Por Adriano Martins Pinheiro – Escrito em 23.10.2010
1. Introdução
Inicialmente, não se pode olvidar que o operador do direito deve conhecer, minuciosamente, os princípios jurídicos. Logo, em se tratando de relação jurídica tributária, é imperiosa a ciência dos princípios jurídicos atinentes à tributação.
Em que pese a obviedade, é possível, infelizmente, notar certa carência desse domínio em algumas celeumas judiciais. É que, por vezes, vê-se uma exaustiva narração de fatos e extensa reprodução de técnicas jurídicas, sem, contudo, uma elucidação dos ditames conformadores do direito. Referida combinação tem gerado grandes prejuízos.
Ora, é cediço que a aplicação dos princípios jurídicos não se limita à hipótese de lacuna, prevista na Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro – LICC. Os magistrados tem arraigados em suas mentes os preceitos norteadores do direito, permitindo-lhes exegese adequada à elucidação dos fatos.
Tanto é assim, que o apegado exagerado à forma tem dado lugar ao princípio da instrumentalidade desta, admitindo-se à fungibilidade, em homenagem à celeridade processual – na ausência de prejuízo-, como rege o louvado adágio “pas de nullité sans grief”.
Referido entendimento é aplicado na jurisprudência majoritária. A título de exemplo, é o que se observa da decisão do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria da cuidadosa e judiciosa Ministra NANCY ANDRIGHI, consoante ementa abaixo transcrita:
(…) “Nos termos da jurisprudência do STJ, o princípio da instrumentalidade das formas recomenda que não se anulem atos supostamente inquinados de nulidade sem que se verifique a efetiva ocorrência de prejuízo. Se o Tribunal de origem afirma que o julgamento separado de causas conexas não causou gravame, não há nulidade a ser declarada”. (STJ; REsp 851.462; BA; Terceira Turma; Relª Minª Fátima Nancy Andrighi; DJE 15/10/2010).
Nesse diapasão, HUGO DE BRITO MACHADO faz importante advertência acerca do referido formalismo jurídico, em detrimento dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Conveniente sua transcrição:
“Há alguns anos se vem notando nítida reação ao formalismo jurídico. Em outras palavras, há alguns anos os juristas se mostram cada vez mais convencidos da insuficiência do elemento formal do Direito para alcançar o objetivo essencial deste, vale dizer, a ordenação da conduta humana e, em especial, o estabelecimento de limitações ao poder. O elemento formal permite sempre duas ou mais interpretações das normas, de modo que se impõe a consideração valorativa capaz de apontar soluções inspiradas nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que apontam para o ideal de justiça.”
(…)
“Essa reação ao formalismo se faz necessária para evitar um círculo vicioso criado pela atitude dos que o prestigia. Os formalistas acreditam que a regra jurídica é suficiente em si mesma. Prescinde de qualquer consideração apoiada nos princípios e despreza o raciocínio jurídico, ou lógico-jurídico, preferindo a regulação casuística, do que decorre um emaranhado de normas que cresce em progressão geométrica, tornando inevitável as incongruências, posto que se faz praticamente impossível o conhecimento de todas elas. E, o que é pior, inibe a capacidade de formulação do raciocínio jurídico.” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 117).
Como se vê, estando acesos os princípios jurídicos nos operadores do direito, as partes recebem a efetiva prestação jurisdicional, tendo em vista a utilização da razoabilidade e proporcionalidade, seja pelo brilhantismo do causídico eleito, seja de ofício, pelo sapiente magistrado.
Também de bom alvitre consignar que, os princípios jurídicos são expressão dos direitos e garantias fundamentais, como os insertos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Aliás, vale dizer, estes superam o próprio Texto Magno, uma vez que são muito anteriores a ele, refletindo uma conquista histórica, não só pátria, mas da humanidade.
Tanto é assim, que, desde a Magna Carta – Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae – de 1215, se negou o poder absoluto aos monarcas da Inglaterra.
É o que extrai do escólio de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, ao abordar as projeções relacionadas aos princípios constitucionais:
(…) “ditos princípios traduzem no imo e em suas expansões projeções de direitos fundamentais, ou melhor, no miolo, são garantias de direitos fundamentais, notadamente capacidade, liberdade, dignidade humana, propriedade e igualdade, além de valores republicanos, federalistas e solidaristas”. (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 180).
Casos há que se demonstra a verdadeira necessidade de se pregar a utilização dos princípios jurídicos na prestação jurisdicional, não se limitando ao aposento dos livros e bancos da academia. Como por exemplo, a prisão do depositário infiel.
Consabido é que ao consignar os direitos e garantias fundamentais, a Constituição Pátria, estranhamente, autorizou a prisão civil por dívida, no que se refere ao depositário infiel (art. 5º, LXVII). Assim, levou-se à masmorra muitos cidadãos inadimplentes, que tiveram bens penhorados e, simultaneamente, depositados em suas mãos. Prática muito utilizada por financeiras, que transformavam o bem financiado em depósito, buscando, em seguida, a prisão do devedor.
No escopo de agilizar o encarceramento, produziu-se o verbete da súmula 619, do Pretório Excelso, que regia: “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito.” Deu-se efetividade “exemplar” ao princípio da celeridade e economia processual, mas com o fito de se trancafiar o cidadão devedor.
Porém, no ano de 1.992 o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, que veda a prisão civil, com exceção aos casos de pensão alimentícia. Para não adentrar em outras explanações, suficiente é colacionar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que revogou a odiosa súmula, retro citada:
“A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in) admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do pacto de são José da costa rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do pacto internacional dos direitos civis políticos (art. 11) e da convenção americana sobre direitos humanos – Pacto de san José da costa rica (art. 7º, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 3. A jurisprudência desta corte firmou entendimento no sentido de que a única hipótese de prisão civil, no direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a república federativa do Brasil seja parte. O pacto de são José da costa rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido.” (STF; HC 96.640-3; SP; Segunda Turma; Relª Min. Ellen Gracie; Julg. 31/03/2009; DJE 24/04/2009; Pág. 60).
Impende notar que, o Pacto foi ratificado em 1.992, sendo que, somente em meados de 2.009, começou-se a sedimentar a prevalência dos princípios humanitários, em face dos interesses patrimoniais.
Ao tratar do conceito de princípio, CELSO ANTONIO BANDEIRA assevera que este traduz um mandamento nuclear e um verdadeiro alicerce de disposição fundamental, irradiando todo o ordenamento jurídico pátrio. Melhor é reproduzir, fidedignamente, seu ensino:
“Princípio – como já averbamos alhures- é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed.São Paulo:Malheiros Editores,1996).
Não é sem razão que ROQUE ANTONIO CARRAZZA, citando GERALDO ATALIBA e CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, menciona em seu magistério:
(…) “podemos dizer que o sistema jurídico ergue-se como um vasto edifício, onde tudo está disposto em sábia arquitetura. Contemplando-o o jurista não só encontra a ordem, na aparente complicação, como identifica, imediatamente, alicerces e vigas mestras. Ora, num edifício tudo tem importância: as portas, as janelas, as luminárias, as paredes, os alicerces etc. No entanto, não é preciso termos conhecimentos aprofundados de Engenharia para sabermos que muito mais importantes que as portas e janelas (facilmente substituíveis) são os alicerces e as vigas mestras. Tanto que, se de um edifício retiramos ou até mesmo uma porta, uma janela ou até mesmo uma parede, ela não sofrerá nenhum abalo mais sério em sua estrutura, podendo ser reparado (ou até embelezado). Já, se dele subtrairmos os alicerces, fatalmente cairá por terra. De nada valerá que portas, janelas, luminárias, paredes etc. estejam intactas e em seus devidos lugares. Com o indevido desabamento, não ficará pedra sobre pedra. Pois bem, tomadas as cautelas que as comparações impõem, estes “alicerces” e estas “vigas mestras” são os princípios jurídicos, ora objeto de nossa atenção. ” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p.38.).
Nesse sentido, também leciona CELSO RIBEIRO BASTOS:
“Os textos Constitucionais, via de regra, contêm diretrizes básicas a guiar todo o ordenamento jurídico de um Estado. Essas diretrizes corporificam, de fato, os princípios constitucionais, que se irradiam por todo o sistema constitucional, conferindo-lhe racionalidade e norteando o processo de interpretação da Lei Maior.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e Tributário – 9. ed. atual. e ampl. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p.172.).
Como sempre, proveitosa é a lição do festejado jurista GERALDO ATALIBA:
“Os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; tem que ser prestigiados até as últimas conseqüências”. (ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, 2ª ed., 3ª tir., São Paulo, Malheiros Editores, 2004, p. 34).
É bem verdade que há notícia de que se cogite, sob qualquer circunstância, a negação aos princípios jurídicos. Não se encontra pretensões claras, nesse sentido.
No entanto, não obstante inexistir negação expressa, há desobediência ou violação de forma tácita, nas operações judiciais, seja por não provocação daquele que obteve o mandato do interessado, seja por lapso dos magistrados. Espera-se, nessas hipóteses, seja sanada a violação no exercício do duplo grau de jurisdição.
Sob o manto de todo o exposto, resta indubitável que qualquer violação ou omissão aos princípios jurídicos, representa flagrante afronta ao próprio direito, o que não se pode admitir. E, repita-se, isso, por vezes, ocorre de forma tácita.
Não fosse assim, não seriam necessárias as frequentes invocações da doutrina e da jurisprudência, nesse sentido, como também o fez, veementemente, JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, “in verbis”:
“Ora, a violação de um princípio constitucional importa em ruptura da própria Constituição, representando por isso mesmo uma constitucionalidade de consequências muito mais graves do que a violação de uma simples norma, mesmo constitucional.” (BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais/Educ. 1975, pp. 13/14).
2. Dos princípios jurídicos da tributação
Estando reproduzidas as advertências da consagrada doutrina, pronto se está a examinar a aplicabilidade dos princípios jurídicos à exação tributária, uma vez que são estes se consubstanciam em impreterível defesa do contribuinte, tendo em vista o insaciável desejo fazendário.
Não se nega o poder-dever do Estado em arrecadar tributos, haja vista que, por razões óbvias, isso não seria possível. Contudo, o administrado deve ter em seu favor a proteção constitucional, que o livre da já mencionada voracidade fiscal.
Assim, o sistema tributário nacional – e não só ele-, traz consigo os princípios informadores da tributação. É dizer, o Estado está – ou deveria estar – adstrito aos limites impostos pelo ordenamento jurídico.
O tema enseja a sempre conveniente doutrina de HUGO DE BRITO MACHADO, que averba:
“Constitui ponto pacífico, atualmente, a assertiva segundo a qual a relação jurídica da tributação é uma relação jurídica e não uma relação simplesmente de poder. Assim, submetida que está a relação de tributação ao disciplinamento jurídico, tem-se que examinar, em primeiro plano, as prescrições jurídicas mais importantes do disciplinamento dessa relação, as quais são geralmente designadas como princípios jurídicos da tributação”. (MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da Tributação na Constituição de 1988. 4 ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 14.).
Desse modo, a aplicação dos preceitos jurídicos tributários é medida que se impõe, para que, de fato, haja a limitação ao poder de tributar. Consectariamente, é o ensino do aplaudido jurista PAULO DE BARROS CARVALHO, “in verbis”:
(…) “o exercício do poder tributário, no Brasil, se acha jungido por uma série de máximas constitucionais, especialmente dirigidas a esse setor. São os princípios constitucionais tributários, na maioria explícitos, e que a legislação infraconstitucional deve acatar, em toda a latitude”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 155.)
3. Conclusão
Por fim, a doutrina esforça-se, sobremodo, em ressaltar a importância e inadmissibilidade da relação jurídica, sem a observância dos indigitados princípios. Chegou-se, então, ao estágio da necessidade de proteger os princípios que nos protegem.
Adriano Martins Pinheiro é advogdo, palestrante e articulista
Bibliografia:
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, 2ª ed., 3ª tir., São Paulo, Malheiros Editores, 2004,
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e Tributário – 9. ed. atual. e ampl. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002.
BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais/Educ. 1975
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2000
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2010
MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da Tributação na Constituição de 1988. 4 ed. São Paulo: Dialética, 2000
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed.São Paulo:Malheiros Editores,1996
Bibliografia: NBR 6023: 2002 ABNT. Pinheiro, Adriano Martins. A importância dos princípios jurídicos da tributação.
Acesso em :23 de agosto de 2017 Autor: Adriano Martins Pinheiro