Contrato de arrendamento | Duração após a renovação automática | Código Civil e acordo das partes | Portugal

Contrato de arrendamento | Duração após a renovação automática | Código Civil e acordo das partes | Portugal

Contrato de arrendamento | Duração após a renovação automática | Código Civil e acordo das partes | Portugal

Abaixo temos uma jurisprudência que trata da duração do contrato de arrendamento em Portugal, após a renovação automática. Há uma divergência de interpretação sobre esse tema.

A questão refere-se ao disposto no artigo 1096º, do Código Civil de Portugal – que trata, justamente, da renovação automática:

1 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

Art. 1096º, Código Civil de Portugal

O artigo acima transcrito foi mal escrito, gerando interpretações ambíguas, em relação ao que está destacado. A expressão “salvo estipulação em contrário” refere-se ao que as partes (senhorio e arrendatário) acordam em contrato.

Portanto, o acórdão abaixo é bastante esclarecedor em relação a esse tema.

Sumário:

I. A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação (constante do artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, na redacção resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro), não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes.

II. A indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, prevista no art. 1045º do Código Civil, abrange todos os danos resultantes desse atraso e está limitada pelo critério consignado nesse preceito, com exclusão das regras gerais dos art. 562º e seguintes do mesmo Código.

III. O artigo 8° da Lei n° 1-A/2020, de 19 de Março (na versão resultante da Lei n.° 75-A/2020, de 30 de Dezembro de 2020), determinou que a produção de efeitos da oposição à renovação de contratos de arrendamento por parte do senhorio ficaria suspensa até 30/06/2021, pelo que apenas a partir dessa data se verifica a caducidade do contrato de arrendamento.
(Pelo Relator)

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo: 8851/21.6T8LRS.L1-6
Relator: NUNO LOPES RIBEIRO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RENOVAÇÃO
RESTITUIÇÃO DE PRÉDIO ARRENDADO
Data do Acordão: 03/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. O relatório

A e B intentaram procedimento especial de despejo contra C, peticionando o despejo do imóvel sito na Rua X.
Para tanto, invocam que celebraram com a Ré um contrato de arrendamento em 23.03.2017, com início de produção de efeitos em 01.04.2017 e com a duração de três anos, renovável automaticamente por períodos sucessivos de um ano.
Mais alegam os Autores que, em 29.07.2020, remeteram uma comunicação à Ré, por meio da qual se opuseram à renovação do contrato de arrendamento, que atingiria o seu termo em 31.03.2021, formalizando o que já lhe tinham transmitido oralmente.
Referem ainda que, por força das medidas de proteção dos arrendatários adotadas no contexto pandémico, foram suspensos os efeitos da oposição à renovação até 30.06.2021, tendo o contrato cessado nessa data.
Devidamente notificada para o efeito, veio a Ré deduzir Oposição, alegando, em síntese, que, no termo do seu prazo de duração inicial (31.03.2020), o contrato de arrendamento se renovou por três anos, apenas cessando os seus efeitos em 31.03.2023, em resultado da aplicação do disposto no artigo 1096.° do Código Civil, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.° 13/2019, de 13 de fevereiro (aplicável ao contrato dos autos).
Com data de 16/12/2021, foi proferido despacho saneador de mérito, com o seguinte conteúdo decisório:
Em face do exposto, julga-se a ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, decide-se absolver a Ré dos pedidos formulados.

Custas pelos Autores (cf. artigo 527.°, n.° 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1° – A decisão pela qual o Tribunal a quo decidiu julgar a presente acção totalmente improcedente, por não provada, decorrendo duma incorrecta interpretação e aplicação do n°1 do artigo 1096° do Código Civil, é injusta e ilegal.
2° – Os Recorrentes e a Recorrida celebraram validamente contrato de arrendamento estipulando neste que “O contrato de Arrendamento é com prazo certo nos termos do artigo 1095° do Código Civil, pelo prazo efectivo de três anos, que se inicia em 1 de Abril de 2017 e termina a 31 de Março de 2020.” e que “No fim do prazo convencionado o contrato de arrendamento renova-se por períodos sucessivos de um ano enquanto não for denunciado pelo Senhorio ou Inquilino.”
3° – Por carta datada de carta datada de 20 de Julho de 2020 remetida pelos Recorrentes à Recorrida e com o assunto “Oposição à renovação de contrato de arrendamento, nos termos do n°1 b) do artigo 1097° do Código Civil e do artigo 9° n°1 do NRAU”, por esta recebida no dia 30 de Julho de 2020, estes manifestaram oposição à renovação subsequente do contrato, tendo interpelado a mesma, por carta datada de 28 de Maio de 2021, para proceder à devolução da fracção locada no dia 30 de Junho de 2021, data em que, nos termos do artigo 8° da Lei n° 1- A/2020, de 19 de Março, na versão introduzida pela Lei n° 75-A/2020, de 30 de Dezembro, produziria efeitos a oposição à renovação do contrato de arrendamento.
4º O contrato de arrendamento celebrado entre os Recorrentes e a Recorrida, por não ter sido renovado no termo da vigência do primeiro período de renovação de um ano e após o período de suspensão da produção de efeitos da oposição à renovação previsto na Lei n° 1-A/2020, de 19 de Março, caducou no dia 30 de Junho de 2021.
5º A decisão recorrida assenta a absolvição da Recorrida exclusivamente na ideia de que a alteração do n°1 do artigo 1096° pela Lei n° 13/2019, de 12 de Fevereiro, na vigência do período inicial de três anos do contrato, impede que as partes estejam vinculadas aos termos do contrato que subscreveram, isto é, impede que a sua renovação tenha ocorrido por apenas um ano.
6º Ao fazê-lo, sufraga o raciocínio de uma parte da doutrina que entende que a supletividade da norma contida no n°1 do artigo 1096° do Código Civil “se verifica apenas quanto à possibilidade de as partes afastarem a possibilidade de renovação” e não “também quanto ao período mínimo de renovação ora definido na nova lei.”, mas interpreta mal tal norma.
7º A decisão recorrida não explica o salto lógico que seria necessário para fundamentar, sem qualquer apoio na letra da lei, que uma norma que contém uma clara identificação da sua supletividade seria efectivamente supletiva na situação que conferiria menor protecção ao arrendatário (dando às partes a possibilidade de afastarem qualquer renovação) mas imperativa naquela que sempre lhe conferiria protecção (impedindo a renovação do contrato nos termos definidos pelas partes).
8º “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” (n°2 do artigo 9° do Código Civil)
9° – O contrato esteve vigente quatro anos e três meses (estes por força da já referida suspensão da produção de efeitos da oposição à renovação), estando portanto ultrapassado o período mínimo de vigência dos contratos de arrendamento urbano destinado à habitação passíveis de renovação, consagrado no n°3 do artigo 1097° do Código Civil, pelo que a correcta interpretação do regime legal vigente impõe considerar que a oposição à renovação do contrato por mais um ano produziu efectivamente efeitos.
10° – Interpretando, da forma que nos impõe o artigo 9° do Código Civil, o n°1 do artigo 1096° do mesmo diploma, ensina Jorge Pinto Furtado que “Parece, pois, de pensar de tudo isto que é perfeitamente legítimo estipularem-se renovações de períodos iguais entre si, ainda que diferentes da duração contratual. Cremos portanto e em conclusão poder validamente estabelecer, ao celebrar-se o contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender…” (Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2019, página 579)
11° – “Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores – dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar” (…)” (Jéssica Rodrigues Ferreira, Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.° 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, página 82, in https://ciie.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-iessica-ferreira 1584.pdf)
12° – Também Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento Urbano – Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente – Almedina – 2019, página 31, em anotação ao artigo 1096.° do Código Civil) entende que “…as partes, à semelhança do que já sucedia na redacção anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma em questão (…)”
133 – Na vigência da versão da norma em apreciação decorrente da Lei n° 31/2012, de 14 de Agosto, onde se previa que “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração…”, também nada impedia que as partes previssem um período para a renovação diferente do período inicial do contrato, vincando a ideia de total supletividade da norma que lhe é dada pela expressão inicial, a qual não sofreu alteração, mantendo-se actualmente o mesmo regime, em que prevalece disposição contratual expressa sobre a matéria ali prevista.
14§ – “Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica.” (Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 04 de Maio de 2011, processo n° 4319/07.1TTLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt), sendo certo que nenhum destes elementos lógicos permitem que a correcta interpretação da norma sub judice seja feita nos termos em que a faz o Tribunal a quo.
153 – A interpretação feita pela decisão recorrida parece ter ignorado a dimensão literal da norma e os seus elementos histórico e sistemático, a pretexto de um alegado elemento teleológico que falece por vários motivos, entre os quais o facto de tal norma não constar sequer da proposta de lei (n° 129/XIM) quando foi enunciada a respectiva exposição de motivos, não podendo, portanto, justificar-se a existência daquela com a sua essencialidade para o cumprimento destes.
163 – A decisão recorrida é ilegal, violando o artigo 9° e, consequentemente, os artigos 1080°, 1096° n°1 e 3, e 1097° n°3, todos do Código Civil.
Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão julgou totalmente improcedente a acção, sendo a mesma substituída por outra que verifique a caducidade do contrato de arrendamento (por oposição à sua renovação do senhorio) e, consequentemente condene a R. nos pedidos formulados.

O recurso foi admitido com subida imediata, nos autos e com efeito suspensivo.

II. O objecto e delimitação do recurso

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
Natureza supletiva do art 1096º do Código Civil, na redacção resultante da Lei 13/2019;
A suspensão dos efeitos da caducidade dos contratos de arrendamento, no contexto epidemiológico.
Fixação legal do critério indemnizatório devido em virtude do atraso na obrigação de restituição do locado, após a caducidade do contrato de arrendamento.

III. Os factos

Recebeu-se, da 1ª instância, o seguinte elenco de factos provados.

  1. Em 23.03.2017, os Autores e a Ré subscreveram um escrito intitulado “Contrato de Arrendamento para habitação com prazo certo”, os primeiros na qualidade de “senhorio’ e a segunda na qualidade de “ inquilina”.
  2. Nos termos da Cláusula 1.a do referido escrito, “[o] contrato de arrendamento é com prazo certo nos termos do artigo 1095 ° do código civil, pelo prazo efetivo de Três anos, que se inicia em 1 de Abril de 2017 e termina a 31 de Março de 2020”.
  3. Dispõe a Cláusula 2.â que “[n]o fim do prazo convencionado o contrato de arrendamento renova-se por períodos sucessivos de um ano enquanto não for denunciado pelo Senhorio ou Inquilino”.
  4. Refere a Cláusula 3.â do aludido escrito que “[o] Senhorio pode denunciar o contrato de arrendamento mediante comunicação ao inquilino, feita com um ano de antecedência sobre o fim do prazo do contrato ou da renovação em curso, através de carta registada com aviso de receção”.
  5. Consta da Cláusula 12.â que “[q] uando o Senhorio se opuser à renovação do presente contrato nos termos do artigo 1097.° do Código Civil e o inquilino não restituir o locado no prazo legal, este fica obrigado, a título de indemnização, a pagar por cada mês ou fração que decorrer até à restituição, o dobro da renda estipulada, bem como as despesas judiciais e/ou extrajudiciais decorrentes desse incumprimento”.
  6. Em 29.07.2020, o Autor, por si e em representação da Autora, enviou uma carta registada com aviso de receção à Ré, com o seguinte teor:
    “A na qualidade de senhorio do rés-do-chão e do prédio urbano X, venho, por mim e em representação dos demais senhorios, ao abrigo do disposto no artigo 1097.°, n.° 1, alínea b) do Código Civil, comunicar formalmente a V. Exa. a nossa oposição à renovação do contrato de arrendamento entre nós celebrado.
    Assim, considerando o termo inicial do contrato (31 de Março de 2020) e a sua renovação por um ano nos termos da Cláusula 2S do contrato, o arrendamento cessará no próximo dia 31 de Março de 2021, data em que deverá entregar-me o referido apartamento, livre de pessoas e bens e no mesmo estado de conservação em que o recebeu”.
  7. A aludida carta foi recebida pela Ré, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado em 30.07.2020.

    IV. O Direito
    Natureza supletiva do art 1096º do Código Civil, na redacção resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro.
    Fundamentou o Exmo. Juiz a quo a sua decisão, com base nas seguintes apreciações jurídicas:
    A) Da oposição à renovação do contrato de arrendamento por parte dos Autores
    Da noção legal de arrendamento (cf. artigos 1022.° e 1023.° do Código Civil) resulta a existência de um contrato mediante o qual nascem na esfera das duas partes – senhorio e arrendatário – direitos e obrigações recíprocos. Na esfera do senhorio, nasce, sumariamente, a obrigação de proporcionar ao arrendatário o gozo temporário do bem imóvel, isento de perturbações. Na esfera do arrendatário nasce a obrigação de pagamento do montante acordado como retribuição do uso e fruição do locado e, bem assim, para o que ora releva, a obrigação de restituição do imóvel uma vez findo o contrato.
    A propósito da cessação do contrato de arrendamento, dispõem os artigos 1079.° e 1080.° do Código Civil que uma das formas de cessação do contrato de arrendamento é a caducidade.
    2 Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.a edição, Coimbra: Almedina, 2020, p. 665.
    Por seu turno, do artigo 1096.° do Código Civil resulta que “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (…)”.
    Relativamente às renovações automáticas, a atual redação do artigo 1096.° do Código Civil foi introduzida pela Lei n.° 13/2019, de 12 de fevereiro, que entrou em vigor a 13.02.2019, prevendo medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
    No âmbito de tal diploma legal, o período mínimo de renovação automática e sucessiva nos contratos de arrendamento com prazo certo passou a ser de três anos, ainda que a duração inicial do contrato fosse inferior.
    Quanto à aplicação desta norma aos contratos de arrendamento já em curso – como é o caso do contrato dos autos -, a Lei n.° 13/2019 não contém nenhuma norma transitória, sendo necessário recorrer ao princípio geral de aplicação da lei no tempo constante do artigo 12.° do Código Civil.
    Ora, dispondo a norma do artigo 1096.° do Código Civil sobre o conteúdo da relação jurídica de arrendamento, e abstraindo a mesma do facto que lhe deu origem, a situação enquadra-se na previsão da 2.â parte do artigo 12.°, n.° 2 do Código Civil.
    Pelo que a nova redação da norma é imediatamente aplicável às relações contratuais em curso, prevendo-se um período mínimo de renovação de três anos nos contratos de arrendamento em vigor.
    Assim sendo, restará apenas perceber se a supletividade da norma manifestada na expressão “salvo estipulação em contrário” se verifica apenas quanto à possibilidade de as partes afastarem a possibilidade de renovação ou também quanto ao período mínimo de renovação ora definido na nova lei.
    Quanto a esta questão, é entendimento deste Tribunal que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.
    Neste sentido, veja-se a anotação de ELSA SEQUEIRA SANTOS3 ao referido preceito legal, referindo o seguinte: “ Com a introdução, pela Lein. ° 13/2019, de 12 de fevereiro, dos n.°s 3 e 4 do art. 1097.°, a liberdade de estipulação quanto à renovação automática parece ter ficado comprometida. A ratio daquela introdução é a de garantir ao arrendatário a duração efetiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, ao não permitir ao senhorio provocar a caducidade do contrato nesse período, por via da oposição à renovação”.
    Perfilhando o mesmo entendimento, pronunciou-se também o Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão de 08.04.20214:“perf7lhamos ainda a posição da
    3 Neste sentido, veja-se a anotação de ELSA SEQUEIRA SANTOS ao artigo 1096.° do Código Civil, Código Civil Anotado, Vol. I, 2.a Edição Revista e Atualizada, Coord. Ana Prata, abril de 2019, Coimbra: Almedina, p. 1390.
    4 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08.04.2021, proferido no âmbito do Proc. n.° 795/20.5T8VNF.G1, disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido da imperatividade da norma, veja-se ainda MARIA OLINDA GARCIA, «Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.° 12/2019 e pela Lei n.° 13/2019», Julgar Online, março de 2019, p. 11.
    imperatividade do prazo de renovação mínimo de três anos dada a finalidade que se visou atingir com a Lei 13/2019. Logo no art 1° desse diploma se refere que “a presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”. Esta finalidade leva precisamente à conclusão de que foi intenção do legislador a proteção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes na fixação do conteúdo do contrato, estabelecendo prazos mínimos de vigência efetiva do contrato de arrendamento e comprimindo a possibilidade da sua cessação por iniciativa do locador”.
    Daqui resulta que o período mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento assume caráter imperativo, não sendo admitida qualquer estipulação em contrário no texto contratual.
    Volvendo ao caso dos autos, resulta da matéria de facto provada que o contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 3 (três) anos, com início a 01.04.2017 e termo a 31.03.2020, sendo renovável automaticamente por períodos iguais e sucessivos de um ano (cf. factos provados n.° 2 e 3).
    Resulta igualmente da matéria de facto provada que a comunicação de cessação do contrato de arrendamento, por oposição à renovação da parte dos Autores, enviada em 29.07.2020, foi recebida pela Ré no dia seguinte, indicando como data da cessação do contrato o dia 31.03.2021 (cfr. factos provados n.os 6 e 7).
    Sucede, porém, que, atendendo à nova redação do artigo 1096.° do Código Civil e ao período mínimo de renovação consagrado de três anos – aplicável ao caso dos autos -, o termo do contrato apenas se verifica em 31.03.2023.
    Com efeito, aquando da renovação do contrato em 31.03.2020, a referida lei já se encontrava em vigor, pelo que é aplicável a tal renovação o período de três anos, por ser o período mínimo legalmente obrigatório.
    Pelo que os Autores só poderiam opor-se à renovação no termo do período da renovação do contrato, ou seja, em 31.03.2023, mediante comunicação dirigida à Ré com a antecedência mínima de 120 dias, reportada a essa data (cf. artigo 1097.°, n.° 1, alínea b) do Código Civil).
    Conclui-se, assim, que a oposição à renovação promovida pelos Autores não produziu qualquer efeito sobre o contrato de arrendamento celebrado, considerando que o mesmo se renovou em 31.01.2020 por um período de três anos, cessando os seus efeitos em 31.03.2023.
    Neste contexto, cumprirá ainda mencionar que, considerando a data específica de termo do contrato aposta na comunicação enviada pelos Autores à Ré (31.03.2021), não poderá a mesma sequer corporizar a oposição à renovação a produzir os seus efeitos no termo do período de renovação.
    Em face do exposto, mantendo-se o contrato de arrendamento em vigor, o pedido de despejo da Ré do imóvel ora formulado pelos Autores não poderá proceder, o que desde já se determina.

    Define o art. 1096º, nº 1 do Código Civil, na redacção actual resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, sob a epígrafe Renovação automática:
    1 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
    A redacção anterior da norma, resultante da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, era a seguinte:
    1 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
    Da comparação entre as duas versões, conclui-se que a Lei 13/2019 limitou-se a aditar a expressão ou de três anos se esta for inferior à versão anterior, mantendo todo o restante preceito.
    Ou seja e escalpelizando, em ambas as versões sucessivas, a regra é:
    a) O contrato de arrendamento celebrado com prazo certo, renova-se automaticamente no seu termo;
    b) Por períodos sucessivos de igual duração;
    c) Constituem impedimento às duas regras anteriores, a estipulação distinta das partes
    d) ou a circunstância de se enquadrarem os contratos celebrados em qualquer das situação previstas no art. 1095º, nº 3 do mesmo diploma (contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados).
    Estas quatro conclusões são válidas perante qualquer uma das versões sucessivas do art. 1096º, nº1, de modo pacífico.
    Ou seja e para o que agora releva, quer numa quer noutra das versões, se admite que as partes afastem a renovação automática do contrato celebrado ou prevejam período distinto (superior ou inferior) do inicial, após essa renovação.
    A diferença encontra-se apenas no aditamento de uma limitação temporal à duração desse período de duração do contrato, após a renovação: não pode ser inferior a três anos, caso o período inicial de duração do contrato seja inferior a três anos.
    Da letra da alteração legislativa de 2019 apenas se retira um efeito: nos contratos de arrendamento de duração inicial inferior a 3 anos, a renovação automática dos mesmos (quando opera), verifica-se por um período sucessivo de três anos (necessariamente maior do que o período inicial).
    Trata-se de uma solução que «foge» à lógica da regra da renovação automática, fixando-se um período sucessivo extraordinário de três anos para um contrato de duração inicial inferior.
    Mas foi a opção do legislador.
    O passo seguinte constitui em apurar se a fixação por força de lei desse período sucessivo extraordinário de três anos constitui norma imperativa ou supletiva, ou seja, se as partes podem afastar tal regra, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual.
    Debalde encontramos resposta no seio da Lei 13/2019, pois da mesma apenas se retira que o seu objecto é o seguinte: A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
    A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade?
    Ora, parece-nos que a resposta há-de ser negativa, pois nesse caso, o legislador «esqueceu-se» de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato.
    Efectivamente, a mesma Lei 13/2019 estabeleceu, como limite mínimo dessa duração o período de um ano, na redação dada ao nº 2 do art. 1095º do mesmo Código, sob a epígrafe Estipulação de prazo certo:
    1 – O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.
    2 – O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.
    E tal norma, pela sua própria natureza, assume força imperativa: a ampliação ou redução automática dos prazos mínimo e máximo de duração inicial para um e trinta anos, significa que esses limites mínimos e máximos não podem ser derrogados por estipulação das partes no contrato celebrado.
    Ou seja e para o que agora releva, imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano.
    Duração inicial ou sucessiva de um ano.
    Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior protecção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial.
    Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento.
    Por fim, refira-se que o processo legislativo (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542) pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art. 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto.
    Ou seja, a alteração ao preceito surge no decurso da discussão parlamentar da Proposta de Lei, sem lograrmos apurar o fio condutor ou a intenção do legislador, no caso.
    Não concordamos, pois, com Elsa Sequeira Santos, quando esta refere: Com a introdução, pela Lei n. ° 13/2019, de 12 de fevereiro, dos n.°s 3 e 4 do art. 1097.°, a liberdade de estipulação quanto à renovação automática parece ter ficado comprometida. A ratio daquela introdução é a de garantir ao arrendatário a duração efetiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, ao não permitir ao senhorio provocar a caducidade do contrato nesse período, por via da oposição à renovação., disponível em anotação ao artigo 1096.° do Código Civil, Código Civil Anotado, Vol. I, 2.a Edição Revista e Atualizada, Coord. Ana Prata, abril de 2019, Coimbra: Almedina, p. 1390.
    Salvo melhor opinião, retira-se a conclusão de uma única premissa indemonstrada: a ratio da alteração não é garantir a duração efectiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, na medida em que se admite a estipulação pelas partes de uma duração inicial de um ano.
    Concluir que a lei pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos, porque estabeleceu como imperativo esse limite mínimo terá tanto valor argumentativo como concluir que a lei estabeleceu como imperativo esse limite mínimo porque pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos.
    Uma e outra acepção, encontrando-se por demonstrar.
    Não se desconhecem decisões contrárias, no sentido da imperatividade da alteração legislativa da Lei nº 13/2019, nomeadamente do Tribunal da Relação de Guimarães, de 8/4/2021 (Rosália Cunha) e de 11/2/2021 (Raquel Tavares), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, a que aderiu a decisão recorrida.
    Contudo, não concordamos com tal posição, com o maior respeito pela mesma, na medida em que a argumentação que as sustenta é construída sempre desta forma: a norma é imperativa, porque a lei pretendeu definir um limite mínimo de três anos ao contrato de arrendamento.
    Ora, como se viu, nem a lei foi expressa nessa imperatividade nem a sua intenção terá sido constante, pois apenas se constata a imperatividade da duração do período inicial de um ano.
    Não se demonstrando essa imperatividade, quer pela letra quer pelo espírito da Lei, vigora o princípio da liberdade contratual, estabelecido no art. 405º do Código Civil, no sentido de que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, podendo inclusivamente reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
    Vejam-se, a este respeito, as palavras de Fernando Baptista de Oliveira, in A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano, Almedina. página 21 e 22:
    “E por esta disposição (a do art.º 1080º) se fica sabendo que as normas contidas nessas bolsas mais resguardadas, facilmente localizáveis no percurso do regime da relação negocial locatícia, se impõem ao próprio acordo das partes em sentido contrário.
    Mas como, por outro lado, a intenção do legislador ao proclamar solene e abertamente a natureza imperativa destes pequenos condados normativos, não é positivamente a de criar tabus da lei ou de implementar dogmas em certas ilhas do instituto, antes é apenas, por via de regra, a de proteger de modo especial os interesses de uma ou outra das partes mais dignos de tutela, caberá naturalmente ao intérprete inquirir, junto de cada norma compreendida nesses pequenos santuários, qual o interesse que o legislador pretendeu salvaguardar (não se excluindo obviamente a possibilidade de uma ou outra norma proteger de modo especial interesses de terceiros ou até interesses gerais de contratação).
    E, uma vez feito esse levantamento, poder-se-á algumas vezes concluir com segurança pela nulidade das cláusulas contratuais que não respeitem a tutela mínima que a lei pretendeu conceder ao interesse visado, (…).
    No caso da norma em análise, a sua letra permite – mais, apoia – a interpretação do seu carácter supletivo e o caracter imperativo não resulta dos interesses tutelados pela alteração legislativa, como se viu.
    Desse modo, continua válida a estipulação aposta no contrato, segundo a qual:
    Dispõe a Cláusula 2.ª que “[n]o fim do prazo convencionado o contrato de arrendamento renova-se por períodos sucessivos de um ano enquanto não for denunciado pelo Senhorio ou Inquilino”.
    No sentido ora proposto, veja-se Jéssica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.° 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, página 82, in https://ciie.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-iessica-ferreira 1584.pdf:
    Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores – dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar” (…).
    Também Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento Urbano – Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente – Almedina – 2019, página 31, em anotação ao artigo 1096.° do Código Civil) entende que …as partes, à semelhança do que já sucedia na redacção anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma em questão (…).
    Procedendo, pois, a este respeito, a argumentação dos recorrentes.
    Regressando ao caso dos autos, resulta da matéria de facto provada que o contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de três anos, com início a 01/04/2017 e termo a 31/03/2020, sendo renovável automaticamente por períodos iguais e sucessivos de um ano.
    Resulta igualmente da matéria de facto provada que a comunicação de cessação do contrato de arrendamento, por oposição à renovação da parte dos Autores, enviada em 29/07/2020, foi recebida pela Ré no dia seguinte, indicando como data da cessação do contrato o dia 31/03/2021.
    Admitindo a natureza supletiva da nova redação do artigo 1096.° do Código Civil, mostra-se assim válida a oposição à renovação do contrato.
    Bem como tempestiva, pois foi efectuada com a antecedência exigida pelo art. 1097º, nº1, b) do Código Civil.
    Questão diferente será a do apuramento da data da produção de efeitos de tal oposição ou, melhor dizendo, da data da efectiva caducidade do contrato de arrendamento, em virtude da legislação aprovada, relativa à epidemia.
    *
    A suspensão dos efeitos da caducidade, no contexto epidemiológico.
    Em causa está a legislação aprovada no contexto epidemiológico, nomeadamente ao disposto no artigo 8.° da Lei n.° 1-A/2020, de 19 de Março.
    A Lei n.° 75-A/2020 de 30 de Dezembro de 2020, veio proceder à alteração desse artigo 8.° da Lei n.° 1-A/2020, determinando que a produção de efeitos da oposição à renovação de contratos de arrendamento por parte do senhorio ficaria suspensa até 30/06/2021.
    Define o referido preceito, nessa versão, o seguinte:
    Artigo 8.º
    Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários
    1 – Sem prejuízo do disposto no n.º 4, ficam suspensos até 30 de junho de 2021:
    b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
    (…).
    Desse modo, os efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento por parte dos autores e consequente caducidade do mesmo, apenas se verificaram a 30 de Junho de 2021, como defendem os autores nas suas alegações de recurso.

    Do pagamento da quantia peticionada pelos Autores a título indemnizatório
    Peticionam os autores a condenação da ré na indemnização dos Requerentes em montante correspondente ao dobro da renda estipulada por cada mês ou fracção que decorrer até à restituição, bem como ao montante de despesas judiciais e extrajudiciais decorrentes de tal incumprimento, a liquidar em execução de sentença.
    A mora na restituição do locado, a partir de 1 de Julho de 2021, consequencia efectivamente a obrigação de pagamento do dobro da renda estipulada por cada mês ou fracção que decorrer até à restituição, nos termos do disposto no art. 1045º do Código Civil, que, sob a epígrafe Indemnização pelo atraso na restituição da coisa, dispõe
  8. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
  9. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
    A lei estabeleceu uma indemnização a forfait numa linha de algum modo proteccionista do arrendatário, mas também com o propósito de evitar a litigiosidade acrescida que sempre resultaria da determinação do apuramento do valor locativo do imóvel ocupado, como se decidiu no Acórdão desta Relação de 4/5/2006 (Salazar Casanova), disponível em www.dgsi.pt.
    Continuando a citação deste aresto, A não ser assim, podia dar-se o caso de o locador, não obstante a ocupação, não receber qualquer indemnização por se provar, por exemplo, que o imóvel não seria arrendado, dadas as difíceis condições de mercado existentes no local, ou então receber indemnização inferior à renda que o locatário suportava por se provar que o valor locativo era afinal menor do que a renda suportada pelo arrendatário.
    Dir-se-á, portanto, que o artigo 1045º do Código Civil tem em vista a indemnização correspondente ao valor de uso do prédio, que fixa a forfait, impedindo o locupletamento à custa alheia por parte do arrendatário e, por isso, é-lhe indiferente a questão de saber se o locador, com o prosseguimento da ocupação causada pela não restituição do locatário, acaba por beneficiar ou sofre prejuízo.
    Por outro lado, a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada prevista no art. 1045 do Cód. Civil, abrange todos os danos resultantes desse atraso e, em princípio, está limitado pelo critério consignado nesse preceito, com exclusão das regras gerais dos art. 562º e seguintes do mesmo Código, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 8/7/2003 (Afonso Correia), disponível na mesma base de dados.
    Continuando nesta decisão do Alto Tribunal: Trata-se de verdadeira obrigação de indemnização (“a título de indemnização”) pelo incumprimento do dever de restituição da coisa locada e a circunstância de a lei prever um critério especial para a fixação do seu montante, baseado na renda, é incompatível com a aplicação das regras gerais previstas nos art. 562º e seguintes do Código Civil.
    O princípio da igualdade das partes exclui que o senhorio possa fazer a prova de dano superior, uma vez que o locatário também não é admitido a provar um dano inferior.
    (…) do confronto com a lei anterior, onde se previa a responsabilidade do locatário “por perdas e danos” (art.ºs 1616º do Cód. Civil de 1876 e 25º do Dec. nº 5411, de 17-4-1919), ou seja, em conformidade com os princípios gerais sobre indemnização, resulta que o legislador, com o cit. artº 1045, quis consagrar solução diversa e mais restritiva.
    A solução pode não ser porventura a mais rigorosa mas tem alguma razoabilidade: a indemnização baseia-se em montante que estava estipulado pelas partes; qualquer delas fica desonerada da prova dos danos efectivos; e está de harmonia com certa protecção tradicionalmente concedida ao arrendatário.
    Ainda do Supremo Tribunal, veja-se o Acórdão de 27/4/2005 (Fernandes de Magalhães), na mesma base de dados : a razão de ser da norma do art.º 1045º C. Civ. é a de que o extinto contrato continua, apesar de tudo, a ser o referencial de equilíbrio entre as prestações da relação de liquidação.
    E isso com base na ideia de que a renda, tendo resultado da auto-regulação das partes, representa, em regra, o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada.
    Esta interpretação do art. 1045º, no sentido de excluir a responsabilidade do locatário por indemnização superior ao valor das rendas ou em dobro, no caso de mora no cumprimento de obrigação de entrega do prédio, foi submetida ao escrutínio do Tribunal Constitucional, por assim se não garantir “o direito do senhorio à indemnização dos prejuízos nos termos gerais de direito, revertendo em desfavor do senhorio as consequências da mora imputável ao locatário, mesmo que a título de culpa grave ou grosseira, sempre que o montante dos danos exceda o dobro do valor da renda praticada na vigência do contrato”.
    Porém, o Tribunal Constitucional, no seu Ac. nº 648/99 (Fernanda Palma) de 24/11/1999 (publicado in DR, II Série, nº 46 de 24/2/2000, pág. 3751) não encontrou nessa interpretação qualquer mácula de inconstitucionalidade: não ofendia nem o direito de propriedade consagrado no art. 62º nem o princípio da confiança do art. 2º, ambos da Constituição. E também não afrontava, de forma intolerável, o princípio da igualdade, antes colhia apoio na tutela do direito à habitação, justificativo de uma diferenciação em relação às situações gerais de responsabilidade civil.
    Temos, pois, que o artigo 1045º do Código Civil, ao prever a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, limitou o cálculo da indemnização pelo critério consignado nesse preceito, com exclusão das regras gerais dos artigos 562º e seguintes do Código Civil.
    O valor dos prejuízos está imperativamente fixado por lei, a forfait.
    Os prejuízos efectivos podem – é certo – ser maiores ou menores do que o valor indemnizatório fixado naquele art. 1045º.
    Todavia, não pode o locador, com base apenas na violação do dever de restituição que a lei impõe ao locatário, findo o contrato, ressarcir-se de danos superiores, tal como também não pode o locatário alegar que o locador não auferiria o valor da renda ou aluguer estipulados.
    Daí a procedência do pedido de condenação da ré no pagamento aos autores do montante correspondente ao dobro da renda estipulada por cada mês ou fracção que decorrer entre 1/7/2021 e até à restituição.
    E a improcedência do pedido de condenação em execução de sentença, do montante de despesas judiciais e extrajudiciais decorrentes de tal incumprimento.
    Procedendo por isso a apelação.

    V. A decisão
    Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na procedência da apelação:
    a) revogar a sentença de 16/12/2021 e, em consequência:
    b) julgar procedentes os pedidos dos autores de condenação da ré a restituir-lhes o locado e no pagamento aos mesmos autores do montante correspondente ao dobro da renda estipulada por cada mês ou fracção, que decorrer entre 1/7/2021 e até à restituição, a apurar em incidente de liquidação;
    c) julgar improcedente o restante peticionado, absolvendo a ré do mesmo.
    Custas pela ré apelada, em ambas as instâncias.

    Lisboa, 17 de Março de 2022
    Nuno Lopes Ribeiro
    Gabriela Fátima Marques
    Adeodato Brotas

Tribunal da Relação de Lisboa