Confira o artigo publicado na íntegra, no site do Sindicato dos Policiais Federais – PE (SINPEF-PE):
Título: O abuso de autoridade e suas consequências jurídicas
O crime de abuso de autoridade é previsto na Lei 4.898/65 e, infelizmente, não é bem compreendido pela maioria dos brasileiros.
É comum receber no escritório, inclusive, servidores públicos pretendendo saber se determinada conduta poderia caracterizar o crime de abuso de autoridade ou abuso de poder. Tem-se, portanto, tratar-se de tema de grande importância.
As consequências da conduta são previstas no artigo 6º, que prevê:
“O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal”.
O Estado sofre condenações diariamente, a fim de indenizar jurisdicionados, atingidos por atentados descritos na lei em comento.
Não são raros os processos em que um agente público é condenado por exercer determinado ato, que desconhecia ser ilegal.
À título de exemplo, cite-se uma hipótese corriqueira de infração à lei, desconhecida por muitos agentes públicos.
A Lei Federal nº. 8.906/94 rege que:
“Art. 7º. São direitos do advogado: (…) II – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”.
Note-se que se trata de lei federal de fácil compreensão. Contudo, é possível ouvir reclamações diárias, informando que alguns servidores impedem o exercício profissional do advogado. Ora dizendo que o cliente está “incomunicável”, ora exigindo procuração.
A conduta acima é a exata descrição de um dos atos de abuso de autoridade. Basta uma simples leitura do artigo 3º, da Lei 4.898/65.
“Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional”.
Por segundo exemplo, há reclamações no sentido de que, algumas vezes, existe uma demora exagerada em comunicar à família ou ao Poder Judiciário, a prisão de um indivíduo.
Como justificativa da demora, é comum ouvir que, na verdade, não houve uma proibição e bastaria “esperar mais um pouco”.
Novamente, a lei é de fácil compreensão, verbis:
“Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: (…)”c) deixar de comunicar,imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa”.
Como se não bastasse, o próprio Código de Processo Penal determina a imediata comunicação, inclusive, à família:
“Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”.
Vale lembrar que,” imediatamente “significa”sem demora; logo a seguir; que se segue (sem intervalo no tempo ou no espaço) (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).
A Lei 4.898/65 prevê muitas outras condutas, como tipificadoras do crime de abuso de autoridade. Para simplificar, transcrevem-se os artigos abaixo, com os casos mais comuns:
“Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do domicílio; (…); i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional”.
O artigo 4º, por sua vez, rege:
“Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; (…) h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”.
Como se vê, inúmeras são as hipóteses de ocorrência do crime de abuso de autoridade.
Em simples palavras, o servidor público deve sempre se perguntar se “há fundamento legal” que permita ou proíba uma conduta. Antes de imaginar estar proferindo uma “ordem legal”, verifique se, de fato, é legal. Na dúvida de saber se está amparado por lei, recomenda-se, se possível, evitar.
Havendo amparo legal, o servidor estará cumprindo um dever, ou seja, um exercício regular do direito. O cidadão tem a obrigação de cumprir tais ordens, sob pena de desobediência, além de outras implicações, como resistência, desacato, se for o caso, etc.
Em se tratando de legislação, espera-se que os órgãos públicos ofereçam treinamentos e orientações adequadas, com pessoas devidamente qualificadas. Mesmo porque, o direito não é matemática, sendo matéria interpretativa, o que demanda profissionais com conhecimentos jurídicos práticos.
Por fim. O Código de Processo Penal, em seu artigo 301, autoriza “qualquer pessoa do povo” prender, quem quer que seja, encontrado em flagrante delito.
Vale a transcrição do mencionado dispositivo:
“Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.
Aliás, Considera-se em flagrante delito quem está cometendo a infração penal (artigo302, CPP).
Verifica-se que a lei é enfática nas expressões: “qualquer pessoa do povo” e “quem quer que seja” (não interessa o cargo). Não há espaço para privilégios ou discriminações.
Obviamente, a prática oferece muitos desafios. Isso porque, “a prova incumbe a quem alega”. Logo, para a acusação de qualquer agente público, exige-se a respectiva comprovação.
Não havendo vídeos, fotos ou documentos, restará verificar se existem testemunhas que relatem o ocorrido em juízo. Como se sabe, o temor de retaliações é intrínseco ao brasileiro, em razão do que é veiculado nos noticiários, constantemente.
Adriano Martins Pinheiro é advogado em São Paulo, articulista e palestrante.