O Cartão de Cidadão ao Abrigo do Tratado Porto Seguro é um documento de identificação civil válido e suficiente em Portugal para cidadãos brasileiros que tenham obtido o Estatuto de Igualdade de Direitos e Deveres. Este cartão permite a identificação do seu titular perante todas as entidades públicas e privadas em território nacional.
O que é o Cartão de Cidadão em Portugal?
O Cartão de Cidadão é o principal documento de identificação civil em Portugal. Ele reúne num único suporte vários números de identificação essenciais, incluindo:
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Número de Identificação Civil (NIC);
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Número de Identificação Fiscal (NIF);
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Número de Utente do Serviço Nacional de Saúde (SNS);
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Número de Identificação da Segurança Social.
Conforme estabelece o artigo 2.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro:
“O Cartão de Cidadão é um documento autêntico que contém os dados de cada cidadão relevantes para a sua identificação (…)”
Assim, o cartão é suficiente para comprovar a identidade civil em Portugal, substituindo outros documentos de identificação em procedimentos administrativos e privados.
Cartão de Cidadão para cidadãos brasileiros
O Cartão de Cidadão ao Abrigo do Tratado Porto Seguro pode ser emitido a cidadãos brasileiros que tenham obtido o Estatuto de Igualdade de Direitos e Deveres, nos termos do Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de julho. Esta possibilidade está prevista no artigo 3.º, n.º 2 da Lei n.º 7/2007, que dispõe:
“A obtenção do Cartão de Cidadão é facultativa para os cidadãos brasileiros a quem (…) tenha sido concedido o estatuto geral de igualdade de direitos e deveres previsto no Tratado (…).”
Dessa forma, cidadãos brasileiros com este estatuto podem solicitar o Cartão de Cidadão, o qual contém a nacionalidade brasileira (código BRA) e a menção expressa:
“Cidadão brasileiro ao abrigo do Tratado Porto Seguro”
Além disso, o verso do cartão inclui a advertência:
“Não serve de documento de viagem”
Ou seja, apesar de ter valor como documento de identificação civil dentro de Portugal, o Cartão de Cidadão emitido a brasileiros não substitui o passaporte e não é válido para viagens internacionais.
O que é o Tratado de Porto Seguro?
O Tratado de Porto Seguro é o nome informal do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta celebrado entre Portugal e o Brasil, em 22 de abril de 2000. Este instrumento internacional foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 83/2000 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 79/2000, de 14 de dezembro.
O tratado permite que os cidadãos brasileiros residentes legais em Portugal solicitem:
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O Estatuto de Igualdade de Direitos e Deveres, e
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(Opcionalmente) o Estatuto de Igualdade de Direitos Políticos.
Com o primeiro estatuto, o cidadão brasileiro adquire direitos semelhantes aos dos cidadãos portugueses, como acesso ao mercado de trabalho, segurança social e serviços públicos, o que viabiliza a emissão do Cartão de Cidadão.
Desconhecimento administrativo e exigências indevidas
Apesar da base legal clara, verifica-se na prática que alguns funcionários de serviços públicos desconhecem o regime jurídico aplicável ao Cartão de Cidadão ao Abrigo do Tratado Porto Seguro. Este desconhecimento dá origem a exigências indevidas, como a apresentação do título de residência, mesmo após a emissão do Cartão de Cidadão.
A exigência indevida do título de residência
A exigência de um título de residência — documento típico de cidadãos estrangeiros não integrados — ignora o estatuto jurídico especial do cidadão brasileiro ao abrigo do Tratado. Este estatuto implica:
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Igualdade de direitos e deveres com os cidadãos portugueses (Decreto-Lei n.º 154/2003);
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Validade do Cartão de Cidadão como documento de identificação funcional e legal.
A insistência na apresentação do título de residência, nestes casos, revela desconhecimento da exceção legal criada pelo Tratado e pelo Estatuto de Igualdade.
Quando uma unidade de saúde, por exemplo, recusa a inscrição de utentes com base na ausência de título de residência, mesmo apresentando o Cartão de Cidadão válido com a menção ao Tratado de Porto Seguro, o comportamento é ilegítimo à luz da legislação portuguesa.
Nestes casos, o cidadão pode apresentar:
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Reclamação administrativa junto da entidade responsável;
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Queixa ao provedor de justiça ou à ERS;
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Eventualmente, propor providência judicial, especialmente se a recusa implicar a negação de acesso a direitos fundamentais, como o acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Vantagens do Cartão de Cidadão ao abrigo do Tratado
Ter um Cartão de Cidadão ao Abrigo do Tratado Porto Seguro garante:
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Identificação oficial unificada;
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Acesso facilitado aos serviços públicos;
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Reconhecimento legal perante entidades privadas;
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Dispensa de apresentar múltiplos documentos (NIF, SNS, SSN, etc.).
Contudo, é importante frisar: o cartão não comprova a nacionalidade portuguesa, nem substitui o título de residência para efeitos migratórios, salvo para fins internos de identificação.
Conclusão
O Cartão de Cidadão ao Abrigo do Tratado Porto Seguro é um instrumento legal eficaz e reconhecido para identificação civil de cidadãos brasileiros com Estatuto de Igualdade. Embora não seja válido como documento de viagem, este cartão representa uma forma de integração administrativa no sistema português, com respaldo legal claro.
A recusa da sua aceitação por parte de funcionários públicos deve ser prontamente contestada, pois contraria a legislação em vigor e pode afetar o exercício de direitos fundamentais. O respeito pela norma jurídica é essencial para a plena eficácia dos tratados internacionais e da boa-fé administrativa.