PEDIDO: Busca a Requerente não ser compelida ao recolhimento prévio do tributo ISSQN calculado pela Municipalidade, após a entrega da DTCO, para a obtenção do “Habite-se”, porque trata-se de condicionamento ilegal e abusivo praticado.
SENTENÇA: Com efeito, o Certificado de Conclusão de Obra (“habite-se”) é um documento emitido pela Administração o qual apenas atesta que o imóvel foi construído em conformidade com as boas técnicas da construção civil e seguindo os critérios aprovados pelos órgãos competentes, conforme Código de Obras do Município.
Nesta toada, exigir a comprovação de quitação de débitos fiscais ou trabalhistas refoge à natureza do documento, caracterizando-se como exigência ilegal da Administração, a qual dispõe de diversos outros meios para cobrar seus créditos.
Dessa maneira, tal exigência é ilegítima e inconstitucional, visto que os Municípios possuem instrumento legal próprio para a cobrança do tributo, qual seja, o processo de execução fiscal. Aliás, a exigência também impede que o contribuinte possa vir questionar o lançamento, portanto, em face da necessidade de entrega do imóvel, teria que efetuar o pagamento para somente depois percorrer a infindável via do solve et repete.
Trata-se de ação ordinária ajuizada por Dubbo Empreendimentos Imobiliários Ltda. contra Prefeitura do Município de São Paulo, aduz, em síntese, que dedica-se à incorporação de empreendimentos imobiliários e que para erigir o empreendimento denominado “Residencial Oliva Vila Mascote” contratou os serviços de terceiros e que não é a contribuinte do Imposto Sobre Serviços (ISS).
Informa que em vias de encerramento das atividades de construção, transmitiu a DTCO, documento indispensável à obtenção de Certificado de quitação de ISSQN e de “Habite-se”, todavia a Municipalidade aplicando pauta fiscal de valores por metro quadrado promoveu o lançamento complementar do ISSQN no valor de R$ 72.983,39, além de exigi-lo como requisito à expedição do “Habite-se”.
Alega serem estes atos inconstitucionais e ilegais.
Requereu, em tutela, o deferimento da suspensão da exigibilidade do crédito tributário e a não obstenção da emissão de certidão positiva com efeito de negativa e ao final a procedência da ação para afastamento da cobrança de ISSQN tal como formalizada pela Municipalidade.
Juntou procuração e documentos (fls.18/932), protestou por provas e, à causa, deu o valor de R$ 72.983,40. Postergou-se a apreciação do pedido de antecipação de tutela após a vinda do contraditório. Todavia, a Autora pediu reconsideração da decisão às fls. 935/938. Foi deferido o pedido de concessão da tutela para o fim de emissão do “habite-se” às fls. 941. Contestação às fls. 946/959. Afirma, em síntese, a legalidade do ato e que todas as notas fiscais apresentadas pelo Autor encontravam-se inadequadas. Alega ser o método de arbitramento não danoso ou abusivo ao contribuinte, uma vez que tais critérios foram criados pela Municipalidade para homogenizar a verificação do valor do metro quadrado construído, para que a autoridade possa calcular o preço do serviço em um mercado cuja oscilação de valores é enorme. Afirma que a concessão do Habite-se ter de ser precedida no mínimo pelo recolhimento do ISSQN é uma segurança a ser oferecida ao consumidor final e é uma exigência razoável. Ao final requereu a improcedência da demanda. Réplica juntada às fls. 962/967 , repisa os argumentos tecidos na exordial.
É o relatório. Fundamento e decido.
Primeiramente entendo desnecessária a produção de prova requerida pela Autora, pois a prova documental juntada à exordial encontra-se suficiente para a análise do mérito da questão, pelo que indefiro a produção de prova pericial de engenharia civil e de contabilidade, nos termos do art. 370, parágrafo único do NCPC, também em função dos princípios da economia e celeridade processuais. No mais, presentes as condições da ação e pressupostos processuais, passo ao julgamento do mérito.
A pretensão merece guarida. Busca o Autor não ser compelido ao recolhimento prévio do tributo ISSQN calculado pela Municipalidade, após a entrega da DTCO, para a obtenção do “Habite-se”, porque trata-se de condicionamento ilegal e abusivo praticado.
Com efeito, o Certificado de Conclusão de Obra (“habite-se”) é um documento emitido pela Administração o qual apenas atesta que o imóvel foi construído em conformidade com as boas técnicas da construção civil e seguindo os critérios aprovados pelos órgãos competentes, conforme Código de Obras do Município.
Nesta toada, exigir a comprovação de quitação de débitos fiscais ou trabalhistas refoge à natureza do documento, caracterizando-se como exigência ilegal da Administração, a qual dispõe de diversos outros meios para cobrar seus créditos.
Dessa maneira, tal exigência é ilegítima e inconstitucional, visto que os Municípios possuem instrumento legal próprio para a cobrança do tributo, qual seja, o processo de execução fiscal. Aliás, a exigência também impede que o contribuinte possa vir questionar o lançamento, portanto, em face da necessidade de entrega do imóvel, teria que efetuar o pagamento para somente depois percorrer a infindável via do solve et repete.
O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de analisar a questão, conforme o seguinte acórdão: É majoritário o entendimento deste E. Tribunal de Justiça no sentido de que não é possível a vinculação de concessão do “habite-se” ao pagamento de tributo, pois “a Municipalidade é dotada de diversas prerrogativas conferidas por Lei para receber os valores devidos, não podendo coagir, ilicitamente, o contribuinte a pagá-los – A imposição de restrições punitivas quando motivadas pela inadimplência do contribuinte são contrárias às liberdades constitucionais estatuídas nos artigos arts. 5º, II, LIV, e 170, parágrafo único, da CF/88, Súmulas 70, 323 e 547 do C. STF. – O Colendo Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça declarou a inconstitucionalidade do inciso VI, do artigo 2º da Lei Municipal nº 1.524/80 e artigo 69, do Código Tributário do Município de Guarujá. Arguição de Inconstitucionalidade n° 0068152-18.2014.8.26.0000, da Comarca de Guarujá, em que é suscitante 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. JOÃO NEGRINI FILHO, j. em 25/2/2015). (AC nº 4005060-42.2013.8.26.0223, 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 1º de setembro de 2015, rel. Des. Marcelo L. Theodósio). A questão acerca da possibilidade de condicionamento da expedição do habite-se ao recolhimento do imposto devido já foi reiteradamente julgada e é pacífica neste Tribunal, qual seja: APELAÇÃO – Ação anulatória – ISS sobre construção civil. Lançamento por arbitramento, com base em valores fixados em “tabela de Custos Unitários PINI de Edificações”. Cabimento, diante da impossibilidade de se apurar o real valor do serviço. Condicionamento da expedição do “habite-se” ao recolhimento do tributo. Descabimento. Documento que atesta regularidade técnica da construção, não guardando qualquer relação com a regularidade fiscal. Recurso parcialmente provido.(TJ-SP , Relator: João Alberto Pezarini, Data de Julgamento: 28/05/2015, 14ª Câmara de Direito Público) MANDADO DE SEGURANÇA. ISS Impetrante que insurge-se contra a expedição de “habite-se” condicionada ao recolhimento de ISS sobre base de cálculo estimada Inadmissibilidade Certificado de quitação do ISS que tem natureza tributária, devendo o imposto ser cobrado pelas vias próprias Desvirtuamento na base de cálculo do tributo Subsistência da r. sentença de primeiro grau Recurso. (TJ-SP – APL: 1526489220058260000 SP 0152648-92.2005.8.26.0000, Relator: Wanderley José Federighi, Data de Julgamento: 14/09/2011, 12ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 23/09/2011) APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. Mandado de segurança. ‘Habite-se’. Pretensa concessão de ordem tendente a afastar a exigência decretada pelo Município de São Paulo no sentido de que mister à expedição do ‘habite-se’ a comprovação de quitação do Imposto sobre Serviços ISS -, que incidiu por ocasião dos serviços empreendidos nas obras realizadas no imóvel. Exigência que, em tese, é indevida pois configura meio coercitivo de cobrança de tributo, o que viola, ‘prima facie’, o comando inserto nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Lei Maior. Cobrança dos tributos, por outro lado, prescrita. Exigência que encontra previsão expressa no inciso I, do artigo 83, da Lei nº 6.989/66 do Município de São Paulo (Código Tributário Municipal), de sorte que, assim sendo, sendo a Constituição de 1988 superveniente, revogou tal preceito. Desnecessidade de remessa do C. Órgão Especial. Recurso não provido. (TJ-SP, Relator: Oswaldo Luiz Palu, Data de Julgamento: 29/10/2014, 9ª Câmara de Direito Público) A Municipalidade exige a quitação do ISSQN para a expedição do “Habite-se” com fulcro no artigo 83, inciso I, da Lei Municipal nº 6.989/1966 (Código Tributário Municipal), cujo texto assim dispõe: Artigo 83 – A prova de quitação deste imposto é indispensável: I à expedição de “Habite-se” ou “Auto de Vistoria” e à conservação de obras particulares; (…) Ocorre que referida norma, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, em razão de sua incompatibilidade material com as limitações ao poder de tributar impostas no texto constitucional. Nessa esteira se pronunciou o Egrégio Supremo Tribunal Federal ao decidir questão análoga: Sanções Políticas no Direito Tributário. Inadmissibilidade da utilização, pelo poder público, de meios gravosos e indiretos de coerção estatal destinados a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo (Súmulas 70, 323 e 547 do STF). Restrições estatais, que, fundadas em exigências que transgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em sentido estrito, culminam por inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de atividade econômica ou profissional lícita. Limitações arbitrárias que não podem ser impostas pelo Estado ao contribuinte em débito, sob pena de ofensa ao “substantive due process of law”. Impossibilidade constitucional de o estado legislar de modo abusivo ou imoderado (RTJ 160/140-141 RTJ 173/807-808 RTJ 178/22-24). O Poder de Tributar que encontra limitações essenciais no próprio texto constitucional, instituídas em favor do contribuinte “não pode chegar à desmedida do poder de destruir” (Min. Orosimbo Nonato, RDA 34/132). A prerrogativa estatal de tributar traduz poder cujo exercício não pode comprometer a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria do contribuinte. A significação tutelar, em nosso sistema jurídico, do “estatuto constitucional do contribuinte”. Doutrina. Precedentes. Recurso extraordinário a que se nega seguimento. (ARE nº 731833/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. em 07.02.2013) Com relação ao arbitramento do valor do tributo, verifica-se da documentação juntada à inicial que o Autor fez prova da retenção do tributo quando da emissão das notas fiscais pela tomadoras de serviços. Todavia, a Municipalidade exigiu o pagamento de diferença de ISS que fixou os preços por metro quadrado a serem utilizados na apuração do valor mínimo de mão-de-obra aplicada na construção civil para fins de cálculo do tributo. Contudo o próprio texto do art. 7° da Lei 116/2003 prevê que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, não podendo a Municipalidade mediante portaria impor uma precificação presumida. No mais, traz a Municipalidade aos autos apenas a alegação de que os documentos fiscais apresentados pelo Autor não se encontravam em termos e, portanto, foram glosados, valendo-se do arbitramento previsto no art. 148 do CTN para encontrar os verdadeiros valores devidos. Porém, não há como prevalecer a cobrança dos valores encontrados pela Municipalidade, pois não basta optar pelo arbitramento, para tanto, é necessário que haja um regular processo administrativo na forma de se conduzir logicamente o processo para o seu regular arbitramento. Observa-se que o arbitramento de ofício da base de cálculo do ISS é uma faculdade do ente tributante, que, nas situações em que não vislumbre parâmetros para a apuração do valor real do serviço prestado, ou nas quais fique evidenciada a insubsistência das declarações, poderá alterar de ofício o valor declarado. No entanto, é preciso ressaltar que o caput do art. 7º da LC 116/03 determina que a base de cálculo do ISS, ainda que arbitrada pela municipalidade, é o valor do serviço. Assim, mostra-se necessário aferir se o valor da base de cálculo, proposto de ofício pela autoridade tributante, está em consonância com os valores praticados pela praça comercial, valor este que foi questionado pela contribuinte. Ademais, mesmo que conste na referida Portaria os “valores mínimos”, alterando, assim, a base de cálculo para recolhimento do tributo, aludida situação implica numa alteração de lei por Portaria, o que não é possível no ordenamento jurídico, em face do princípio da hierarquia das normas, pelo qual norma inferior não pode modificar, alterar, revogar norma superior, sendo certo que, do confronto entre essas duas regras, deve prevalecer a lei (TJ-SP, Relator: Eutálio Porto, Data de Julgamento: 02/06/2015, 15ª Câmara de Direito Público). No mais, apesar do arbitramento dos valores remanescentes pela Municipalidade não ser cabível no caso em tela, cabe ressaltar que o arbitramento como ferramenta de auxílio ao Estado não pode ser declarado inconstitucional, como pretende o Autor. Esse é entendimento predominante deste Tribunal (grifou-se): “A esse respeito, este Egrégio Tribunal de Justiça em outra oportunidade já decidiu que “(…) conquanto não seja o caso, como visto, de concluir pela inconstitucionalidade da utilização de pauta mínima, é possível divisar que o direito do contribuinte de avaliar a correção do recolhimento do imposto apurado pela Municipalidade afigura-se inquestionável”. (Agravo de Instrumento nº 811.747-5/5-00, 15ª Câmara de Direito Público, j. 2/7/2009, rel. Des. Erbetta Filho) Tributário ISSQN Lançamento de ofício, por arbitramento amparado em pauta fiscal. Legalidade. A chamada pauta fiscal mínima não é aleatória e pode ser utilizada como parâmetro para o arbitramento do tributo quando não for possível apurar o preço do serviço. Meros recibos, sem correta identificação do signatário supostamente representante de pessoa jurídica, não constituem prova suficiente à revisão do lançamento de ofício. Recurso improvido. (Apelação nº 0019921-84.2006.8.26.0114, 14ª Câmara de Direito Público, j. 25/7/2013, rel. Des. Núncio Theophilo Neto). “Ação declaratória. Imposto Sobre Serviços – ISS. Municipalidade de São Paulo. Pretendida declaração de inconstitucionalidade da cobrança de ISS com base em valor mínimo por pauta fiscal, prevista no § 3º, do art. 14, da lei municipal nº 13.701/03. Impossibilidade. Faculdade do ente tributante. Inteligência do art. 148 do Código Tributário Nacional. (…) (TJ-SP, Relator: Henrique Harris Júnior, Data de Julgamento: 28/11/2013, 14ª Câmara de Direito Público) Por fim, com relação à análise das glosas, as mesmas não encontram fundamento jurídico e, portanto, são eivadas de ilegalidade. Em primeiro lugar, A LC nº 116/2003, em sua lista de serviços anexa, confere, de maneira expressa, mesmo tratamento tributário aos serviços de construção civil por administração e por empreitada (grifou-se): “Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. 7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).” No mesmo sentido, não poderia ter sido feita a glosa dos serviços auxiliares expostos às fls. 12.
A autora demonstrou que tais serviços enquadram-se na categoria de serviços auxiliares e complementares ao serviço de construção civil, nos termos do item 32, do Decreto-lei nº 406/68. Desta feita as glosas não deveriam ter sido realizadas.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido inicial e extinto o processo, com base no art. 487, do Código de Processo Civil de 2015 para assegurar o direito do Autor à obtenção do “Habite-se” e declarar quitado o ISS devido em razão da construção do empreendimento “Residencial Oliva Vila Mascote”.
Ante a sucumbência, arcará a parte ré com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor corrigido da causa, nos termos do art. 85, §3º, I, do Código de Processo Civil de 2015. Sentença sujeita a reexame necessário. Oportunamente, com o trânsito em julgado, ao arquivo, com as devidas anotações. P.R.I. São Paulo, 14 de agosto de 2017. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA
1039272-97.2015.8.26.0053 Visualizar Inteiro Teor
Classe: Procedimento Comum
Assunto: Anulação de Débito Fiscal
Magistrado: Lais Helena Bresser Lang
Comarca: SÃO PAULO
Foro: Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes
Vara: 2ª Vara de Fazenda Pública
Data de Disponibilização: 18/08/2017