00517/17.8BECBR
Secção: 1ª Secção – Contencioso Administrativo
Data do Acordão: 09/28/2018
Tribunal: TAF de Coimbra
Relator: Frederico Macedo Branco
Descritores: INTIMAÇÃO PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES; LEGITIMIDADE; INTERESSE NA INFORMAÇÃO
Sumário:
1 – A procedência de pedido de Prestação de Informações depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) A qualidade de interessado do Requerente;
b) A existência de um pedido prévio à interposição da intimação dirigido à Administração solicitando a prestação de informação, a emissão de certidão, ou a consulta do processo;
c) Que a Administração, por omissão ou recusa, não tenha prestado a “informação” solicitada no prazo legal;
d) Que o Requerente intime judicialmente a Administração no prazo processual de 20 dias;
e) Que não ocorram limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a “informação” solicitada.
2 – O direito de acesso aos arquivos e registos da Administração não é, nem poderá ser, um direito absoluto, importando equacionar e ponderar o mesmo, em função dos demais direitos e valores constitucionais protegidos, com os quais potencialmente poderá colidir. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente: CVMS
Recorrido 1: Universidade de Coimbra
Votação: Unanimidade
Meio Processual: Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) – Recurso Jurisdicional
Decisão: Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico: Emitiu parecer concluindo no sentido de dever “ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional”
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
CVMS, no âmbito da Intimação para a prestação de Informações e Passagem de Certidões intentada contra a Universidade de Coimbra, tendente a que lhe fosse facultada a lista de alunos da Faculdade de Direito daquela Universidade, de 1983 a 1986 da referida Universidade, inconformado com a decisão proferida no TAF de Coimbra, em 7 de dezembro de 2017, através da qual foi julgado improcedente o seu pedido de intimação, veio a Recorrer para este Tribunal em 7 de junho de 2018, no qual concluiu:
“a) O presente recurso pode e deve ser admitido e julgado procedente e, em consequência, a sua pretensão pode e deve ser integralmente deferida, tal como foi expressamente requerido à entidade recorrida e na PI de 31/08/2017.
b) A sentença sob recurso padece de erro manifesto quanto aos pressupostos de facto e de direito em que se estriba.
c) A sentença sob recurso padece de nulidade por violar o princípio constitucional do arquivo aberto.
d) A sentença sob recurso constitui uma decisão surpresa, por se estribar em fundamentos novos, não invocados pela parte requerida para indeferir a pretensão do interessado, e por o ora recorrente não ter tido a oportunidade processual de se pronunciar previamente sobre tais fundamentos.
e) Quer as «Listas de Alunos», quer as “Pautas Escolares”, de qualquer nível de ensino, não são «documentos nominativos», para além de ex vi lege serem documentos de publicação/publicitação obrigatória.
f) A CRP, no seu artigo 268° nº 2, consagra expressamente o princípio do arquivo aberto, admitindo apenas as restrições de acesso nas matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal ou à intimidade das pessoas, nada mais, ao contrário do que foi considerado na douta sentença sob recurso.
g) Seja como for, o Requerente invocou e demonstrou ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, designadamente por ter sido aluno da entidade requerida nos anos escolares aqui em causa, para poder aceder à referida informação administrativa, ao contrário do que foi considerado na sentença sob recurso.
h) A interpretação restritiva dada pelo Tribunal a quo às normas constantes, em termos conjugados nos artigos 3° nº 1 alínea b) e 6° nº 5 alíneas a) c b) da LADA e 3° alínea a) da LPDP, revela-se ilegal e materialmente inconstitucional por violar os princípios fundamentais do contraditório, da legalidade e do Arquivo Aberto ínsitos nos artigos 3° nº 3 do CPC, 17° n° 1 do CPA, 2º, 3° nº 3, 17°, 18°, 20° n° 5, 204°, 266° e 268° nº 2 da CRP e 7° nº 3 e 9° do CC.
f) A sentença sob recurso violou as normas legais contidas nos artigos 3° n° 3 CPC, 170 nº 1 do CPA, 3° nº 1 alínea b) e 6º n° 5 alíneas a) e b) da LADA, 2°,3° nº 3, 17º, 18º, 20° n° 5, 204°, 266° e 268° n° 2 da CRP, 7° n° 3 e 9° do CC.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Exªs, o presente recurso pode e deve ser admitido e julgado procedente e, em consequência, a sua pretensão pode e deve ser integralmente deferida, tal como foi expressamente requerido à entidade recorrida e na PI de 31/08/2017, como é de Justiça”.
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A aqui Recorrida/Universidade, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 29/06/2018, concluindo:
“1) A douta decisão prolatada encontra-se em perfeita consonância com a Lei e o Direito aplicáveis, traduzindo a letra e o espírito da Lei, não violando qualquer disposição legal ou constitucional, nem ofendendo qualquer princípio vigente no nosso ordenamento jurídico.
2) A informação pretendida pelo Recorrente, pese embora o princípio da administração aberta que rege o nosso ordenamento jurídico, contende com o estabelecido na Lei, nomeadamente no que concerne à proteção de dados pessoais (Cfr. art. 18.º, do C.P.A., e art. 3.º, da Lei da Proteção de Dados Pessoais).
3) O Requerente não se muniu de qualquer autorização escrita dos detentores dos dados pretendidos, nem fundamenta o seu pedido, demonstrando ser titular de qualquer interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, que possa fundamentar e justificar o acesso a tais dados, pelo que não pode proceder a sua pretensão.
4) O direito de acesso aos arquivos e registos da Administração Pública, plasmando no art. 268.º, n.º 2, da C.R.P., e no art. 17.º, do CPA, não é um direito absoluto, devendo ser avaliado e ponderado, em cada caso concreto, por confronto com os demais direitos e valores constitucionais protegidos com que colide.
5) Como decorre do n.º 3, do art. 5.º, do C.P.C, o Senhor Juiz, na aplicação da Lei e do Direito, não está sujeito às alegações das partes, no que concerne à “indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito”.
6) Na formulação da douta decisão não se verifica, assim, qualquer “decisão surpresa”, nos termos referidos pelo ora Recorrente, e de que, previamente, tivesse de ter conhecimento.
Termos em que, e nos melhores que V. Exas. Doutamente suprirão, Devem julgar-se improcedentes todas as conclusões formuladas pelo Recorrente, por não provadas, mantendo-se integralmente a douta Sentença recorrida, assim se fazendo Justiça!
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Em 9 de Julho de 2018 veio a ser proferido Despacho de Admissão do Recurso
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 13/07/2018, veio a emitir Parecer no mesmo dia, concluindo no sentido de dever “ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional”.
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Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
II – Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, impondo-se verificar os suscitados erros “quanto aos pressupostos de facto e de direito em que se estriba”.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada e não provada:
“A) Em 31/07/2017 o Requerente, CVMS, dirigiu à Entidade Requerida, por mensagem de correio eletrónico, que aqui se dá por integralmente reproduzida, o seguinte pedido: “(…) requer a V. Exª se digne mandar enviar por via eletrónica cópia de teor integral das Listas de Alunos da Faculdade de Direito relativas aos anos letivos de 1982 a 1987, preferencialmente, ou mandar facultar ao interessado a consulta presencial dessas listas, nos termos facultados pelo disposto nos artigos 17.º, 83.º e 85.º do CPA, 2º alínea d), 3º nº 2, 18º nº 1, 21º nºs 1 e 4 e 50º, nº 1 do DL nº 135/95, com a redação do DL 73/2014, e 5º, 11º nºs 1 alíneas a) e b) e 4 e 13º nºs 1 e 4 LADA – Lei nº 46/2007. Espera deferimento.” – Acordo; cfr. documento 1, junto com PI;
B) Por ofício n.º S-006196/2017, datado de 14/08/2017, que aqui se dá por integralmente reproduzido, veio a Administradora da UC determinar, com relevância, o seguinte:
“Em resposta à V. solicitação de 3 de março de 2017, renovada em 1 de agosto de 2017, cumpre-me informar que, findas as diligências de apuramento, verificou-se que a informação relativa aos Estudantes que frequentaram a Universidade de Coimbra nos anos em causa (1983 a 1986 e 1982 a 1987) consta em sistema de registo manual de dados, o que não permite, materialmente, a emissão de documento com as listas pretendidas, não sendo, assim, possível atender ao requerido por V. Exa.
Tal impossibilidade encontra-se em conformidade com o entendimento consubstanciado no Parecer n.º 10/2014 da CADA, segundo o qual “constitui doutrina da LADA que os serviços públicos só estão obrigados a facultar o acesso a documentos que efetivamente detenham, não estando vinculados, para satisfazer o requerimento de um interessado, a elaborar documentos, designadamente a fazer qualquer trabalho de composição, de síntese ou de elaboração a partir de outros”, bem como com o estabelecido no n.º 6 do Artigo 13.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, nos termos do qual “a entidade requerida não tem o dever de criar ou adaptar os documentos para satisfazer o pedido, nem a obrigação de fornecer extratos de documentos, caso isso envolva um esforço desproporcionado que ultrapasse a simples manipulação dos mesmos. (…)”. – Documento junto com a resposta da Entidade Requerida;
C) Em 31/08/2017 foi instaurada a presente Intimação – Registo SITAF.
Considera-se não provado o seguinte facto:
1) Que o Requerente tenha sido notificado do ofício da Administração da UC, datado de 14/08/2017.”
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IV – Do Direito
Enquadremos e analisemos então o suscitado.
O meio processual de intimação usado pelo aqui Recorrente encontra-se legalmente previsto nos artigos 104.º e ss do CPTA.
Com efeito, o CPTA instituiu, em concretização da Constituição da República Portuguesa (CRP) o meio de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões como um meio principal, de carácter urgente, a usar pelos interessados nos casos de incumprimento dos deveres de informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos em todas as suas modalidades (informação/consulta de processos/passagem de certidões), bem como nos casos de notificação insuficiente, remetendo para a lei substantiva (constitucional e legal), a regulação do direito à informação e respetivos limites.
Tais direitos à informação procedimental e não procedimental encontram-se constitucionalmente reconhecidos como direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias (artigo 268.º da CRP) e, assim, submetidos ao regime previsto no artigo 18.º da CRP.
Lê-se no artigo 104.º do CPTA que “quando não seja dada integral satisfação a pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimação da entidade administrativa competente” para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e que o pedido de intimação é igualmente aplicável nos casos de notificação insuficiente previstos no n.º 2 do artigo 60.º.
Por sua vez, nos termos previstos no artigo 105.º do CPTA a intimação deve ser requerida ao tribunal competente, no prazo de 20 dias, que se inicia com a verificação das circunstâncias ali mencionadas, sintetizadas na formulação de pedido prévio à Administração para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões não satisfeito integralmente no prazo legalmente estabelecido.
Neste contexto, o CPA consagra o direito dos interessados de serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam diretamente interessados, no prazo de 10 dias, abrangendo as informações a prestar os atos e diligências praticados, as decisões adotadas e quaisquer outros elementos solicitados (artigo 61.º), bem como a obter certidão dos documentos que constem dos processos (artigo 62.º, n.º 3) e certificados de dados constantes de documentos do processo (artigo 61.º, n.º 2).
Acesso à informação procedimental que se estende ainda a qualquer pessoa que, não tendo um interesse direto no procedimento, prove ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretenda, no sentido de um “qualquer interesse atendível”, protegido ou não proibido juridicamente que justifique, razoavelmente, dar-se ao Requerente tal informação” – neste sentido, entre outros, vide Esteves de Oliveira/Pedro Gonçalves/Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, p. 340.
No que respeita às restrições e limitações do direito de acesso à informação a CRP, no n.º 2 do seu artigo 268.º identifica-as expressamente quanto à vertente não procedimental (matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas (cfr. ainda a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos n.º 46/2007, de 24 de Agosto, e o artigo 65.º do CPA).
O mesmo não sucede em relação ao direito de informação procedimental, cujas ressalvas, limites ou exceções foram previstas na lei, mais propriamente no artigo 62.º do CPA (documentos classificados – a interpretar no sentido de incidirem sobre matéria secretas ou confidenciais) ou que relevem segredo comercial, industrial, relativo à propriedade literária, artística ou científica; documentos que contenham dados pessoais relativos a terceiros (a interpretar no sentido de tais dados prejudicarem direitos fundamentais, mormente a intimidade das pessoas ou reserva da vida privada – Já previsto no artigo 2.º da Lei da proteção dos dados pessoais n.º 67/98, de 26 de Outubro).
Não obstante, considerando que o direito de informação procedimental constitucionalmente previsto não é um direito absoluto, a falta de expressa menção do legislador constitucional das “restrições” ao mesmo, diversamente do que fez em relação ao direito de acesso aos arquivos e registos administrativos não legítima a interpretação de as mesmas inexistirem: basta pensar que os direitos fundamentais no nosso estado de direito e plural estão limitados pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou bens igualmente protegidos pela CRP, mormente, no caso do direito de informação procedimental, pelas restrições expressas no n.º 2.º do artigo 268.º aplicáveis por força do “princípio de harmonização valorativa” – neste sentido, vide Sofia David, in Das Intimações, Considerações Sobre Uma (nova) tutela de urgência de processo nos Tribunais Administrativos, Almedina 2005, p. 101 e ss, remetendo para, entre outros, J.M. Sérvulo Correia, “O Direito à Informação e os Direitos de Participação dos Particulares no Procedimento e em Especial, na Formação da Decisão Administrativa”, in Legislação, Cadernos de Ciência de legislação, n.º 9-10, INA, Lisboa 1994, p. 141 e Raquel Carvalho, O Direito à Informação Administrativa Procedimental, pp 220 e 221.
Em síntese, resulta do exposto que o meio de intimação em causa se destina a permitir aos interessados a obtenção de prestações materializadas em informações, certidões ou no acesso a documentos, exceto se o pedido em causa incidir sobre matérias secretas ou confidenciais relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
A procedência do presente meio depende pois da verificação dos seguintes requisitos:
1. A qualidade de interessado do Requerente;
2. A existência de um pedido prévio à interposição da intimação dirigido à Administração solicitando a prestação de informação, a emissão de certidão, ou a consulta do processo;
3. Que a Administração, por omissão ou recusa, não tenha prestado a “informação” solicitada no prazo legal;
4. Que o Requerente intime judicialmente a Administração no prazo processual de 20 dias;
5. Que não ocorram limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a “informação” solicitada.
Importa pois agora verificar se os referidos pressupostos se encontram preenchidos face aos pedidos formulados, atento o decidido pelo tribunal a quo.
Vejamos:
No que aqui releva, discorreu-se em 1ª Instância:
“Conforme deixámos exposto supra, no Relatório, nos presentes autos vem o Requerente requerer a intimação da UC a deferir integralmente o seu requerimento de 31/07/2017, consubstanciado no pedido de remessa, preferencialmente mediante correio eletrónico, de cópia do teor integral das Listas de Alunos da Faculdade de Direito relativas aos anos letivos de 1982 a 1987, ou consulta presencial dessas listas, fundamentando a sua pretensão ao abrigo do regime legal que entende ser aplicável. Mais pede que a UC seja condenada ao pagamento de 1 UC a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso em relação ao prazo que vier a ser fixado para o cumprimento da sentença.
Vejamos se o Requerente tem o direito que se arroga, de acesso à informação por si requerida (artigo 105.º, n.º 2, do CPTA), e que vem pedir em termos não procedimentais, ou seja, fora do quadro de um qualquer procedimento em curso [cfr. sobre esta matéria, Luiz Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pág. 126 e ss.].
Tendo por base o imperativo constitucional plasmado no artigo 268.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), vem o artigo 17.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) consagrar o princípio da Administração aberta e, deste modo, o direito dos interessados de acesso aos arquivos e registos [cfr. Acórdão do TCA Sul, de 09-02-2012, proc. 08314/11]. Com efeito, dispõe o citado artigo, no seu n.º 1, que “[t]odas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas”. Para além disso, estabelece, no seu n.º 2, que “o acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado por lei”.
Não obstante a sua indelével importância, tal princípio não consubstancia um direito absoluto “ficando aberto à presença de tantos valores e interesses constitucionalmente atendíveis que com ele entram em colisão”, pelo que “natural é que a respetiva disponibilidade pelos particulares fique em larga medida dependente do tratamento pela lei ordinária que, aliás, já existe e em termos satisfatórios. É esta que tomará posição sobre a questão de saber se o acesso é completamente livre e se exige ou não requerimento” [Luiz Cabral de Moncada, op. cit., pág. 127].
O Requerente solicitou à UC, em 31/07/2017, o acesso à lista de alunos que frequentaram a Licenciatura em Direito, da sua Faculdade de Direito, nos anos letivos de 1982 a 1986 [facto assente em A], não tendo obtido resposta até à data em que requereu a presente Intimação [facto assente em B) e C)].
A Entidade Requerida, por seu turno, veio aos autos informar que respondeu à solicitação do Requerente por ofício datado de 14/09/2017, contudo sem fazer prova da sua notificação ao mesmo [factos assentes, respetivamente, em B) e 1)].
Da citada resposta, supervenientemente dada a conhecer ao Requerente, atenta a data de entrada da presente Intimação [factos assentes em B) e C)], extrai-se que a informação solicitada “consta de sistema de registo manual de dados, o que não permite, materialmente, a emissão de documento com as listas pretendidas”, motivo pelo qual alega não ser possível deferir o pedido do Requerente [facto assente em B)].
A resposta à questão sub judice deve procurar-se no regime especial que regula a matéria, a saber, a Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, que Aprova o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos, doravante, LADA (cfr. artigo 4.º da LADA) e demais diplomas para os quais esta venha a remeter.
Conforme deixámos exposto, o direito à informação não procedimental, como é o caso presente, é conferido a todas as pessoas, tendo natureza análoga aos direitos liberdades e garantias e só podendo estar sujeito às restrições expressamente previstas na Constituição e na lei (cfr. artigo 268.º, n.º 2 da CRP e artigos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 13.º, n.º 6 da LADA). Vigorando aqui o princípio do arquivo aberto, consagrado no citado artigo 17.º do CPA e 2.º da LADA, o acesso à informação não procedimental engloba os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a existência e conteúdo dos documentos administrativos (cfr. referidos artigos 5.º e 13.º da LADA) – [cfr. Acórdão do STA, de 13/07/2016, processo n.º 0577/16].
Nos termos do artigo 5.º da LADA, “[t]odos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sai existência e conteúdo” (n.º 1), sendo que tal “direito de acesso realiza-se independentemente da integração dos documentos administrativos em arquivo corrente intermédio ou definitivo” (n.º 2).
Porém, quando esteja em causa o acesso a documentos administrativos nominativos, rege o disposto no artigo 6.º, n.º 5, da LADA, que dispõe que “[u]m terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos: a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder; b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação” [cfr. com Acórdão do STA, de 24/01/2012, proc. n.º 0668/11].
Tal preceito tem uma dupla finalidade: por um lado, visa a proteção dos titulares dos dados pessoais, por outro, a salvaguarda da Administração perante pedidos sem fundamento, desproporcionais (especialmente na em relação custo/benefício) e desrazoáveis, consubstanciadores de abuso de direito e aptos a entorpecer a atuação Administrativa, a qual “deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade” (princípio da boa administração e princípio da eficiência – artigo 5.º do CPA).
Estabelece o artigo 3.º, n.º 1, alínea b) da LADA que “documento nominativo” é “o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais”.
A Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto (LADA07) foi revogada pelo artigo 47.º, alínea b) da Lei 26/2016, de 22 de Agosto (LADA). Ora, até à sua revogação, o regime instituído qualificava como documentos nominativos, para efeitos de acesso aos dados administrativos, “o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada”. Deste modo, só seriam nominativos – e portanto sujeitos às restrições impostas pelo então artigo 6.º, n.º 5, alíneas a) e b) da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto – os documentos que contivessem apreciações de juízos de valor e informações abrangidas pela reserva da intimidade da vida privada de pessoa identificada ou identificável. Assim sendo, à luz do regime legal então vigente, em toda a panóplia de documentos administrativos, apenas uma pequena parcela de entre eles seria considerado “documento nominativo”.
Ora, a LADA agora vigente vem remeter a definição de “documento nominativo” para a LPDP, a qual consagra uma noção mais ampla do que aquela que constava na LADA07 e, concomitantemente, mais restritiva quanto ao direito de acesso, pelos administrados, a documentos administrativos.
Com efeito, de acordo com o artigo 3.º, alínea a), da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, que aprova a Lei da Proteção de Dados Pessoais (LPDP), na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 103/2015, de 24/08, são considerados “dados pessoais”, “qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respetivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (‘titular dos dados’); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada direta ou indiretamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social” (cfr. artigo 18.º do CPA). Por conseguinte, o simples nome de uma pessoa será, para efeitos da presente lei, um elemento específico da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social [vide o Acórdão do TCA Sul, de 04/05/2017, proc. n.º 2937/16.6BELSB, o qual segue este entendimento].
O Recorrente pretende que a Entidade Recorrida envie “por via eletrónica cópia do teor integral das Listas de Alunos da Faculdade de Direito relativas aos anos letivos de 1983 a 1986, preferencialmente, ou mandar facultar ao interessado a consulta presencial dessas listas”, fundando a sua pretensão no regime legal que entende ser o seu sustentáculo.
Dado pessoal é agora, como se viu, também a informação que identifica uma pessoa singular direta ou indiretamente, como ocorre, desde logo, com os nomes dos alunos constantes das Listas às quais o Recorrente pretende aceder [cfr. com o Acórdão do TCA Sul, de 04/05/2017, proc. n.º 2937/16.6BELSB].
Assim sendo, posto que o Recorrente pretende obter acesso, através da remessa por via eletrónica ou consulta presencial, à identificação – maxime ao respetivo nome – de alunos que frequentaram o Curso de Direito na FDUC, está em causa o tratamento e acesso de dados pessoais (desde logo, o nome) por terceiro (pelo Recorrente), uma vez que este não é o titular desses dados (cfr. artigo 3.º, alínea f), da LPDP).
Tais Listas consubstanciam documentos nominativos (artigo 3.º, n.º 1, alínea b) da LADA), porquanto integram dados pessoais (artigo 3.º, alínea a), da LPDP), sendo que, para que possa ser reconhecido ao Requerente o direito de acesso a eles, necessário é que se mostre cumprida uma das duas exigências plasmadas nas duas alíneas do artigo 6.º, n.º 5 da LADA, pressupostos do reconhecimento do direito de acesso a documentos nominativos.
Porém, verifica-se que o Requerente, para fundamentar o seu pedido, invoca somente que o faz “nos termos facultados pelo disposto nos artigos 17.º, 83.º e 85.º do CPA, 2º alínea d), 3º nº 2, 18º nº 1, 21º nºs 1 e 4 e 50º, nº 1 do DL nº 135/95, com a redação do DL 73/2014, e 5º, 11º nºs 1 alíneas a) e b) e 4 e 13º nºs 1 e 4 LADA – Lei nº 46/2007” [facto assente em A)]. O Requerente não vem provar, nem sequer alegar, para sustentar o seu pretenso direito de acesso às Listas, nem que se encontra munido de autorização escrita dos titulares dos dados (os alunos que constam das Listas) que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder, nem demonstra, fundamentadamente, ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação (artigo 6.º, n.º 5, alíneas a) e b), da LADA; cfr. com o que se deixou dito supra, quanto ao escopo de tal preceito).
Nestes termos é de negar provimento à presente Intimação, porquanto não se encontram verificados os requisitos dos quais depende o acesso aos dados nominativos requeridos.”
Vejamos:
Refira-se desde já que, no essencial, se acompanha o raciocínio desenvolvido em 1ª instância.
Com efeito, não se vislumbra a verificação de qualquer nulidade ou erro de julgamento que pudesse comprometer a validade da decisão proferida, pois que o requerido sempre poria em causa dados pessoais dos indivíduos a identificar como estudantes de direito, independentemente da invocada impossibilidade material da Universidade em facultar o requerido.
Só não se acompanha o entendimento de 1ª instância ao considerar que o pedido não tem viabilidade, designadamente, em virtude do requerente se não encontrar munido de autorização escrita dos titulares dos dados, pois que, por natureza, tal se mostraria impossível, pela singela razão de desconhecer a sua identidade, o que exatamente terá justificado o próprio pedido.
Quanto aos restantes argumentos adotados pelo Tribunal a quo, nada a obstar.
Efetivamente, o aqui Recorrente, assenta o seu pedido de acesso ao teor integral das Listas de Alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, relativas aos anos de 1982 a 1987, no mero imperativo constitucional constante do art. 268.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
É comummente aceite, e resulta da própria decisão recorrida que o direito de acesso aos arquivos e registos da Administração não é, nem poderá ser, um direito absoluto, importando equacionar e ponderar o mesmo, em função dos demais direitos e valores constitucionais protegidos, com os quais potencialmente poderá colidir.
Aqui chegados, sempre importaria verificar da legitimidade do Recorrente em obter as informações solicitadas, em função dos normativos invocados e evidenciados, bem como da sua justificação, de modo a que se pudesse concluir que a obtenção das informações requeridas não se trataria de mero capricho, insuscetível de proteção jurisdicional.
O que é incontornável é o facto do Requerente aqui Recorrente, em momento algum justificar e fundamentar a razão subjacente a pretender que lhe seja facultada uma lista nominativa integral de todos os alunos que terão frequentado a FDUC durante os anos de 1982 a 1987, que não seja pela mera invocação normativa, sem que se percecionem as razões objetivas de tal pedido.
Como se disse, o Recorrente limita-se a justificar o seu pedido normativamente, invocando, para além do princípio constitucional já enunciado, normativos do CPA, do DL 135/96, com a redação do DL 73/2014; e da Lei 46/2007/LADA, sem que tal, só por si, permita evidenciar a razão subjacente ao requerido.
Como evidenciado na própria decisão recorrida, o requerido mostrar-se-ia insuscetível de ser facultado, desde logo em função da Lei de Proteção de Dados Pessoais, atenta a redação dada pela Lei 103/2015, de 24/08 (Artº 3º), pois que à luz deste diploma, a informação requerida, conteria dados pessoais relativos a um universo amplo de cidadãos, mesmo que se limitasse a uma enunciação nominativa.
Em face do que precede, sempre o requerido, à luz do disposto no art, 6.º da LADA, deveria evidenciar o interesse direto, pessoal e legítimo do Requerente, na obtenção da informação aqui controvertida, para além da demonstração da sua relevância constitucional.
Assim sendo, uma vez que o aqui Recorrente não demonstrou a qualquer título a razão do requerido, ao que acresce a circunstância de não demonstrar igualmente ser titular de qualquer interesse legítimo que justifique o pedido formulado, nunca a decisão judicial poderia ser diversa daquela que foi adotada em 1ª instância e que aqui se ratificará.
Tal como precedentemente se afirmou já, igualmente não procederá a imputada nulidade, ou qualquer outro vício, pois que o tribunal, como lhe compete, se limitou a aplicar o direito aos factos evidenciados, independentemente das razões e fundamentos adotados pela Universidade.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiará.
Porto, 28 de setembro de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira
Fonte: DGSI PT | Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte
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