SEF indefere autorização de residência, em razão de condenação criminal

SEF indefere autorização de residência, em razão de condenação criminal

Um homem teve o pedido de concessão de autorização de residência indeferido pelo SEF, em razão de ter sido condenado por crime punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano.

O caso gira em torno do artigo 77º, “g”, da Lei Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho de Portugal.

O referido artigo rege que:

Artigo 77.º
Condições gerais de concessão de autorização de residência temporária

1 – Sem prejuízo das condições especiais aplicáveis, para a concessão da autorização de residência deve o requerente satisfazer os seguintes requisitos cumulativos:
(…)
“g) Ausência de condenação por crime que em Portugal seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano;”
(…).

Como se vê, a referida Lei impõe requisitos cumulativos para a concessão de autorização de residência. Um dos requisitos é que o requerente não tenha condenação por crime que em Portugal seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano.

No caso em tela, o requerente foi condenado por “tráfico de droga, com pena privativa de liberdade superior a 4 anos. Logo, bem acima do previsto em lei.

Ao receber o indeferimento, o requerente ajuizou ação contra o SEF, para que este fosse “obrigado” a dar continuidade do procedimento de autorização de residência.

Abaixo está a decisão transcrita (em inteiro teor).

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

A………. intentou ação administrativa especial contra o Ministério da Administração Interna, pedindo que seja considerada inválida a notificação do despacho do Chefe do Núcleo Regional de Vistos e Autorizações de Residência, da Direção Regional de Lisboa e Vale do Tejo, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 22.05.2012, que indeferiu o pedido de concessão de autorização de residência, por vício de violação de lei, ou, caso assim não se entenda, a anulação do referido despacho, pelos vícios de forma e violação de lei que o inquinam, bem como a condenação da Entidade Demandada na prática do ato de concessão de autorização de residência, nos termos do artigo 122º, nº 1, alínea j), da Lei nº 23/2007de 4.7, por falta de ligação efetiva da requerida à comunidade nacional, se ordene o arquivamento do processo pendente na Conservatória dos Registos Centrais conducente ao registo da aquisição dessa nacionalidade.

Por sentença do TAC de Lisboa a ação foi julgada procedente e, em consequência, foi: i) anulado o despacho do Chefe do Núcleo Regional de Vistos e Autorizações de Residência da DRLVTA do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 22.5.2012, que indeferiu o pedido de concessão de autorização de residência, com dispensa de visto, formulado pelo autor; e ii) condenada a entidade demandada a prosseguir com a análise do pedido de autorização de residência formulado pelo autor, em conformidade com as vinculações anteriormente enunciadas.

Inconformado, o Ministério da Administração Interna/ SEF interpôs recurso para este TCA-Sul, tendo nas alegações formulado as conclusões seguintes:

«A – A decisão judicial julgou indevidamente inconstitucional a norma aplicada pelo SEF.

B – A Administração, estaria impreterivelmente vinculada à aplicação da norma em causa, por força e ao abrigo do princípio da legalidade, vide o disposto no n.º 2 do artigo 266º e n.º 1 do artigo 3º do CPA, enquanto o Tribunal Constitucional não declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma (cfr. artigos 281º e 282º da CRP).

C – Ainda que se anuísse no juízo de inconstitucionalidade, da norma, que não se anui, o facto é que a administração não estaria, ainda assim, e nessa circunstância, habilitada constitucionalmente, como sucede com os tribunais (cfr. artigo 204º da CRP), a desaplicar, na situação concreta, essa norma – sem considerar os casos excecionais relacionados com Direitos, Liberdades e Garantias, e em que tal desaplicação é comumente aceite e permitida.

D – A aplicação da norma em causa não configura uma situação de violação do princípio da proibição do efeito automático das penas, do n.º 4 do artigo 30º da CRP, em virtude de não ter afetado negativamente qualquer direito civil, profissional ou politico.

E – A aplicação da norma em questão, pela Administração, não teve como efeito necessário/automático a perda “…dos direitos civis de residência e permanência em território nacional.”, do Autor, que inexistem.

F – O direito de residência e permanência dos cidadãos estrangeiros em TN inexiste no ordenamento jurídico português.

G – A Constituição em parte alguma do seu articulado concede ou garante direitos desse tipo aos cidadãos estrangeiros que se encontrem em território nacional, mesmo considerando os princípios constitucionais e direitos fundamentais invocados.

H – O alegado direito constitucional ou legal à legalização e à concessão de autorização de residência aos cidadãos estrangeiros em território nacional inexiste no ordenamento jurídico português.

I – A entrada e permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional é uma prerrogativa ligada à soberania dos Estados, que geralmente dela não abdicam, e que nessa medida se traduz invariavelmente na proibição constitucional de concessão indiscriminada aos cidadãos estrangeiros de qualquer direito de entrada ou permanência nos seus territórios.

J – Como referem J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA “…não só não existe um direito dos estrangeiros a entrarem e fixarem-se em Portugal, como não gozam de um direito absoluto de permanecerem em território nacional, podendo ser extraditados e, verificadas certas condições, expulsos.”.

K – Como se decidiu no Acórdão 442/936 “Não resulta, porém, violado o referido preceito constitucional quando o arguido, de nacionalidade turca e residente na Holanda, condenado ope legis na pena acessória de expulsão, como decorrência da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, não era titular do direito de entrada e permanência em território nacional português, já que a aplicação da norma de direito ordinário – determinante da expulsão automática não envolveu, ponderado o circunstancialismo do caso concreto, a perda ou privação de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos existentes.” (sublinhado nosso).

L – Como igualmente se explicita no Acórdão 288/94, que considerou violado o princípio da proibição do efeito automático das penas, no caso de expulsão de um cidadão estrangeiro autorizado a residir em território nacional, que, “…na hipótese de tais direitos inexistirem, não se poderá dizer que da expulsão resulte a respetiva privação.”.

M – Inexistindo o direito de residência e permanência dos cidadãos estrangeiros em TN, não se pode falar em perda ou privação de qualquer direito.

N – Finalmente, a aplicação da norma em causa faz soçobrar a condenação do SEF no prosseguimento da análise do pedido».

O recorrido, devidamente notificado, não apresentou contra-alegações de recurso.

A Exma. Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida.
Colhidos os vistos vêm os autos à Conferência para decisão.

Fundamentação

De facto.

Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:
A. «O Autor nasceu, em 12.09.1969, na República da Guiné-Bissau e tem nacionalidade guineense. – Cfr. fls. 25 do suporte físico dos autos e fls. 3 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B. Em 11.06.2008, foi emitido, em nome do Autor, o título de residência n.º P000….., com validade até 16.05.2010, que titula a autorização de residência temporária para o exercício de atividade profissional. – Cfr. fls. 13 e 20 do suporte físico dos autos e fls. 2 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C. Em 08.10.2009, o Autor foi condenado, por Acórdão da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, proferido no processo n.º 36/09.6JELSB, em pena de prisão efetiva, de 4 anos 6 meses, pela prática, no dia 26.01.2009, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, decisão que transitou em julgado em 08.02.2010. – Cfr. fls. 5-7 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
D. Em 29.03.2012, por decisão do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, proferida no processo n.º 7077/10.9TXLSB-A, ao Autor foi concedida a liberdade condicional, por prazo de duração igual ao tempo de prisão por cumprir, a contar da sua libertação até 26.07.2013. – Cfr. fls. 7 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
E. O Autor foi preso no Estabelecimento Prisional de Sintra, no dia 26.01.2009, e saiu em liberdade condicional, no dia 30.03.2012. – Cfr. fls. 4 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
F. Consta assinado pelo Autor e pelo representante da M………. Ld.ª, com data de 16.04.2012, o instrumento intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Certo” de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:
“Entre:
M………., Lda (…), doravante designado como Primeiro Contraente;
E
A………. (…), doravante designado como Segundo Contraente e entre os contraentes é celebrado um contrato de trabalho a termo certo que se regerá da seguinte forma:
Cláusula Primeira
Termo Certo e Vigência
1- O presente contrato é celebrado a termo certo pelo período de seis meses com início em 16 de abril de 2012.
2- Não havendo rescisão de ambas as partes este contrato autorrenova-se por igual período de tempo.
(…)
Cláusula Terceira
Objeto do Contrato/funções e Categoria
1- A primeira contraente admite ao seu serviço o segundo contraente para exercer as funções de Pintor de Segunda no âmbito de construção civil.
(…)
Cláusula (…) Quarta
Local de trabalho
O local de prestação de trabalho de segundo contraente, será na sede da primeira contraente, sita em S………., Forno de Algodres e, inerente à especialidade da atividade a desempenhar, em outros locais onde a primeira contraente tenha obras a seu cargo.”
– Cfr. fls. 8-11 do PA;
G. Em 17.04.2012, o Autor residia na rua ………., n.º 87, 1.º Esq.º, na freguesia da Penha de França, em Lisboa, com Au………., de nacionalidade portuguesa, natural da República da Guiné-Bissau. – Cfr. fls. 17-18 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
H. Em 24.04.2012, o Autor formulou, junto à Direção Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, um pedido de autorização de residência temporária, ao abrigo do disposto no artigo 122.º, n.º 1, alínea j), da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho – Admitido por acordo; cfr. fls. 1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
I. Em 24.04.2012, o Autor tomou conhecimento do instrumento intitulado “NOTIFICAÇÃO” de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta o seguinte:
“Projeto de Decisão
Considerando que a(o) cidadã(o) estrangeira(o) A………. (…) não comprova cumprir os requisitos assinalados na notificação infra, não pode por ser concedida Autorização de Residência Temporária, ao abrigo dos arts 77º e 122º nº 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, conjugado com o art 61º do Dec. Regulamentar 84/2007, de 05 de novembro, notifica-se do projeto de indeferimento, nos termos dos arts 100º e 101º do CPA, para no prazo de 10 dias úteis a contar da data da notificação, querendo, se pronunciar sobre o mesmo.
(…)
Nos termos dos arts 100º e 101º do Código do Procedimento Administrativo- CPA, fica a/o cidadã/o supra identificada(o), notificada(o) do projeto de decisão de indeferimento de concessão de autorização de residência temporária ao abrigo do disposto nos arts 77º e n. 1, do art. 122º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, conjugado com o art. 61º do Dec. Regulamentar 84/2007, de 05 de novembro uma vez que não comprova ter:
(…) Ausência de condenação em pena ou penas, que, isolada ou cumulativamente, ultrapassem um ano de prisão; (al. d) nº 1 art. 61º DR 84/2007);”
– Cfr. fls. 19 do PA;
J. Em 10.05.2012, deu entrada na Direção Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o requerimento de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta o seguinte:
“A………., nacional da Guiné, nascido em 12/09/1969, notificado do projeto de decisão de indeferimento, de concessão de autorização de residência temporária (…) vem, respeitosamente, nos termos dos artigos 100.º e 101.º do CPA, pronunciar-se
Nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. O projeto de decisão de indeferimento funda-se no facto do requerente ter sido condenado por sentença transitada em julgado com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano.
2. Salvo o devido respeito e não obstante o requerente ter sido condenado a pena de prisão de 4 anos e seis meses não cumprindo assim um dos requisitos entende o aqui requerente que terá de ser ajustada em conformidade com o caso concreto.
Na verdade,
3. O requerente entrou em território nacional no dia 23 de janeiro de 1998.
4. Desde a sua chegada a Portugal que se encontra a residir com um tio e uma sobrinha.
5. A vinda para Portugal foi a forma que arranjou para conseguir organizar a sua vida, situação que ainda não tinha conseguido em Bissau, apesar da sua idade.
6. A sua vida em território português centrou-se apenas em conseguir trabalhar, ter uma fonte de sustento, e viver condignamente.
7. Em Portugal, residiu desde a sua chegada com o tio e a sobrinha, por questões de afetividade e estabilidade emocional.
8. Desde que saiu da prisão, em liberdade condicional, que voltou a trabalhar, de imediato, para o antigo empregador, aquando a situação de reclusão.
9. O requerente cumpriu pela 1.ª vez pena de prisão e não tinha antecedentes criminais, nem regista outras condenações;
10. O crime pelo qual foi condenado apenas surge como um ato isolado num percurso de vida normativo;
11. Realizou um percurso prisional positivo (conforme decisão de concessão de liberdade condicional que junta como documento n.º 1).
12. O tempo de prisão sofrido produziu no requerente um efeito intimidatório para o manter afastado de novos crimes;
13. O único apoio que tem está em Portugal.
14. Acresce que o requerente não foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional, o que revela que o Tribunal, entendeu que o mesmo não constituía perigo para a sociedade nem para a ordem pública.
15. Ainda que não o refira expressamente, o disposto na referida alínea do artigo 61.º do Decreto Regulamentar 84/2007, tem como efeito prático a obrigatoriedade de abandonar o território nacional, sendo que a pena a que o requerente foi condenado é consequentemente, o motivo para a perda de direitos que até então detinha.
16. No entender do requerente o não preenchimento do requisito de ausência de condenação em pena ou penas que, isoladamente ou, cumulativamente, ultrapassem um ano de prisão, ao ter como consequência necessária a expulsão como efeito automático da condenação viola claramente o disposto no artigo 65.º do Código Penal, maxime o Princípio constitucionalmente consagrado no nº 4 do art. 30 da Constituição da República Portuguesa.
Acresce que,
17. Segundo notícias referentes a Bissau, de 25 de abril de 2012 (conforme documento n,º 2), milhares de habitantes de Bissau fogem da cidade, com medo de conflitos armados, após o golpe de estado do passado dia 12 de Abril.
Devido ao elevado número de deslocados, a fome começa a ser já uma realidade neste país.
18. Regressar à República da Guiné Bissau, neste momento, é devolver o requerente a um país onde os conflitos armados estão iminentes, e a fome e a miséria já estão instaladas desde o golpe de estado ocorrido há menos de um mês.
Pelos motivos atrás expostos, deverá V.Ex.ª a final:
a) proferir despacho de deferimento de concessão de autorização de residência temporária, ao abrigo do disposto nos artigos 77.º e 122.º n.º l da Lei 23/2007, de 4 de julho;
b) Caso não seja esse o entendimento, deverá V.Ex.ª proferir decisão de concessão da autorização de residência nos termos do artigo 123.º alínea b) do Decreto Lei 23/2007, de 4 de julho.”
– Cfr. fls. 21-24 do PA;
K. Com o requerimento identificado na alínea anterior, foi junta cópia da decisão do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, de 29.03.2012, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:
“1. Relatório
O Recluso e a Pena:
A………. (…) atualmente preso no Estabelecimento Prisional de Sintra, a cumprir a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em que foi por Acórdão proferido no P. 36/09.6 JE LSB, da 2ª Vara Criminal de Lisboa. –
A………. encontra-se ininterruptamente preso, para efeitos de cumprimento desta pena, desde o dia 26.01.2009. –
(…)
2. Motivação de facto e de direito
Pressupostos de facto que consideramos assentes, com vista à decisão sobre a liberdade condicional, com base na análise crítica e conjugada do C.R.C.. Fichas Biográficas da P.J. e da DGSP, relatórios e pareceres juntos aos autos, informações prestadas pelo Conselho Técnico e nas declarações do Recluso:
Antecedentes criminais: Não tem antecedentes criminais conhecidos.
Processos pendentes: Não tem processos pendentes conhecidos.
Comportamento prisional: Adequado.
Atividade laboral no E.P.: Trabalha atualmente na brigada agrícola do E.P.-
Medidas de flexibilização da pena; Está colocado em Regime Aberto no Interior (R.A.I.), desde 8.07.2011 e beneficiou de 3 saídas jurisdicionais e 3 saídas administrativas.
Apoio no exterior: Tem o apoio de um tio por quem foi criado e de uma sobrinha. —
Projetos de vida: Refere que em liberdade irá viver com a sobrinha e tenciona trabalhar como pintor da construção civil junto de antigos empregadores.
Relativamente ao desvalor da sua conduta, ao crime e à pena: Assume a prática do crime e a sua responsabilidade pessoal pelo cometimento do mesmo. Revela arrependimento e interiorização do sentido da pena.
(…)
Por outro lado, é requisito (substancial) indispensável que:
Seja “…fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes “.–
Subsumindo os elementos constantes dos autos ao direito, e, em especial, considerando a auscultação e votação dos elementos do Conselho Técnico e a perceção resultante da audição do Recluso, temos que:
– O Recluso aceitou ser libertado condicionalmente;
– Mostram-se cumpridos os 2/3 da pena que tinha a cumprir (e mais de 6 meses de prisão efetiva).–
Pelo que estão verificados os pressupostos formais de concessão da liberdade condicional.-
Acresce que:
– Trata-se de um Recluso que cumpre pela 1ª vez pena de prisão e não tem antecedentes criminais, nem regista outras condenações:
– Tanto quanto se sabe, o crime pelo qual cumpre pena surge como um ato isolado num percurso de vida normativo:
– Realizou um percurso prisional positivo: aproveitou de forma útil o tempo de reclusão, trabalhou, foi colocado em Regime Aberto e beneficiou de diversas saídas ao exterior, sempre sem registo de incidentes:
– Dispõe de algum apoio no exterior, tem hábitos de trabalho e perspetivas de trabalho e está motivado em assumir uma vida responsável:
– O tempo de prisão sofrido e o tempo ainda a cumprir, parecem ter efeito intimidatório suficiente para manter o Recluso afastado da prática de novos crimes. —
O acima exposto, faz-nos concluir que é “fundadamente de esperar” que uma vez em liberdade A………. conduza agora a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.–
(…)
3. Decisão
Pelo exposto, nos termos do art.º 61, nºs 1, 2 e 3 do Código Penal, CONCEDO A LIBERDADE CONDICIONAL ao Recluso A………., pelo prazo de duração igual ao tempo de prisão que lhe falta cumprir, isto é até 26.07.2013. a contar da data da sua libertação, mediante o cumprimento das seguintes regras de conduta, sob pena de eventual revogação da liberdade condicional:
Obrigações;
1ª – Fixar residência na Rua ………., n.º 87, 1º Esq., Lisboa;
2ª – Não se ausentar da referida residência por período superior a dez dias, sem prévia autorização do Tribunal de Execução de Penas;
3ª – Aceitar a tutela da Reinserção Social e apresentar-se, nos 10 dias seguintes à sua libertação, na Equipa de Reinserção Social Lisboa Penal …, sita na Avenida ………., n.º 101, ….-…, Lisboa;
4ª – Apresentar-se junto da Equipa de Reinserção Social posteriormente, nos termos que ali lhe forem fixados, comparecendo sempre às entrevistas marcadas;
5ª – Manter boa conduta moral e cívica e exercer atividade laboral de forma regular;
6ª – Não cometer crimes, não frequentar zonas, locais ou estabelecimentos nem acompanhar com indivíduos relacionados com atividades criminosas, nomeadamente ligados ao consumo/tráfico de estupefacientes.–”
– Cfr. fls. 25-33 do PA;
L. A 21.05.2012, foi emitida a “INFORMAÇÃO DE SERVIÇO n.º …/2012/NRVAR, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:
“ASSUNTO: Concessão de Autorização de Residência – Artº 122º nº 1 al. j) Lei 23/07,04/07
A………. – Guiné-Bissau – DN -12-09-1969 NIPC …..
(…)
Para os efeitos tidos por convenientes, cumpre-me informar o seguinte:

I – DOS FACTOS:

1. Aos 24-04-2012 o cidadão supra identificado efetuou neste Serviço um pedido de Concessão de Autorização de Residência Temporária (AR) nos termos do Artº 122º nº 1 al. j) da Lei 23/2007, de 04/07, juntando para o efeito a seguinte documentação:
1.1. Requerimento;
1.2. Fotocópia do respetivo passaporte AAIN00….., válido até 01-12-2013
1.3. Declaração do Estabelecimento Prisional de Sintra, sobre o período de tempo detido;
1.4. Certificado de Registo Criminal, onde consta uma pena efetiva de 4 anos e 6 meses, por um crime de tráfico de estupefacientes;
1.5. Cópia do contrato de trabalho com a empresa M………., Lda.;
1.6. Extrato de remunerações da S. Social;
1.7. Documentos comprovativos de morada;
II – DA INSTRUÇÃO
1- Aquando do pedido, o requerente foi de imediato notificado nos termos do Artº 100º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, do Projeto de Indeferimento, em virtude de ter sido condenado à pena de Prisão efetiva de 4 anos e 6 meses pela prática de 1 crime de Tráfico de Estupefacientes;
2- Aos 10-05-2012 o requerente veio entregar alegações, onde, sucintamente refere:
2.1 “O requerente entrou em território nacional no dia 23 de janeiro de 1998.”
2.2 “(…) voltou a trabalhar de imediato, para o antigo empregador (…)”
2.3 “(…) cumpriu pela 1.ª vez pena de prisão e não tinha antecedentes criminais, nem regista outras condenações.”
2.3 “Realizou um percurso prisional positivo (…).”
2.4 “Não foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional (…)”
2.5 “Regressar à República da Guiné-Bissau, neste momento, é devolver o requerente a um país onde os conflitos armados estão iminentes, e a fome e a miséria já estão instaladas (…)”
2. Com efeito, o disposto no Artº 122º nº 1 da Lei supramencionada, apenas isenta o requerente da posse de Visto de Residência válido, previsto no Artº 77º nº 1 alínea a), devendo, no entanto, encontrar-se preenchidos, nomeadamente o disposto nas alíneas g), o que não é o caso atenta a existência da condenação referida no ponto 1;
3. Em sede de instrução, verificou-se que o requerente não se enquadra em nenhuma das alíneas previstas no Artº 135º da Lei 23/2007, de 04/07, pelo que não é considerado como inexpulsável;
III – CONCLUSÃO e PROPOSTA:
4. Nestes termos, verificando-se que não preenche o disposto no Artº 77º nº 1 al. g) da Lei 23/2007, de 04/07, em virtude de ter sido condenado a uma pena de prisão de 4 anos e 6 meses pelo crime de tráfico de estupefacientes, não poderá beneficiar da concessão de Autorização de Residência pelo que se propõe o INDEFERIMENTO do pedido de Concessão de Autorização de Residência formulado pelo requerente ao abrigo do Artº 122º nº 1 alínea j) da lei atrás mencionada, notificando-se o requerente da presente decisão nos termos e para os efeitos do Artº 66° do CPA, bem como sejam efetuadas as necessárias comunicações ao ACIDI, COCAI e NRAF,
5. Considerando, no entanto, o percurso de reintegração do requerente, nomeadamente o facto de ter apoio familiar e ter regressado ao posto de trabalho que tinha anteriormente à condenação e atendendo à situação sociopolítica do país de origem, mais se promove o envio do presente processo ao Departamento de Operações para eventual análise no âmbito do Artº 123º da Lei 23/2007.”
– Cfr. fls. 11-12 do suporte físico dos autos e fls. 36-37 do PA;
M. A 22.05.2012, o Chefe do Núcleo Regional de Vistos e Autorizações de Residência da Direção Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, exarou, sobre a informação identificada na alínea anterior o seguinte despacho: “Concordo. Proceda-se em conformidade com o que vem proposto e ao abrigo das disposições legais invocadas”. – Cfr. fls. 11 do suporte físico dos autos e fls. 36 do PA;
N. Em 29.05.2012, o Autor recebeu, juntamente com cópia da informação e do despacho referidos em L) e M), o ofício da Direção Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, datado de 23.05.2012, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:
“Cumpre-me notificar V. Ex.ª, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 66º, do Código do Procedimento Administrativo que, por despacho do Exmo. Sr. Chefe do NRVAR da Direção Regional de Lisboa e Vale do Tejo, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, exarado aos 22-05-2012, foi INDEFERIDO o pedido de concessão de Autorização de Residência, ao abrigo da al. j) do nº. 1 do art. 122º da Lei nº 23/07, de 04/07, com base nos factos e fundamentos de direito, constantes na Informação de Serviço, que se anexa. Mais se notifica que da presente decisão cabe recurso contencioso nos termos gerais.
Notifica-se, ainda, que o referido pedido será remetido para o Departamento de Operações, para eventual apreciação nos termos do artº. 123º da Lei nº. 23/07, 04/07.”
– Admitido por acordo; cfr. fls. 10 do suporte físico dos autos e fls. 39 do PA.
**
Não existem factos não provados, com interesse para a decisão da causa».

O Direito

Objeto do recurso

A questão a decidir neste processo, tal como vem delimitada pelas alegações do recurso e respetivas conclusões, consiste em conhecer do erro de julgamento de direito da sentença recorrida, quando nela se decidiu recusar a aplicação da norma do art 77º, nº 1, al g) da Lei nº 23/2007, de 4.7 (regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação da garantia da proibição dos efeitos automáticos das sanções criminais, consagrada no art 30º, nº 4 da CRP, e do princípio da proporcionalidade, na dimensão da necessidade, consagrado no art 18º, nº 2 da CRP.

A sentença recorrida julgou procedente a ação, anulou o despacho de 22.5.2012, que indeferiu o pedido de concessão de autorização de residência com dispensa de visto, e condenou o Ministério da Administração Interna a prosseguir com a análise do pedido de autorização de residência formulado pelo autor (aqui recorrido), sem aplicar a norma do art 77º, nº 1, al a) da Lei nº 23/2007, de 4.7, cuja constitucionalidade deu causa à presente anulação.
Fê-lo com os fundamentos seguintes:
«em face da proibição constitucional consagrada no artigo 30.º, n.º 4, da CRP, não pode ser vedada, pelo legislador, a possibilidade de valoração administrativa das circunstâncias concretas associadas à condenação, como o tempo decorrido entre a prática do crime e a condenação, a efetiva execução da pena aplicada, a reabilitação do agente, a reincidência ou perseverança na prática criminosa ou a extinção da pena.
Porém, no caso concreto, atento o carácter cumulativo dos requisitos elencados no artigo 77.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, verifica-se que a ausência de condenação por crime punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano constitui condição necessária da concessão da autorização de residência requerida, traduzindo um pressuposto estritamente vinculado, na medida em que não confere à Administração qualquer margem para valoração das circunstâncias concretas associadas à condenação do Autor.
Ao não permitir essa valoração, a norma do artigo 77.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, mostra-se incompatível com a garantia constitucional da não automaticidade dos efeitos das penas, sendo certo que o seu elemento literal aponta claramente para a moldura penal abstrata, fixada para o tipo de crime.
Além disso, no que respeita ao elemento racional ou teleológico, ainda que se considere que esta norma encontra a sua razão de ser no interesse público da segurança e paz social, a prossecução de tal interesse não pode prescindir da análise casuística das circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, a ponderação a realizar quanto à pena concretamente aplicada e à realização das exigências de prevenção geral e especial – que a norma em causa não permite – sendo que as razões de segurança e paz social sempre se mostram salvaguardadas pela norma do artigo 77.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
Ao impedir, mesmo nos casos em que inexistem motivos de paz e segurança pública, a concessão do direito de residência a estrangeiros que não se tenham ausentado do território nacional e cujo direito de residência tenha caducado, a norma da alínea g), do n.º 1, do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho mostra-se, de igual modo, incompatível com os limites constitucionais que decorrem do princípio da proporcionalidade, na dimensão de necessidade.
Em suma, a letra e o espírito do preceito indicam o sentido com que o artigo 77.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, foi aplicado pela Entidade Demandada. Contudo, esta norma, ao implicar – nos casos de condenação por crime punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano – a recusa automática da autorização de residência a cidadãos estrangeiros, não se mostra em conformidade com a garantia da proibição dos efeitos automáticos das sanções criminais, consagrada no artigo 30.º, n.º 4, da CRP, nem com o princípio da proporcionalidade, na dimensão da necessidade, contido no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
Nesta conformidade – e atento o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 204.º, 277.º, n.º 1, da CRP e 1.º, n.º 2, do ETAF –, no caso vertente, é de recusar a aplicação da norma do artigo 77.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação da garantia da proibição dos efeitos automáticos das sanções criminais, consagrada no artigo 30.º, n.º 4, da CRP, e do princípio da proporcionalidade, na dimensão da necessidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
Ora, no caso em litígio, tendo constituído fundamento único do indeferimento do pedido de autorização de residência a verificação do pressuposto negativo previsto no artigo 77.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, o despacho do Chefe do Núcleo Regional de Vistos e Autorizações de Residência da DRLVTA, de 22.05.2012, não se pode manter, em virtude da inconstitucionalidade da norma com base na qual foi praticado, pelo que o mesmo deve ser anulado, nos termos do disposto no artigo 135.º, n.º 1, do CPA» (negrito nosso).

É desta sentença que se recorre nos presentes autos, por a «decisão judicial [ter] julg[ado] indevidamente inconstitucional a norma aplicada pelo SEF. (…). Ainda que se anuísse no juízo de inconstitucionalidade da norma … o facto é que a Administração não estaria, ainda assim, e nessa circunstância, habilitada constitucionalmente … a desaplicar, na situação concreta, essa norma, sem considerar os casos excecionais relacionados com Direitos, Liberdades e Garantias (…). A aplicação da norma em causa não configura uma situação de violação do princípio da proibição do efeito automático das penas, do nº 4 do art 30º da CRP, em virtude de não ter afetado negativamente qualquer direito civil, profissional ou politico. (…) O direito de residência e permanência dos cidadãos estrangeiros em território nacional inexiste no ordenamento jurídico português. (…). Inexistindo o direito de residência e permanência dos cidadãos estrangeiros em território nacional, não se pode falar em perda ou privação de qualquer direito».
O presente recurso foi interposto para este Tribunal Central Administrativo Sul pelo Ministério da Administração Interna – SEF.
O Ministério Público não recorreu para o Tribunal Constitucional da decisão judicial aqui recorrida, que recusou a aplicação da norma – art 77º, nº 1, al g) da Lei nº 23/2007, de 4.7 – com fundamento na sua inconstitucionalidade (cfr art 280º, nº1, al a) da CRP e art 70º, nº 1, al a) da Lei do Tribunal Constitucional), apesar do recurso ser obrigatório nos termos do art 280º, nº 3 da CRP e do art 72º, nº 3 da LTC.
Cumpre assim conhecer do presente recurso interposto pelo vencido na sentença de 1ª instância.
Analisemos.
O art 77º da Lei nº 23/2007, de 4 de julho (regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional) prevê as condições
gerais [de verificação cumulativa] de concessão de autorização de residência temporária a cidadão estrangeiro em território nacional.
A concessão da autorização de residência constitui um segundo momento de verificação das condições do cidadão estrangeiro, com vista a determinar se existe algum impedimento à sua fixação em território nacional, circunstância que a existir determina a recusa do pedido.
A ausência de condenação por crime que em Portugal seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano é um dos requisitos cumulativos do art 77º da Lei nº 23/2007, de 4/7, previsto no nº 1, al g). A falta deste requisito material inviabiliza a concessão da autorização, não tendo a Administração de se pronunciar sobre o preenchimento dos restantes requisitos do art 77º.
A factualidade levada ao probatório consigna que o recorrido tem nacionalidade guineense; em 11.6.2008 foi titular da autorização de residência, válida até 16.5.2010, para o exercício de atividade profissional; em 8.10.2009 foi condenado em pena de prisão efetiva de 4 anos e 6 meses pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes; saiu em liberdade condicional no dia 3.3.2012 até 26.7.2013; requereu ao SEF autorização de residência temporária em 24.4.2012; na sequência de tal pedido foi proferido o despacho, de 22.5.2012, de indeferimento.
Com base nos factos provados, concluímos facilmente que o recorrido foi condenado e cumpriu pena de prisão efetiva, de 4 anos e seis meses, por prática de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo art 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22.1, e à data em que foi proferido o despacho impugnado encontrava-se em liberdade condicional.
Assim, não há dúvida de que não está preenchido, por simples subsunção, o requisito do art 77º, nº 1, al g) da Lei nº 23/2007.
O crime de tráfico de estupefacientes, por que o recorrido foi condenado a 4 anos e seis meses de prisão, é um atentado à ordem pública, entendida esta como o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas (cfr Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pág. 551).
Além disso, o tráfico de droga, pelo seu impacte social intenso e nefastas e notórias consequências individuais, familiares e gerais, e pela moldura penal respetiva – cfr artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93, com penas de prisão entre 4 a 12 anos – é um crime grave.
Os factos apurados – condenação por crime de tráfico de droga em pena de prisão efetiva de 4 anos e seis meses – nos termos do art 77º, nº 1 da Lei nº 23/2007, não deixam margem de liberdade decisória à Administração Pública, nem, salvo inconstitucionalidade, ao tribunal.
Ou dito de outro modo, tendo o recorrido sido condenado por um crime de tráfico em pena de 4 anos e 6 meses de prisão, mostra-se ultrapassando muito largamente o limite punível de duração superior a um ano.
E entendemos que a aplicação das normas efetuadas pela Administração no ato administrativo impugnado – despacho de 22.5.2012 – foi efetuada de acordo com a previsão legal do art 77º, nº 1, al g) da Lei nº 23/2007, de 4.7, e o disposto na Constituição da República Portuguesa.
A equiparação dos estrangeiros aos cidadãos portugueses, o que se chama também de «tratamento nacional» dos estrangeiros, consiste num tratamento pelo menos tão favorável como o concedido ao cidadão do país, designadamente no que respeita a um certo número de direitos fundamentais (cfr Gomes Canotilho e Vital Moreira, em CRP anotada, 4ª edição, pág. 357).
Mas, o princípio geral de equiparação entre os direitos e deveres dos estrangeiros que se encontrem ou residam em território português e os cidadãos portugueses, tratado no art 15º, nº 1 da CRP, pressupõe que os estrangeiros estejam em situação regular, ou seja, em conformidade com a lei portuguesa, em situação legal (cfr Jorge Miranda e Rui Medeiros, em CRP anotada, 2ª edição, tomo 1, pág. 266 e 267).
Com efeito, não existe um direito dos estrangeiros a entrarem e fixarem-se em Portugal, como não gozam de um direito absoluto de permanecerem em território nacional (cfr Gomes Canotilho e Vital Moreira, em CRP anotada, 4ª edição, pág. 531).
Os direitos dos estrangeiros (ilegais) são apenas o direito de asilo e o direito de não serem arbitrariamente extraditados ou expulsos, em que é tido em conta o princípio da dignidade humana, que lhes garante o acesso a um conjunto de direitos fundamentais indissociáveis da própria ideia de homem, onde quer que este se encontre e independentemente das circunstâncias concretas em que vive.
No mais, um estrangeiro para pretender um «tratamento nacional», a equiparação ao cidadão português carece de estar em situação legal.
Como vimos, o recorrido quando requereu a autorização de residência estava em situação irregular em Portugal e encontrava-se em liberdade condicional depois de ter cumprido pena efetiva de prisão por prática de crime de tráfico de estupefacientes, punível com pena de 4 a 12 anos de prisão.
Do regime legal resulta que, na definição das condições gerais de concessão de autorização de residência temporária, o legislador (da Lei nº 23/2007) atribuiu relevância, como pressuposto de facto, à ausência de condenação criminal. Em certa medida, o legislador procura obstar a que aqueles que, por via da condenação por crimes que em Portugal sejam puníveis com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano, ofenderam os bens jurídicos a que a comunidade nacional entendeu conferir uma tutela jurídico-penal traduzida numa moldura penal de prisão superior a 1 ano, possam viver e permanecer no país cujos bens tutelados não respeitaram.
Ora, este pressuposto (negativo) de atribuição de título de residência, mesmo sendo um efeito ex lege do art 77º, nº 1, al g) da Lei nº 23/2007, de 4.7, não se mostra proibido pelo princípio contido no artigo 30º, nº 4, da Constituição, nem mesmo o princípio do art 30º, nº 4 da CRP se mostra elencado nos direitos mencionados no art 19º, nº 6 da CRP.
Como bem notam o recorrente e a Exma. Procuradora Geral Adjunta, o recorrido não estava em Portugal, em 22.5.2012, a coberto de título para permanecer ou residir em território nacional de acordo com a lei portuguesa, estava sim em situação irregular e em liberdade condicional por ter sido condenado em prisão efetiva, de 4 anos e 6 meses, por crime de tráfico de droga.
Assim, à data do indeferimento do pedido de autorização de residência, em 22.5.2012, o ora recorrido ainda não tinha sequer cumprido a pena por que foi condenado, o cumprimento da pena só terminava em 26.7.2013. Após o termo do período de liberdade condicional, ou seja, depois de 26.7.2013, o Tribunal de Execução de Penas teria de aferir do cumprimento pelo recorrido das obrigações que lhe foram impostas para lhe ser concedida a liberdade condicional. E, só depois, cumpridas tais obrigações, seria declarada a extinção da pena de prisão. Começando aí a contagem do prazo de 5 anos necessário para o cancelamento definitivo da inscrição da condenação penal no registo criminal, como prevê o art 11º, nº 1, al a) da Lei nº 37/2015.
Pelo assim exposto, não se mostra aplicável à situação concreta do ora recorrido o entendimento vertido nos acórdãos do Tribunal Constitucional, nº 106/2016, de 24.2.2016, processo nº 757/13 (com um voto de vencido) e nº 331/2016, de 19.5.2016, processo nº 1155/2014 (com um voto de vencido). Em ambos os arestos estava em causa a aquisição de nacionalidade portuguesa por cidadãos estrangeiros e a dúvida levada ao Tribunal Constitucional foi saber se existe um efeito automático vinculativo derivado de uma condenação anterior do cidadão estrangeiro.
No acórdão nº 106/2016, o Tribunal Constitucional não declarou a inconstitucionalidade da norma constante do art 9º, al b) da Lei da Nacionalidade, afirmando unicamente a necessidade de atender a uma interpretação do art 9º, al b) no sentido de que se «deve ter em conta a ponderação do legislador efetuada em sede de cessação da vigência da condenação penal inscrita no registo criminal e seu cancelamento e correspondente reabilitação legal».
No acórdão nº 331/2016, o Tribunal Constitucional julga inconstitucional a norma que se extrai da alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, e da alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, segundo a qual constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, quando foi aplicado o mecanismo da dispensa de pena.

O que, tudo visto e ponderado, significa que a decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência do ora recorrido, atenta a condenação do mesmo pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p e p pelo art 21º, 1 do DL nº 15/93, com pena de prisão entre 4 a 12 anos, dá cumprimento ao disposto no art 77º, nº 1, al g) da Lei nº 23/2007, de 4.7, norma esta que, no caso dos autos, não enferma de inconstitucionalidade.

Em conclusão, há que revogar a decisão recorrida.

Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e, conhecendo em substituição, julgar a ação improcedente, absolvendo a entidade demandada, ora recorrente, do pedido.

Custas pelo recorrido, sem prejuízo da decisão sobre o pedido de apoio judiciário.

Registe, notifique e publique-se (artigo 30º, nº 2 do CPTA na redação dada pela Lei nº 118/2019, de 17.9).

*
Lisboa, 2019-10-10,

(Alda Nunes)
(Carlos Araújo)
(Ana Celeste Carvalho).