CDHU terá que outorgar escritura definitiva a contrato de gaveta

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Um morador que adquiriu sua casa em um conjunto habitacional, por meio de contrato de gaveta, ajuizou ação contra a Companhia de Desenvolvimento de São Paulo (CDHU), requerendo que a referida companhia promovesse a outorga da escritura definitiva em seu favor, tendo em vista que ele – requerente – havia quitado o financiamento.

Em resumo, o requerente (morador) pediu na ação a transferência do financiamento celebrado entre a CDHU e os mutuários e, ainda, a emissão de escritura definitiva diretamente ao seu nome.

O imóvel foi adquirido por contrato de promessa de compra e venda, sem que a CDHU tivesse autorização a cessão/transferência ou, até mesmo, tivesse ciência do negócio.

Antes do contrato do requerente, o imóvel já havia sido negociado duas vezes, por meio de “cessões de direitos”, instrumentalizados por contratos de gaveta. A primeira cessão ocorreu em 1993, sendo que o requerente da ação adquiriu o imóvel em 2012.

Ao se defender, a CDHU alegou que celebrou contrato de promessa de compra e venda com os mutuários originais em 1983, e que, não autorizou ou concordou com a cessão de direitos, realizada pelo contrato de gaveta. Logo, não poderia ela (CDHU) ser vinculada no processo judicial.

A contestação da CDHU fundamentou-se no artigo 1º, da Lei nº 8.004/1990, que dispõe sobre transferência de financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Conveniente transcrever o artigo abaixo:

“Art. 1º O mutuário do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) pode transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato, observado o disposto nesta lei.

Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativa a imóvel gravado em favor de instituição financiadora do SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora, mediante a assunção, pelo novo mutuário, do saldo devedor contábil da operação, observados os requisitos legais e regulamentares para o financiamento da casa própria, vigentes no momento da transferência, ressalvadas as situações especiais previstas nos artigos 2º e 3º desta lei.

Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora. (Redação dada pela Lei nº 10.150, de 2000).”

Além da norma acima, a contestação lembrou que a transferência dos contratos de financiamento firmados com a CDHU é disciplinada pela Lei Estadual nº 12.276/2006, regulamentada pelo Decreto nº 51.241/2006. A referida lei dispõe sobre a alienação dos imóveis financiados pela CDHU, no curso do contrato de financiamento.

A defesa da CDHU alegou, também, que, embora tenha havido acordo entre a mutuária originária e terceiros, uma vez que não foi providenciada a devida transferência do financiamento, os pagamentos efetuados foram feitos em nome da mutuária originária. Assim, uma vez quitado – e consequentemente extinto – o contrato de financiamento, não é possível qualquer transferência de titularidade do contrato adimplido.

Colacionou-se, como jurisprudência, a decisão do Superior Tribunal de Justiça:

“(…) 2. A Lei nº 10.150/2000 alterou os critérios para a formalização da transferência de financiamentos celebrados no âmbito do SFH. Isto não significa, entretanto, que tenha reconhecido válidas, de modo incondicionado e imediato, todas as sub-rogações ocorridas sem a expressa concordância da mutuante. O mencionado diploma legal é claro no seu art. 20, caput, vejamos: ‘As transferências no âmbito do SFH, à exceção daquelas que envolvam contratos enquadrados nos planos de reajustamento definidos pela Lei nº 8.692, de 28 de julho de 1993, que tenham sido celebrados entre o mutuário e o adquirente até 25 de outubro de 1996, sem a interveniência da instituição financiadora, poderão ser regularizados nos termos desta Lei’. Não se extrai do teor da norma legal em comento a dispensa da concordância da instituição financeira para a transferência do contrato de mútuo. A lei apenas dá ao adquirente do imóvel financiado, que obteve a cessão do financiamento sem o consentimento da mutuante, a oportunidade de regularizar sua situação, o que deve ser realizado segundo os termos ali dispostos. 3. A recorrida, em momento algum, logrou comprovar que procedeu à regularização da transferência tal como exigido no citado dispositivo legal. Dessarte, enquanto não demonstrada cabalmente a regularização da transferência do contrato de mútuo, consoante os termos da Lei nº 10.150/2000, impossível atribuir ao cessionário do financiamento legitimidade para postular eventuais revisões das cláusulas contratuais.” (STJ – RESP 653155/PR (200400580889) – Relator: Min. José Delgado – j. 17/02/2005 – v.u.) .

Para a CDHU, se fosse admitido a CDHU outorgar contrato definitivo – com força de escritura pública – em nome de qualquer pessoa que apresentasse um contrato de cessão de direitos (ou vários contratos de gaveta), abrir-se-ia caminho a ocorrência de fraudes, inclusive para recebimento de seguro e à sonegação fiscal, “além de estimular sobremaneira a especulação imobiliária sobre imóveis edificados com recursos públicos”.

Ao julgar o caso, o juiz fundamentou que o requerente não tinha direito à escritura pública, tendo em vista a ausência de anuência (concordância) da CDHU. Transcreve-se o trecho da decisão abaixo:

“O ‘contrato de gaveta’ que não contou com a anuência da ré realmente não a obriga, não havendo, pois, direito à escritura pública pretendida”.

Em razão da sentença desfavorável o morador da unidade habitacional, requerente da ação, interpôs recurso ao Tribunal de Justiça de SP, insistindo que, considerando que o imóvel se encontra devidamente quitado é injusta a recusa do CDHU em outorgar-lhe a escritura.

O Tribunal de Justiça de SP reformou a decisão, favorecendo o requerente.

Segundo a decisão, de fato, a teor do disposto no artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.004/90, assim como das disposições da Lei Estadual nº 12.276/2006, regulamentada pelo Decreto nº 51.241/2006, a regularização dos chamados “contratos de gaveta” não passa de mera liberalidade, que não pode ser imposta ao CDHU e precisa contar com sua anuência, após observados vários requisitos. Referida vedação é justificável, haja vista que, estes tipos de imóveis são destinados a pessoas de baixa renda e por isso contam com incentivos especiais do governo, o que reduz consideravelmente o seu preço como forma de corrigir o déficit habitacional. Assim, é necessário que sejam combatidos o oportunismo e a intenção de lucro fácil de pessoas inescrupulosas que se aproveitam de pessoas incautas, para adquirir tais imóveis a preços ínfimos, desrespeitando o interesse social existente nesse tipo de empreendimento.

Contudo, o tribunal considerou que, no presente caso, havia uma importante peculiaridade, a saber, a quitação do imóvel.

Vale transcrever o trecho da decisão:

“Ocorre que o caso em questão encontra-se com uma peculiaridade em especial, vale dizer, o imóvel já foi devidamente quitado pelo mutuário, e o próprio CDHU o admitiu em sua contestação. Por conseguinte, a propriedade não pertence mais ao CDHU e sim ao particular, nada obstante ainda conste no cartório de imóveis seu registro em nome da sociedade de economia mista. Nessas condições, sua comercialização é perfeitamente possível, não se podendo mais afirmar tratar-se de bem público com destinação especial e, portanto, sujeito as disposições das leis anteriormente mencionadas.

Por conta disso, estando devidamente documentada a cadeia sucessória, a recusa na outorga da escritura se revela inadmissível, sendo irrelevante que os pagamentos tenham sido efetuados em nome dos mutuários originais.

De rigor, portanto, a reforma de decisão para julgar procedente o pedido, condenando o CDHU a outorgar a escritura definitiva em prol dos requerentes no prazo de 15 dias, a contar do trânsito em julgado desta decisão, após o qual a mesma valerá como título passível de registro perante o Cartório de Imóveis”.

Conclusão

Como dito anteriormente, é possível buscar no judiciário a regularização dos imóveis adquiridos por meio de contrato de gaveta. Contudo, recomenda-se que se evite tal forma de aquisição, tendo em vista o risco de decisão judicial desfavorável.