Cheque devolvido e estelionato – Análise jurídica

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Introdução

Uma cliente de um supermercado foi condenada por estelionato (art. 171, do Código Penal), em razão de um cheque devolvido por divergência de assinatura (motivo 22).

Apesar da condenação, a cliente não ficou presa, uma vez que o cumprimento da pena será o de “restrição de direitos”, como ocorre nos casos em que a pena é inferior a 4 anos.

Assim, a pena da acusada limitou-se à prestação de serviços à comunidade.

No caso em questão, a condenação ocorreu em razão de estar provado que a acusada agiu com a intenção e fraudar.

Portanto, vale lembrar que, para que haja a configuração do estelionato, é necessário que fique comprovado que o acusado obteve, para si ou para outra pessoa, uma vantagem ilícita, prejudicando um terceiro, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

Conveniente transcrever o artigo 171, do Código Penal, que tipifica o crime de estelionato:

“Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.

Acusação

Alegou-se nos autos que a acusada dirigiu supermercado e realizou uma compra de pouco mais de R$ 500 reais. Contudo, a conta foi paga por meio de cheque, com assinatura diferente da verdadeira. Segundo a acusação, a intenção da compradora era, justamente, que o cheque fosse devolvido por divergência de assinatura.

Segundo a denúncia, ao pagar com um cheque que não seria descontado, a acusada obteve vantagem ilícita em prejuízo alheio. Em razão disso, houve a configuração do artigo 171, do CP.

A vara criminal ofereceu acordo, concedendo o benefício de suspensão condicional do processo. Contudo, a acusada não compareceu na audiência, sendo condenada por revelia.

Sentença

O juiz sentenciante fundamentou que, diante das provas produzidas nos autos, restou cabalmente demonstrado que a acusada ludibriou a vítima (supermercado) e que, desta forma, obteve vantagem ilícita.

Conveniente transcrever um trecho da sentença:

“Frise-se que a intenção fraudatória é evidente, na medida em que a acusada, após a frustração do pagamento do título de crédito por ela emitido, esquivava-se da obrigação de adimplir sua dívida.

Além disto, depois das tentativas da ofendida de receber o que lhe era devido, a ré, subitamente, desapareceu sem deixar notícias, conforme depoimento de (omitido).

E mais, esta mesma depoente ainda garantiu que a acusada procedeu da mesma forma em outros estabelecimentos, os quais também suportaram prejuízos em razão da conduta da acusada.

Tudo isto revela o animus fraudandi, elemento subjetivo exigido pelo crime em questão” (processo: 3007241-91.2013).

Comentário acerca do animus fraudandi (intenção de fraudar).

Note-se que, para condenar a acusada, foi necessário ficar comprovado que existiu o animus fraudandi (intenção de fraudar). Do contrário, não haveria condenação.

Isso porque, o artigo 171, do CP, tipifica como crime o ato de alguém obter, para si, ou para outrem, “vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento“.

Assim, fosse comprovado que a acusada tinha emitido o cheque, sem a intenção de fraudar, não haveria a aplicação do artigo 171, do CP.

Além disso, é necessário comprovar que o emitente tenha obtido a vantagem ilícita. É dizer, se houve a emissão do cheque, mas o emitente não obteve vantagem ilícita, também não há estelionato.

Fixação da pena

Apesar da condenação, a acusada não foi presa, uma vez que foi condenada à pena mínima (1 ano de reclusão). Em tais casos, a pena não é privativa de liberdade, ou seja, a pessoa condenada recebe uma pena alternativa, como, prestação de serviços à comunidade, pagamento de determinado valor em favor de alguma instituição filantrópica etc.

O cálculo da pena é iniciado com base nos critérios previstos no artigo 59, do Código Penal, quais sejam: antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima.

Assim, dependendo dos critérios acima, o julgador pode, ou não, aplicar a pena mínima.

No caso do estelionato (art. 171, CP), a pena varia de 1 a 5 anos critérios acima (depende do caso). Logo, havendo uma análise favorável dos critérios já mencionados, o juiz poderá condenar à pena mínima (1 ano), como ocorreu no caso em comento.

De acordo com o artigo 33, §2º, “c”, “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto”.

Como se vê, quando a pena é menor de 4 anos, a condenação é cumprida em regime aberto, automaticamente. Em outras palavras, não há prisão, isto é, não há pena privativa de liberdade.

Conclusão

Em caso de cheque devolvido, pergunta-se: houve intenção em fraudar? O emitente auferiu vantagem ilícita, em razão da emissão do cheque?

Se as perguntas acima tiverem respostas negativas, não há que se falar no crime de estelionato.

Adriano M Pinheiro é advogado, pós-graduado em direito empresarial, articulista e palestrante, atuando em defesa de empresários, em litígios que envolvam contratos e relações empresariais.

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