Pessoa Colectiva Religiosa em Portugal: O que São e Quais as Obrigações?
As pessoas colectivas religiosas em Portugal têm um tratamento jurídico especial, previsto na Lei n.º 16/2001, de 22 de junho, que regula como estas entidades funcionam e quais os seus direitos e obrigações. Mas o que exatamente são estas organizações? Qual a sua diferença em relação a empresas ou associações comuns? E quando precisam de um CAE (Código de Atividade Económica)? Vamos esclarecer estas questões de forma simples e direta.
O Que é uma Pessoa Colectiva Religiosa?
Uma pessoa coletiva religiosa é uma entidade criada para desenvolver atividades relacionadas com a religião ou o culto, de forma organizada e estável. O seu principal objetivo é permitir que grupos religiosos exerçam a sua liberdade de religião e promovam as suas práticas, como cultos, eventos espirituais, caridade ou formação religiosa.
Estas entidades podem ser, por exemplo:
- Igrejas ou comunidades religiosas;
- Ordens religiosas, como congregações de monges ou freiras;
- Instituições que prestem serviços sociais, educativos ou culturais ligados a uma religião.
Para que estas organizações sejam reconhecidas como pessoas coletivas religiosas, devem ser registadas na Conservatória do Registo de Pessoas Colectivas. Este registo garante que funcionam de acordo com a lei e que têm uma estrutura adequada para alcançar os seus objetivos religiosos.
O Que é o CAE e Quando é Obrigatório?
Se a pessoa colectiva religiosa se dedicar apenas a atividades espirituais ou de culto, não precisa de um CAE nem de registo fiscal nas Finanças, pois não está a desenvolver uma atividade económica.
O CAE (Código de Atividade Económica) é um código atribuído pela Autoridade Tributária (AT) para identificar a atividade económica de uma entidade. Por exemplo, uma empresa de construção terá um CAE relacionado com a construção, enquanto uma associação cultural terá um CAE relacionado com atividades culturais.
No caso das pessoas coletivas religiosas, o CAE só é obrigatório se a organização realizar atividades económicas, como:
- Vender livros religiosos, objetos litúrgicos ou outros produtos;
- Prestar serviços, como eventos pagos ou exploração de um espaço para fins comerciais;
- Gerir escolas ou lares ligados à organização religiosa.
Diferença entre Pessoas Coletivas Religiosas, Empresas e Associações
Embora todas sejam tipos de entidades legais, há diferenças importantes entre pessoas coletivas religiosas, empresas e associações.
Empresas
Objetivo: Realizam atividades com fins lucrativos.
Obrigações: Estão sujeitas a IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), IVA e têm de ter contabilidade organizada.
Registo: Devem ter uma certidão permanente atualizada e cumprir obrigações comerciais.
Associações
Objetivo: São entidades sem fins lucrativos, como clubes desportivos, associações culturais ou sociais.
Obrigações: Dependem da atividade. Podem ser obrigadas a pagar impostos, caso realizem atividades económicas.
Regime: Regem-se pelo Código Civil e pelo regime geral das associações.
Associações Religiosas
Objetivo: Promovem atividades ligadas à religião, mas não têm o mesmo enquadramento jurídico que as pessoas coletivas religiosas.
Obrigações: São tratadas como associações comuns, sendo obrigadas a cumprir requisitos como contabilidade organizada e registo fiscal, caso realizem atividades económicas.
Pessoas Colectivas Religiosas
Objetivo: Realizam atividades exclusivamente religiosas ou relacionadas com a religião.
Regime especial: Têm isenções fiscais e administrativas únicas, reconhecidas pela Lei n.º 16/2001.
Obrigações: Não precisam de contabilidade organizada, nem de certidão permanente, salvo se realizarem atividades económicas.
Porque Têm as Pessoas Colectivas Religiosas um Regime Jurídico Especial?
As pessoas colectivas religiosas em Portugal beneficiam de um regime jurídico próprio, em virtude do reconhecimento da sua função essencial na promoção da liberdade religiosa, nos termos da Lei da Liberdade Religiosa.
Esse regime confere isenções e benefícios específicos, nomeadamente de natureza fiscal e patrimonial, como se descreve a seguir:
Isenções Fiscais e Patrimoniais
Nos termos do artigo 31.º da referida Lei, as igrejas e demais comunidades religiosas podem receber donativos e efetuar colectas públicas, bem como distribuir publicações religiosas, sem sujeição a qualquer imposto, quando tais atos estejam diretamente ligados ao exercício do culto ou à prossecução dos fins religiosos.
O artigo 32.º estabelece ainda um vasto conjunto de isenções fiscais aplicáveis às pessoas coletivas religiosas inscritas, nomeadamente:
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Isenção de impostos sobre imóveis destinados a fins religiosos, incluindo lugares de culto, seminários, dependências de apoio e logradouros (n.º 1);
-
Isenção de imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis (sisa), bem como imposto de selo sobre sucessões e doações, para aquisições com fins religiosos (n.º 2);
-
Dedutibilidade de donativos atribuídos por pessoas singulares para efeitos de IRS (n.º 3);
-
Possibilidade de consignação de 1% do IRS por parte dos contribuintes a favor de igrejas e comunidades religiosas com benefício fiscal reconhecido (n.os 4 a 10).
Embora a lei não preveja expressamente a dispensa de contabilidade organizada, a natureza específica destas entidades — cuja atividade principal não visa fins lucrativos — justifica que a sua tributação seja limitada às situações em que sejam desenvolvidas atividades económicas com caráter empresarial, sujeitas, aí sim, ao regime tributário geral.
Assim, o regime especial das pessoas colectivas religiosas visa salvaguardar a liberdade religiosa, assegurando simultaneamente o cumprimento dos deveres de transparência e responsabilidade sempre que estas entidades exerçam atividades fora do estritamente religioso.
Dispensa de Certidão Permanente
As pessoas colectivas religiosas em Portugal estão dispensadas de manter uma certidão permanente, exceto quando realizam atividades económicas que impliquem registo fiscal ou comercial. Essa dispensa não está diretamente especificada em termos explícitos na Lei n.º 16/2001, mas decorre do facto de não estarem sujeitas às mesmas obrigações das pessoas coletivas previstas no Código das Sociedades Comerciais ou no Código Civil (no caso de associações).
No entanto, se a pessoa coletiva religiosa exercer atividades económicas regulares, será obrigada a obter um registo comercial ou fiscal e poderá então ser necessário manter a certidão permanente para cumprir com requisitos legais e administrativos associados às atividades económicas.
Conclusão
As pessoas colectivas religiosas têm um regime jurídico e fiscal único em Portugal, que reflete a sua finalidade espiritual e não lucrativa. São diferentes de empresas e associações comuns, pois não precisam de contabilidade organizada, registo fiscal, CAE ou certidão permanente, salvo se realizarem atividades económicas.
Este regime simplificado respeita a sua missão principal, permitindo-lhes concentrar-se na prática religiosa sem as mesmas exigências impostas a entidades com fins lucrativos. No entanto, sempre que haja dúvidas sobre obrigações fiscais ou legais, é aconselhável consultar um advogado ou contabilista especializado em organizações religiosas.