Artigo 77.º – Condições gerais de concessão de autorização de residência temporária
1 — Sem prejuízo das condições especiais aplicáveis, para a concessão da autorização de residência deve o requerente satisfazer os seguintes requisitos cumulativos:
a) Posse de visto de residência válido, concedido para uma das finalidades previstas na presente lei para a concessão de autorização de residência;
b) Inexistência de qualquer facto que, se fosse conhecido pelas autoridades competentes, devesse obstar à concessão do visto;
c) Presença em território português;
d) Posse de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 52.º;
e) Alojamento;
f) Inscrição na segurança social, sempre que aplicável;
g) Ausência de condenação por crime que em Portugal seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano;
h) Não se encontrar no período de interdição de entrada em território nacional, subsequente a uma medida de afastamento do País;
i) Ausência de indicação no Sistema de Informação Schengen;
j) Ausência de indicação no Sistema Integrado de Informações do SEF para efeitos de não admissão, nos termos do artigo 33.º
2 — Sem prejuízo das disposições especiais aplicáveis, pode ser recusada a concessão de autorização de residência por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública.
3 — A recusa de autorização de residência com fundamento em razões de saúde pública só pode basear-se nas doenças definidas nos instrumentos aplicáveis da Organização Mundial de Saúde ou em outras doenças infeciosas ou parasitárias contagiosas objeto de medidas de proteção em território nacional.
4 — Pode ser exigida aos requerentes de autorização de residência a sujeição a exame médico, a fim de que seja atestado que não sofrem de nenhuma das doenças mencionadas no número anterior, bem como às medidas médicas adequadas.
5 — Os exames médicos e as medidas a que se refere o número anterior não devem ter caráter sistemático.
6 — Sempre que o requerente seja objeto de interdição de entrada emitida por um Estado parte ou Estado associado na Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, este deve ser previamente consultado devendo os seus interesses ser tidos em consideração, em conformidade com o artigo 25.º daquela Convenção.
Comentários
1 — Este artigo prevê o conjunto de condições gerais de atribuição de autorização de residência, qualquer que seja a respectiva finalidade. No essencial conjuga as regras gerais que condicionam a entrada em território nacional, com exigências acrescidas motivadas por uma provável estadia prolongada ou mesmo instalação definitiva. O que se pretende é garantir que o residente, para além de reunir os requisitos para entrada e circulação no espaço da União Europeia (ainda que radicado em Portugal), não se constitua em encargo não justificado para o sistema de segurança social.
2 — O primeiro requisito, constante da al. a) do n.º 1, é a posse de visto de residência válido, para uma das finalidades previstas na presente lei para a concessão de autorização de residência.
Deve dizer-se que a redacção desta alínea não é feliz. Porque inculca a ideia de que a autorização de residência tem necessariamente uma das finalidades especificamente previstas. De facto, a lei prevê o visto de residência para determinadas finalidades (exercício de actividade profissional subordinada, exercício de actividade profissional independente, para imigrantes empreendedores, para actividade de investigação ou altamente qualificada, para estudo, intercâmbio de estudantes, estágio profissional ou voluntariado, para mobilidade de estudantes do ensino superior e para reagrupamento familiar).
No entanto, para além dessas finalidades, que permitem a emissão de títulos que vieram substituir vistos de trabalho, há também o visto de residência, sem indicação da respectiva finalidade, destinado nos termos do art. 58.º, n.º 1, a permitir ao seu titular a entrada em território português a fim de solicitar autorização de residência. Autorização de residência para fins que não aqueles relativamente aos quais se exige uma determinada categoria de visto de residência, mas para quaisquer outros fins lícitos. Como por exemplo, para cidadãos estrangeiros reformados que pretendam viver em Portugal, para quem aqui se pretenda fixar para escrever um livro, conceber um filme, exercer uma profissão liberal à margem de qualquer contrato de prestação de serviços ou, pura e simplesmente, viver dos respectivos rendimentos.
A não ser assim, que tipo de autorização de residência temporária seria atribuída, por exemplo, às pessoas dispensadas de visto nos termos do art. 122.º?
E qual o sentido das als. b) a e) do art. 24.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de Novembro?
A al. a) deve pois ser interpretada no sentido da exigência de visto de residência, quando do mesmo não haja dispensa, que para as situações previstas nos arts. 88.º a 94.º deve indicar a finalidade específica.
3 — A concessão da autorização de residência constitui um segundo momento de verificação das condições do cidadão estrangeiro, com vista a determinar se existe algum impedimento à sua fixação em território nacional.
O primeiro momento desse processo é o da concessão do visto, em cujo processo se faz uma primeira triagem sobre a admissibilidade da pessoa. Todavia, o visto de residência não incorpora um direito de residência. Apenas permite ao seu titular a entrada em território nacional a fim de solicitar autorização de residência, constituindo embora um “bonus fumus juris” quanto a esse direito.
Ora pode acontecer que, ao tempo da emissão do visto de residência, se desconhecessem factos que, a serem conhecidos, obstariam à emissão do visto. Designadamente os relativos às condições gerais da concessão deste tipo de vistos, previstas no art. 52.º; ou a utilização não detectada de meios fraudulentos para a obtenção do visto. Caso alguma dessas situações venha a ser verificada, impedirá nos termos do n.º 1, al. b), a concessão de autorização de residência.
4 — Um dos requisitos da concessão de autorização de residência é a presença do requerente em território português. Aliás, o visto de residência destina-se precisamente a que o interessado se desloque a território nacional, a fim de solicitar a autorização.
A concessão desta é da competência do SEF, entidade com jurisdição em território nacional, pelo que aqui deve o interessado solicitar e obter a autorização. Até porque o processo, maxime em sede de identificação, exige a presença física do interessado.
5 — Sobre as restantes condições do n.º 1 e os n.ºs 2 e 3 v. anotações aos arts. 52.º e 6.º
Merece no entanto referência a al. f), que exige inscrição na segurança social, quando aplicável.
A expressão “quando aplicável” não pode deixar de ser entendida como “quando exigível”, ou seja, quando estejam reunidos os pressupostos que, nos termos da lei, exigem essa inscrição. Assim, e tomando como referência os trabalhadores por conta de outrem, a inscrição é obrigatória e reporta-se ao início do mês a que se refere a primeira contribuição devida em seu nome. A participação do início de actividade é no prazo de 30 dias em que esse início teve lugar (arts. 1.º, 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, do DL n.º 103/80, de 9 de Maio). E o art. 59.º, n.º 1, da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, diz que as entidades empregadoras são responsáveis pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, devendo proceder à retenção na fonte dos valores correspondentes.
Resulta do exposto que as exigências respeitantes à inscrição na segurança social, bem como regularidade das prestações devidas, não pode deixar de ter em conta o momento em que se constitui a obrigação contributiva, sob pena de imposição de obrigações abusivas. A expressão “quando aplicável” permite uma avaliação rigorosa das circunstâncias em que essa exigência se coloca.
Assim, não há qualquer dúvida quanto à obrigatoriedade de inscrição e prova de regularização da situação contributiva nos casos a que se referem os arts. 88.º, n.º 2, e 89.º, n.º 1, ou para a renovação da generalidade das autorizações de residência. Já assim não acontecerá, por exemplo, para a atribuição de título de residência para exercício de actividade profissional subordinada, já que a autorização para trabalho depende da atribuição do título e só com o início da actividade surge a obrigação de inscrição e contribuição para a segurança social.
Considerações semelhantes podem ser feitas a propósito das exigências feitas pelo art. 53.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de Novembro, a propósito da situação tributária, exigência que acresce às que são formuladas pela Lei n.º 23/2007.
6 — A exigência de exames médicos em relação a requerentes de autorização de residência encontra a sua razoabilidade na necessidade de prevenir a propagação de doenças infecciosas ou parasitárias contagiosas. Quanto mais prolongada for a estada maior será o risco, e daí que tal exigência seja feita apenas relativamente a esses requerentes.
Perante a constatação de que alguém sofre de doença desse tipo o pedido deve ser rejeitado ou, caso a situação possa ser debelada através de tratamento médico, impor ao requerente a adopção das medidas adequadas.
Nos termos do n.º 5 os exames médicos e as medidas atrás referidas não devem ter carácter sistemático. Esta disposição carece a nosso ver de especial cuidado na sua interpretação. O carácter não sistemático deve ser relativamente aos exames e não às medidas médicas. A adopção destas dependerá pura e simplesmente da sua necessidade e não de qualquer outro critério. O objectivo da lei é evitar que uma medida de protecção de saúde pública, se transforme na prática em obstáculo permanente à livre circulação ou reconhecimento do direito de fixação de residência. Daí que a exigência de exames médicos não deva ser sistemática.
Quando deverão então ser exigidos? Quando razões objectivas apontem para a sua razoabilidade, como seja a existência de indícios de que a pessoa sofre de uma doença desse tipo, quando seja proveniente de uma região particularmente afectada, quando tenha tido qualquer contacto com pessoas contaminadas, etc.
Todavia, constatada a existência de doença, não poderão deixar de ser exigidas medidas médicas para que a mesma seja debelada, a não ser que o pedido seja objecto de recusa em resultado da verificação da doença.
Fonte: SEF
https://advocaciapinheiro.com/