e não a anulação de atos normativos abstratos.

    Suscitou, ainda, a falta de interesse de agir do autor, ante a inadequação da ação popular, uma vez que não teria sido demonstrada a efetiva lesividade ao patrimônio público em decorrência do ato combatido. Quanto à questão de fundo, alegou que, segundo os arts. 6, 9 e 24 do Estatuto do Desarmamento, é assegurado ao colecionador, atirador e caçador transitar com arma de fogo, amparado por um porte de trânsito, bem como é de competência do Exército realizar o registro das armas dessas categorias e conceder-lhes o porte de trânsito. Afirmou, ainda, que o art. 6º, inciso IX, inclui, dentre as exceções à proibição ao porte de arma de fogo, os atiradores desportivos.

    Asseverou que o legislador primário não estabeleceu qualquer limite que vinculasse o Poder Executivo na regulamentação da lei, tendo consignado apenas que a competência para o registro e o porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores é do Comando do Exército. Salientou não haver, na portaria impugnada, qualquer afronta às disposições do Estatuto do Desarmamento, assim como do Decreto nº. 5.123/2004, que o regulamentou.

    Defendeu que a intenção do legislador foi permitir o transporte de arma municiada pelo atirador, uma vez que não há, no Decreto nº. 5.123/2004, vedação expressa a tanto, como no caso dos caçadores e colecionadores.

    Aduziu que o disposto no art. 31, §2º, do Decreto n.º 5.123/2004 deve ser interpretado de forma teleológica, de modo a ser aplicado no âmbito das grandes competições internacionais que o país sediou e eventualmente sediará. Ressaltou, por fim, que o ato normativo atacado, ao contrário do que quer fazer crer o autor, observou o princípio da impessoalidade, tendo como objetivo primordial o interesse público consubstanciado na necessidade de o atirador desportivo garantir a segurança das armas transportadas, evitando que caiam nas mãos de criminosos.

    O Ministério Público Federal acostou parecer ao Evento 8, opinando pelo deferimento do pedido liminar, sem prejuízo de novo exame a ser realizado após a instrução do processo. Intimado, o autor manifestou-se sobre a preliminar invocada pela União (Evento 16). Após nova manifestação do Ministério Público Federal (Evento 18), os autos vieram conclusos.

    Passa-se à decisão.

    1. Preliminares. (i) Inadequação da via eleita. Ato normativo abstrato. A União arguiu a inadequação da via eleita, sustentando que a ação popular teria como objetivo a anulação de atos administrativos concretos, e não a anulação de atos normativos. É cediço que é objeto da ação popular o combate a ato ilegal ou imoral e lesivo ao patrimônio público, afastada a possibilidade de sua utilização para invalidação de lei em tese. No caso dos autos, contudo, a Portaria n.º 28/2017 – COLOG (Comando Logístico do Exército), na parte em que impugnada pelo autor, não se reveste de características de generalidade e abstração. Ao revés, ao autorizar o transporte de arma de fogo municiada pelos atiradores desportivos, o aludido ato normativo acaba por regulamentar situação específica. Destarte, resta afastada a preliminar invocada. (ii) Inadequação da via eleita.

    Falta de interesse de agir. Ausência de ato concreto ilegal e lesivo ao patrimônio público. A ré suscita, ainda, a ausência de interesse de agir, uma vez que não teria restado demonstrada a ilegalidade do ato, assim como a sua lesividade ao patrimônio público, nos moldes que exige o artigo 1º da Lei nº.4.717/65. No entanto, consoante entendimento reiteradamente manifestado pelo STF e pelo STJ, para o cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo, por ofensa a normas específicas ou desvios dos princípios da Administração Pública, sendo dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos. Nesse sentido: Direito Constitucional e Processual Civil. Ação popular. Condições da ação. Ajuizamento para combater ato lesivo à moralidade administrativa. Possibilidade. Acórdão que manteve sentença que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, por entender que é condição da ação popular a demonstração de concomitante lesão ao patrimônio público material. Desnecessidade. Conteúdo do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal. Reafirmação de jurisprudência. Repercussão geral reconhecida. 1. O entendimento sufragado no acórdão recorrido de que, para o cabimento de ação popular, é exigível a menção na exordial e a prova de prejuízo material aos cofres públicos, diverge do entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal. 2. A decisão objurgada ofende o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, que tem como objetos a serem defendidos pelo cidadão, separadamente, qualquer ato lesivo ao patrimônio material público ou de entidade de que o Estado participe, ao patrimônio moral, ao cultural e ao histórico. 3. Agravo e recurso extraordinário providos. 4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência. (ARE 824781 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 27/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-203 DIVULG 08-10-2015 PUBLIC 09- 10-2015 ) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AÇÃO POPULAR. COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO EXCLUSIVAMENTE ECONÔMICO. DESNECESSIDADE. PROTEÇÃO AOS BENS E DIREITOS ASSOCIADOS AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO ALCANÇADO PELA INSTÂNCIA DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA RECONHECIDO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ÓBICE DA SÚMULA 83/STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui firme orientação de que um dos pressupostos da Ação Popular é a lesão ao patrimônio público. Ocorre que a Lei 4.717/1965 deve ser interpretada de forma a possibilitar, por meio de Ação Popular, a mais ampla proteção aos bens e direitos associados ao patrimônio público, em suas várias dimensões (cofres públicos, meio ambiente, moralidade administrativa, patrimônio artístico, estético, histórico e turístico). 2. Para o cabimento da Ação Popular, basta a ilegalidade do ato administrativo por ofensa a normas específicas ou desvios dos princípios da Administração Pública, dispensando-se a demonstração de prejuízo material. 3. Hipótese em que a Corte de origem concluiu que “o então Gestor Público Municipal atentou contra os princípios da administração pública, com violação da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, desviando a finalidade de sua atuação para satisfazer sentimento pessoal alheio à ética e à moral (…)”. 4. Descabe ao Superior Tribunal de Justiça iniciar juízo valorativo a fim de desconstituir a conclusão alcançada pela instância de origem, pois, para isso, seria necessário o exame do contexto fático-probatório dos autos, o que não se admite nesta estreita via recursal, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 5. No mais, cabe esclarecer, quanto ao artigo 11 da Lei 8.429/1992, que a jurisprudência do STJ, com relação ao resultado do ato, firmou-se no sentido de que se configura ato de improbidade a lesão a princípios administrativos, o que, em regra, independe da ocorrência de dano ou lesão ao Erário. 6. O acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: “Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”. 7. Agravo Interno não provido. (AgInt no AREsp 949.377/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 20/04/2017) Rejeita-se, assim, a prefacial invocada.

    2. Tutela Provisória de Urgência. A suspensão liminar do ato impugnado por meio de ação popular é possível, nos termos do § 4º do art. 5º da Lei nº 4.717/65. Para tanto, há que restar demonstrada a presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, conforme exige o art. 300 do Código de Processo Civil. In casu, presentes tais requisitos.

    Sustenta, o autor, que o Exército Brasileiro, ao alterar a Portaria n.º 51/2015 – COLOG, por meio da Portaria n.º 28/2017 – COLOG, permitindo o transporte de arma de fogo municiada pelos atiradores desportivos, acabou por exorbitar o poder regulamentar que lhe foi conferido, em afronta à Lei nº. 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) e ao Decreto nº. 5.123/2004.

    Assim dispõe o objurgado ato administrativo:

    Art. 135-A. Fica autorizado o transporte de uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento.

    Até a publicação da Portaria nº. 001/2015- COLOG, que revogou a Portaria nº. 004/2011- COLOG, vigia a seguinte regra: “As armas devem ser transportadas descarregadas e desmuniciadas, além da desmontagem sumária que o tipo de arma permitir, de forma a caracterizar a impossibilidade de uso imediato”.

    A Portaria nº. 001/2015 – COLOG, assim como a Portaria nº. 51/2015 – COLOG, que a revogou, nada estabeleceram quanto ao transporte de armas. O Estatuto do Desarmamento, ao proibir o porte de arma de fogo, excepcionou a situação dos atiradores desportivos, reportando-se ao disposto no regulamento: Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para: (…) IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental Ainda, estabeleceu competir ao Comando do Exército, também nos termos do regulamento, autorizar o registro e o porte de trânsito de arma de fogo para atiradores: Art. 9 o Compete ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma para os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou sediados no Brasil e, ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores e de representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional. Art. 24. Excetuadas as atribuições a que se refere o art. 2º desta Lei, compete ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção, exportação, importação, desembaraço alfandegário e o comércio de armas de fogo e demais produtos controlados, inclusive o registro e o porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores.

    O Decreto nº. 5.123/2004, de sua vez, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento, estabeleceu o que segue, ao tratar do porte e do trânsito de arma de fogo para os atiradores, caçadores e colecionadores: Seção II Dos Atiradores, Caçadores e Colecionadores Subseção I Da Prática de Tiro Desportivo Art. 30. As agremiações esportivas e as empresas de instrução de tiro, os colecionadores, atiradores e caçadores serão registrados no Comando do Exército, ao qual caberá estabelecer normas e verificar o cumprimento das condições de segurança dos depósitos das armas de fogo, munições e equipamentos de recarga. § 1 o As armas pertencentes às entidades mencionadas no caput e seus integrantes terão autorização para porte de trânsito (guia de tráfego) a ser expedida pelo Comando do Exército. § 2 o A prática de tiro desportivo por menores de dezoito anos deverá ser autorizada judicialmente e deve restringir-se aos locais autorizados pelo Comando do Exército, utilizando arma da agremiação ou do responsável quando por este acompanhado. § 3º A prática de tiro desportivo por maiores de dezoito anos e menores de vinte e cinco anos pode ser feita utilizando arma de sua propriedade, registrada com amparo na Lei n o 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, de agremiação ou arma registrada e cedida por outro desportista. Art. 31. A entrada de arma de fogo e munição no país, como bagagem de atletas, para competições internacionais será autorizada pelo Comando do Exército. § 1 o O Porte de Trânsito das armas a serem utilizadas por delegações estrangeiras em competição oficial de tiro no país será expedido pelo Comando do Exército. § 2 o Os responsáveis e os integrantes pelas delegações estrangeiras e brasileiras em competição oficial de tiro no país transportarão suas armas desmuniciadas. Subseção II Dos Colecionadores e Caçadores Art. 32. O Porte de Trânsito das armas de fogo de colecionadores e caçadores será expedido pelo Comando do Exército. Parágrafo único. Os colecionadores e caçadores transportarão suas armas desmuniciadas.

    Nesse contexto, defende, a União, que a interpretação teleológica das normas imporia a conclusão de que o legislador quis permitir o transporte de armas municiadas pelos atiradores desportivos, já que, ao contrário do estabelecido para os colecionadores e caçadores, não há vedação expressa a tanto. Contudo, diante da inexistência de previsão normativa de que os atiradores possem transportar suas armas municiadas, tem-se que o Comando do Exército acabou por afrontar o princípio da legalidade ao editar o art. 135-A da Portaria nº. 28/2017 – COLOG.

    Há que se considerar que o Estatuto do Desarmamento proibiu, de forma geral, o porte de arma de fogo, excepcionando o caso dos atiradores desportivos, de acordo com o regulamento. Nesse passo, uma vez que, do decreto regulamentar, a que se refere expressamente a lei, não é possível extrair autorização para o transporte de arma municiada pelo referido grupo, já que tal norma nada dispôs nesse sentido, consoante artigos alhures colacionado, há de prevalecer a regra geral, que veda o porte de arma.

    Vale dizer, a despeito da competência conferida ao Exército, pela lei e pelo decreto regulamentar, para a concessão do porte de trânsito de arma de fogo, não há fundamento a admitir a referida inovação no ordenamento jurídico.

    Ressalte-se que a existência de diferenças entre o porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido pela Polícia Federal e o porte de trânsito previsto no art. 135 -A da Portaria nº. 28- COLOG, as quais restaram elencadas pela Administração na manifestação que acompanhou a contestação (INF2, Evento 10), não altera, notadamente, tal conclusão.

    Por fim, o perigo de dano está configurado, porquanto presumível o risco à segurança pública decorrente da permissão de transporte de arma de fogo municiada pelos atiradores desportivos.

    Ante o exposto, DEFIRO a medida liminar para suspender os efeitos do artigo 135-A da Portaria nº. 28/2017 – COLOG, cabendo à re dar publicidade desta medida aos clubes de tiros do território nacional.

    Intimem-se, sendo a União, em regime de urgência, para imediato cumprimento. Cite-se. Vindo aos autos a contestação, intime-se a parte autora nos termos do art. 350 do Código de Processo Civil. Após, intimem-se as partes para que especifiquem, justificadamente, no prazo de 05 (cinco) dias, as provas que pretendem produzir. Dê-se vista ao Ministério Público Federal. Nada sendo requerido, venham os autos conclusos para sentença, nos termos do art. 355, inciso I do CPC. Documento eletrônico assinado por THAIS HELENA DELLA GIUSTINA, Juíza Federal SUBSTITUTA.

    Poder Judiciário JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Rio Grande do Sul 3ª Vara Federal de Porto Alegre Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 600, 6º andar – Ala Oeste – Bairro: Praia de Belas – CEP: 90010- 395 – Fone: (51)3214-9130 – Email: rspoa03@jfrs.gov.br AÇÃO POPULAR Nº 5054633-68.2017.4.04.7100/RS AUTOR: RAFAEL SEVERINO GAMA ADVOGADO: RAFAEL SEVERINO GAMA RÉU: UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO DESPACHO/DECISÃO Vistos.