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  • Atiradores Desportivos, arma municiada e Portaria 28 COLOG

    Atiradores Desportivos, arma municiada e Portaria 28 COLOG

    I – INTRODUÇÃO

    Foi cassada a liminar que suspendia a Portaria nº. 28/2017 – COLOG, impedindo os atiradores desportivos de transportar suas armas municiadas em determinados trajetos.

    Com a cassação da liminar, os atiradores desportivos estão autorizados, novamente, a transportar “uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento“.

    Este trabalho tem por objetivo esclarecer as principais vertentes relacionadas ao transporte de armas municiadas, pelos atiradores desportivos. Para tanto, serão analisadas a Lei nº. 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), o Decreto nº. 5.123/2004 (que que regulamenta o Estatuto) e a Portaria do Exército nº. 28/2017 – COLOG. Além disso, serão abordadas as decisões judiciais.

    II – LIMINAR

    Em uma resumida linha do tempo, o Exército Brasileiro editou a portaria 28/2017, autorizando os atiradores desportivos a transportarem suas armas municiadas. Em razão disso, um advogado do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou uma ação popular, pretendo a nulidade da portaria, inclusive, com um pedido liminar, para imediata suspensão desta. A Justiça Federal daquele Estado (RS) acatou o pedido do advogado, deferindo a liminar e suspendendo a mencionada norma (Portaria 28/2017 – COLOG).

    A União, representando as Forças Armadas, recorreu ao Tribunal Regional Federal do Estado (TRF4), requerendo a cassação da liminar. O TRF4, por sua vez, acatou o pedido da União, cassando a liminar, tornando a Portaria 28/2017 – COLOG vigente, novamente.

    Até o presente momento, dia 18/12/2017, os atiradores desportivos têm o direito de transportar as armas de fogo municiadas, de acordo com a portaria do exército.

    Conveniente transcrever o artigo 135-A, da Portaria do Exército nº. 28/2017 – COLOG:

    “Art. 135-A. Fica autorizado o transporte de uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento.”

    III – ESTATUTO DO DESARMAMENTO EM RELAÇÃO AOS ATIRADORES DESPORTIVOS

    Durante a gestão petista (Presidente Lula), o Congresso Nacional (deputados federais e senadores) criou a Lei nº. 10.826/2003, chamada de Estatuto de Desarmamento, que, teve por objetivo proibir a posse e o porte de arma de fogo.

    Os atiradores desportivos receberam do Estatuto do Desarmamento o chamado “porte de trânsito”. Para melhor esclarecer, transcrevem-se os artigos abaixo:

    Art. 6º. É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:
    IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental.

    Art. 9º Compete ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma para os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou sediados no Brasil e, ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores e de representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional.

    Do artigo 6º, extrai-se que, os “integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo” receberam a exceção de “portar armas de fogo“.

    Como se vê, não há nenhuma dúvida quanto à exceção, concedida aos caçadores, atiradores e colecionadores, no tocante ao porte de arma. Além disso, também não há nenhuma dúvida de que o Comando do Exército recebeu a competência para “autorizar” e “fiscalizar” os CAC e suas armas. Conveniente transcrever o artigo abaixo:

    Art. 24. Excetuadas as atribuições a que se refere o art. 2º desta Lei, compete ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção, exportação, importação, desembaraço alfandegário e o comércio de armas de fogo e demais produtos controlados, inclusive o registro e o porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores (CACs).

    Note-se que, ainda, que o artigo 6º concedeu exceção a diversos grupos, não fazendo distinção, por exemplo, entre policiais e CACs. A única ressalva, do mencionado artigo (inciso IX), refere-se à necessidade de decreto, conforme a expressão “na forma do regulamento desta Lei”, cujo tema – decreto – será tratado logo adiante.

    O Estatuto possui três pontos evidentes na lei, não cabendo qualquer divergência: a) CACs no rol de exceção ao porte de armas (art. 6º, IX); b) necessidade de decreto regulamentador para tratar do porte de arma dos CACs (art. 6º, IX) e; c) competência do Comando do Exército a autorização, fiscalização e controle das atividades dos CACs (arts. 9º e 24).

    Dos 37 artigos do Estatuto do Desarmamento, os que se referem ao interesse dos atiradores desportivo foram acima tratados. O próximo passo é examinar o decreto que regulamentou o referido estatuto.

    IV – DECRETO QUE REGULAMENTOU O ESTATUTO DO DESARMAMENTO EM RELAÇÃO AOS ATIRADORES DESPORTIVOS

    O Decreto nº. 5.123/2004 regulamenta a Lei no 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) e, portanto, não há como abordar os interesses dos atiradores desportivos, sem examiná-lo.

    Do referido decreto, há, apenas, dois artigos que interessam ao presente texto, quais sejam artigo 30 e 32. Portanto, transcrevem-se baixo:

    Da Prática de Tiro Desportivo

    Art. 30. As agremiações esportivas e as empresas de instrução de tiro, os colecionadores, atiradores e caçadores serão registrados no Comando do Exército, ao qual caberá estabelecer normas e verificar o cumprimento das condições de segurança dos depósitos das armas de fogo, munições e equipamentos de recarga.
    § 1º As armas pertencentes às entidades mencionadas no caput e seus integrantes terão autorização para porte de trânsito (guia de tráfego) a ser expedida pelo Comando do Exército.
    (…)

    Dos Colecionadores e Caçadores

    Art. 32. O Porte de Trânsito das armas de fogo de colecionadores e caçadores será expedido pelo Comando do Exército.
    Parágrafo único. Os colecionadores e caçadores transportarão suas armas desmuniciadas.

    O artigo 30, § 1º, rege, apenas, acerca da competência do Comando do Exército, para expedir porte de trânsito (guia de tráfego) aos CACs. Até aqui, não há qualquer divergência, pois, é inquestionável a competência do Comando do Exército em expedir o porte de trânsito (guia de tráfego) aos CACs.

    A primeira tese a ser debatida encontra-se, justamente, no parágrafo único, do artigo 32, do Decreto em questão (Decreto nº. 5.123/2004).

    Isso porque, o mencionado parágrafo Decreto proibiu (vedou) expressamente os colecionadores e caçadores de transportarem suas armas municiadas. Contudo, não o fez em relação aos atiradores desportivos.

    Registre-se que, a lei não contém palavras inúteis. Trata-se de princípio basilar de hermenêutica jurídica. Assim, as palavras devem ser compreendidas como tendo alguma eficácia.

    Assim, se o Decreto fez questão de inserir o parágrafo único, do artigo 32, proibindo o trânsito de armas municiadas aos colecionadores e caçadores e deixando de fora os atiradores desportivos, conclui-se que, a norma pretendeu autorizar o transporte da arma municiada a estes últimos. Do contrário, a lei teria mencionado os atiradores desportivos no artigo.

    Para enfatizar o raciocínio, caberia a pergunta retórica: Por qual razão o decreto proibiu o transporte da arma municiada aos colecionadores e caçadores e excluiu os atiradores desportivos?

    Trata-se de uma interpretação finalística ou teleológica, que consiste na indagação da vontade do legislador. Busca-se a mens legis, que é o espírito da lei.

    Nesse caso, poderia se crer que, o legislador não proibiu o que o atirador desportivo de transportar sua arma de fogo municiada, tendo em vista que a locomoção de sua residência ou local de trabalho até o clube de tiros oferece riscos ao atirador, bem como a sociedade, haja vista que a arma poderia cair na mão de criminosos.

    Como se vê, na ausência de norma expressa, cabe a interpretação judicial, o que cria uma grande insegurança jurídica, pois não se pode saber ou prever como cada julgador irá se posicionar acerca de um determinado caso concreto.

    Há duas soluções para resolver o presente impasse. A uma, a alteração do Estatuto ou do Decreto, autorizando, expressamente, que “os atiradores desportivos poderão transportar suas armas municiadas“, como fez a Portaria 28 do COLOG ou, que haja uma consolidação de entendimento do Judiciário, por meio de súmula, de abrangência nacional.

    Enfatize-se que, somente o Poder Legislativo pode criar, extinguir ou alterar o Estatuto do Desarmamento. O decreto, por sua vez, também pode ser alterado, mas sempre estará subordinado a lei que ele pretende regular.

    Consigne-se que, mesmo se o Decreto nº. 5.123/2004 autorizasse, expressamente, o direito dos atiradores em transportar suas armas municiadas, poderia haver tese no sentido de que a Lei (Estatuto do Desarmamento) não concedeu tal direito, sendo, portanto, ilegal a concessão.

    V – LIMINAR QUE SUSPENDEU A PORTARIA 28 DO COLOG (CASSADA)

    Foi dito anteriormente que, a ausência de norma expressa gera a necessidade da interpretação do julgador, o que cria uma enorme insegurança jurídica. Pois bem, a liminar, deferida pela juíza do Rio Grande do Sul, que suspendeu a portaria 28 do Colog, pautou-se, justamente, “na ausência de norma”, como se vê abaixo:

    (…) “diante da inexistência de previsão normativa de que os atiradores possam transportar suas armas municiadas, tem-se que o Comando do Exército acabou por afrontar o princípio da legalidade ao editar o art. 135-A da Portaria nº. 28/2017 – COLOG. Há que se considerar que o Estatuto do Desarmamento proibiu, de forma geral, o porte de arma de fogo, excepcionando o caso dos atiradores desportivos, de acordo com o regulamento. Nesse passo, uma vez que, do decreto regulamentar, a que se refere expressamente a lei, não é possível extrair autorização para o transporte de arma municiada pelo referido grupo, já que tal norma nada dispôs nesse sentido, consoante artigos alhures colacionado, há de prevalecer a regra geral, que veda o porte de arma.

    Vale dizer, a despeito da competência conferida ao Exército, pela lei e pelo decreto regulamentar, para a concessão do porte de trânsito de arma de fogo, não há fundamento a admitir a referida inovação no ordenamento jurídico” (…).

    Da análise da decisão supra, tem-se que, a juíza sentenciante considerou que não havia norma (lei ou decreto regulamentador) a autorizar o transporte de arma municiada pelo atirador desportivo. Dessa forma, a julgadora entendeu que embora o Comando do Exército tenha competência para conceder o porte de trânsito de arma de fogo, o fato de acrescentar o termo “municiada” em sua portaria, configura inovação, o que é vedado, por meio deste tipo de norma (portaria).

    VI – DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (TRF4) QUE CASSOU A LIMINAR

    A decisão que cassou a liminar não tratou do assunto acerca do direito do atirador desportivo transportar sua arma municiada. O tribunal (TRF4), limitou-se a questão processual. Isso porque, a decisão baseou-se no entendimento de “inadequação da via eleita”. Em simples palavras, a liminar foi deferida em uma “ação popular” (que foi a “via eleita”). Contudo, o tribunal entendeu ser ela “inadequada”. Assim, não houve qualquer abordagem do direito, em si, dos atiradores desportivos, nesta instância.

    O recurso que cassou a liminar (agravo de instrumento) ainda aguarda decisão definitiva, tendo em vista que a cassação é uma decisão antecipada. Espera-se, pelos argumentos (fundamentação) utilizados pelo tribunal, que o recurso da União será “provido”, ao final.

    Esclareça-se que a liminar é uma forma de decisão antecipada e a sentença é a decisão final do juiz de primeira instância. Logo, a ação popular ainda aguarda sua sentença em primeira instância.

    VII – SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DE SÃO PAULO

    A Secretaria de Segurança Pública, por meio do secretário, Mágino Alves Barbosa Filho, editou a Resolução SSP-83, de 19-6-2017, determinando às Polícias Civil e Militar, o que segue:

    Resolução SSP-83, de 19-6-2017

    Determina a observância do disposto na Portaria 28-COLOG, de 14-03-2017, do Comandante Logístico do Exército Brasileiro, pelas Polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo.

    O Secretário da Segurança Pública, resolve: Artigo 1º – As Polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo deverão observar o contido na Portaria 28-COLOG, de 14-03- 2017, do Comandante Logístico do Exército Brasileiro, que deu nova redação a dispositivos da Portaria 51-COLOG, de 8 de setembro de 2015, em especial ao dispositivo no art. 135-A, que autoriza “o transporte de uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento”. Artigo 2º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

    VIII – ABUSO DE AUTORIDADE

    Segundo palestras de delegados e promotores de justiça, o desconhecimento de alguns servidores, incluindo delegados e oficiais da Polícia Militar, causa um grande risco do cometimento do crime de abuso de autoridade, previsto na Lei nº.4.898/1965, principalmente, no que diz respeito ao artigo 4º, quando prendem, ilegalmente, atiradores desportivos.

    As sanções da lei de abuso de autoridade são de âmbito civil, criminal e administrativo. De acordo com o art. 6º, § 1º, alínea “f”, a pena pode chegar a demissão do serviço público.

    IX – PODER LEGISLATIVO

    O juiz (Poder Judiciário) julga de acordo com a lei vigente. O Comando do Exército (Poder Executivo) tenta normatizar de acordo com a competência que lhe foi conferida por lei. Portanto, a solução está em deixar de criticar o entendimento do Poder Judiciário, bem como a Portaria do Exército e cobrar a solução do Poder Legislativo (deputados federais e senadores).

    Foi o Poder Legislativo que aprovou o Estatuto do Desarmamento e o Decreto Regulamentador, na forma que está.

    Dessa forma, deve-se frisar que, o poder de conceder o direito ao porte de armas não cabe aos juízes, ao Comando do Exército ou a Polícia Federal, mas sim, aos deputados federais e senadores, que criam as leis e representam – ou deveriam representar – os interesses do povo.

    Atualmente, está em debate a revogação do estatuto do desarmamento, conforme a consulta pública “PLS 378/2017”, criada pelo Senado Federal. Apesar da importância, a participação popular nesse projeto está muito abaixo do esperado.

    Adriano Martins Pinheiro é advogado em São Paulo, articulista e palestrante e, nas horas vagas, atirador desportivo.

    Contato: (11) 2478-0590 | Whatsapp (11) 99999-7566 | pinheiro@advocaciapinheiro.com


    VÍDEO ABAIXO:

  • Atiradores desportivos | Portaria 28 (COLOG) suspensa pela justiça

    Atiradores desportivos | Portaria 28 (COLOG) suspensa pela justiça

    Vídeo explicativo ao final da página (Youtube)


    A 3ª Vara Federal de Porto Alegre suspendeu uma Portaria do Exército Brasileiro que concedeu aos atiradores esportivos o direito de transportar arma de fogo municiada do local de guarda ao local competição ou treinamento. A decisão é da juíza federal Thais Helena Della Giustina e foi proferida nesta segunda-feira (4/12).

    A ação com pedido de liminar de urgência foi impetrada por um advogado da capital gaúcha. O autor destacou que o dispositivo editado pelo Exército “cria enorme insegurança, uma vez que possibilita o porte de armas municiadas por civis’. Segundo ele, “o pano de fundo da criação da Portaria é um movimento concatenado formado por organizações civis em busca de uma forma abreviada para o registro de posse de arma de fogo para o cidadão comum”.

    A União, ente que responde pelas Forças Armadas, alegou que o Estatuto do Desarmamento permite que colecionadores, atiradores e caçadores transitem com arma de fogo. Ressaltou, por fim, que o objetivo do ato normativo foi o de “garantir a segurança das armas transportadas, evitando que caiam nas mãos de criminosos”.

    O Ministério Público Federal (MPF) juntou parecer opinando pelo deferimento do pedido de liminar.

    Após análise dos autos, a magistrada concedeu a tutela por entender que o Comando do Exército afrontou o princípio da legalidade ao editar a portaria, ressaltando que não há fundamento a admitir essa inovação no ordenamento jurídico.

    “Há que se considerar que o Estatuto do Desarmamento proibiu, de forma geral, o porte de arma de fogo, excepcionando o caso dos atiradores desportivos, de acordo com o regulamento. Nesse passo, uma vez que, do decreto regulamentar, a que se refere expressamente a lei, não é possível extrair autorização para o transporte de arma municiada pelo referido grupo, já que tal norma nada dispôs nesse sentido, consoante artigos alhures colacionado, há de prevalecer a regra geral, que veda o porte de arma”, concluiu.

    O que diz a Legislação

    Em março deste ano, o Comando Logístico do Exército editou a Portaria nº. 28 autorizando o transporte de uma arma do acervo de tiro desportivo, municiada, nos deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição ou treinamento.

    Até 2015, a regra que disciplinava a matéria (Portaria nº 4/2011) estipulava que as armas fossem transportadas descarregadas e sem qualquer munição, de forma a não permitir o uso imediato. Desde então, as demais Portarias nada estabeleceram quanto ao transporte de armas.

    O Decreto nº 5.123/2004, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento, estabelece que “os responsáveis e os integrantes pelas delegações estrangeiras e brasileiras em competição oficial de tiro no país transportarão suas armas desmuniciadas”.

    Fonte: Site da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, em (6 de dezembro de 2017) | Atiradores esportivos não podem carregar armas de fogo carregadas.

    Link do Youtube abaixo:

  • Atirador desportivo, guia de tráfego e porte de trânsito

    Atirador desportivo, guia de tráfego e porte de trânsito

    EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – ESTATUTO DO DESARMAMENTO – PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO – ATIRADOR DESPORTIVO – REGRAMENTO DIFERENCIADO PARA O TRANSPORTE DE ARMAS E MUNIÇÕES – DECRETO N.º 5.123/04 – ABSOLVIÇÃO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I – A arma e munições do atirador desportivo, que não possui o porte legal, podem ser transportadas com autorização do Comando Regional do Exército, que expedirá a competente guia de tráfego, com a observação de que devem estar sendo separadamente conduzidas, acondicionadas em recipientes próprios de embalagem, ou embrulhadas em papel, de modo que não se possa fazer uso imediato. II – Por óbvio, as armas do atirador desportivo devem ser de origem lícita, além de devidamente registradas, devendo ainda o praticante do esporte ser registrado como tal no Comando Militar do Exército.

    III – O atirador desportivo que não possuir o porte legal, deve ser fiel ao itinerário, sem desvios, pois a guia de tráfego permite apenas o transporte de ida e volta da arma e munições entre o local em que custodiadas e o local em que exerce a prática do esporte.

    APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0024.12.184581-2/001 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE (S): LINDOSMAR EDUARDO PEREIRA – APELADO (A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

    A C Ó R D Ã O

    Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

    DES. CORRÊA CAMARGO

    RELATOR.

    DES. CORRÊA CAMARGO V O T O

    Trata-se de apelação criminal interposta por Lindosmar Eduardo Pereira, já que irresignado com a r. sentença de ff. 156-166, que julgou procedente a pretensão exordial e o condenou como incurso nas sanções do art. 14, da Lei n.º 10.826/03, às penas de 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, substituindo-a por duas restritivas de direitos, e 10 (dez) dias-multa, estes fixados na razão de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, condenando-o ainda ao pagamento das custas e demais despesas processuais.

    O apelante, em suas razões recursais, ofertadas às ff. 171-181, erigindo os princípios da presunção de inocência e do “in dubio pro reo”, requereu a absolvição, seja pela atipicidade da conduta, seja por inexistirem provas suficientes para a condenação. Para tanto, alegou ser participante de clube de tiro, o que dispensaria a autorização legal para portar arma, especialmente porque teria a autorização de transporte, também conhecida como guia de trânsito, juntada à f. 92, bem como registro da arma e documento civil de identificação. Esclareceu que no dia dos fatos teria saído do clube de tiro que frequenta, passando em um shopping e, na sequência, se dirigido para a escola, onde se prepara para a prova do ENEM. Informou que a arma estaria separada da munição, em locais distintos, dentro de uma mochila, embaixo do banco do seu veículo, estando este estacionado na porta da escola. Desse modo, consignou ser impossível a utilização da arma, bem como inexistirem provas de que estivesse portando a mesma, de forma ostensiva, dentro do referido educandário. Registrou a fragilidade dos depoimentos policiais, já que contraditórios, anotando que um dos militares seria seu desafeto e o outro um mentiroso. Por fim, mantendo-se a condenação, cogitou da aplicação de pena exclusivamente pecuniária.

    O apelado, por seu turno, apresentou contrarrazões às ff. 183-187, rebatendo as teses apresentadas e requerendo o não provimento do recurso aviado.

    Instada a se manifestar, a d. Procuradoria de Justiça assim o fez às ff. 204-206.

    É o relatório.

    Passa-se à decisão:

    Recurso próprio e tempestivo, motivo pelo qual dele conheço.

    Narrou a denúncia que no dia 21.05.2012, por volta das 22h59, na Avenida José Cândido da Silveira, próximo ao n.º 2.000, Bairro Horto Florestal, Município de Belo Horizonte, estaria o réu portando uma arma de fogo e um carregador devidamente municiado, ambos de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal.

    O acusado teria sido abordado em razão de uma denúncia anônima, versando sobre o porte ostensivo da referida arma no interior da Escola Estadual Presidente Dutra.

    Assim sendo, os militares teriam aguardado o réu sair da escola e entrar no carro, sendo que na abordagem teriam encontrado, no interior de sua mochila, uma pistola, calibre 380, marca Glock, número de série 76842 e um carregador municiado com doze cartuchos intactos e dois picotados, todos de calibre 380.

    Constou ainda que o acusado estaria portando a arma e as munições em contrariedade com as recomendações constantes na guia de tráfego, vez que não as trazia devidamente acondicionadas, dentro de seus recipientes próprios de embalagem, ou embrulhadas em papel, de modo a obstar a imediata utilização.

    Os objetos materiais do crime teriam sido apreendidos e periciados, sendo atestadas a eficiência e a prestabilidade.

    Eis os fatos que ensejaram a condenação e, por desdobramento, a interposição do presente recurso.

    Com a devida venia, o caso é de absolvição.

    O apelante é atirador desportivo, conforme demonstram os documentos de ff. 19-20, 90-92 e 119.

    O recorrente possui três armas de fogo em seu nome, adquiridas licitamente, todas regularmente registradas, consoante se observa às ff. 114, 118 e 120.

    O réu não possui porte geral de arma de fogo.

    Entretanto, para a prática do esporte, utiliza o apelante guias de tráfego, emitidas pelo Ente Público competente (Comando da 4ª Região Militar do Exército), levando assim as armas até o estande de tiros que frequenta, no Município de São José da Lapa/MG, conforme se infere às ff. 18 e 115-117.

    A conduta do apelante está devidamente amparada pelo art. 9º, da Lei n.º 10.826/03, e pelo art. 30, § 1º, do Decreto n.º 5.123/04.

    Transcrevem-se:

    Art. 9.º Compete ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma para os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou sediados no Brasil e, ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores e de representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional.

    Art. 30. As agremiações esportivas e as empresas de instrução de tiro, os colecionadores, atiradores e caçadores serão registrados no Comando do Exército, ao qual caberá estabelecer normas e verificar o cumprimento das condições de segurança dos depósitos das armas de fogo, munições e equipamentos de recarga. § 1.º As armas pertencentes às entidades mencionadas no caput e seus integrantes terão autorização para porte de trânsito (guia de tráfego) a ser expedida pelo Comando do Exército.

    Até aqui não se verifica qualquer ilegalidade ou irregularidade na conduta do agente, já que se trata de atirador, devidamente registrado no Comando do Exercito, conforme certidão de f. 19, e, saliente-se, possuía ele, à época, guia de tráfego válida para transportar a arma e as munições que foram apreendidas.

    Lado outro, há dúvidas quanto ao que de fato ocorreu na Escola Estadual Presidente Dutra, local do suposto flagrante.

    Inicialmente, os policiais narraram que uma pessoa não identificada, teria passado a informação de que o réu, após descer de um veículo Chevrolet/Astra, placas HBY 5152, de cor prata, teria ingressado na escola, portando arma de fogo de forma ostensiva.

    Contudo, não se sabe quem seria o informante, bem como se verdadeira tal afirmação, inexistindo nos autos testemunha que corroborasse a denúncia anônima.

    Os militares teriam abordado o apelante assim que ele, ao retornar, entrara no automóvel, momento em que perceberam, dentro do carro, duas mochilas, uma delas contendo a arma e as munições (ff. 95-98).

    Ora, perfeitamente possível que a mochila que o réu portava dentro da escola não fosse aquela contendo a arma e o carregador.

    Ademais, quando da abordagem policial, o apelante se mostrou cooperativo e tranquilo, dizendo aos militares o que estaria transportando, mostrando de imediato os documentos que o legitimavam a assim proceder.

    Lado outro, também não se pode ter a certeza se a arma estaria ou não municiada, mormente porque vagos e lacônicos os depoimentos prestados pelos policiais.

    Sabe-se que a arma e as munições descritas na guia de tráfego devem ser separadamente acondicionadas para o transporte, dentro de recipientes próprios de embalagem, ou embrulhadas em papel, de modo que delas não se possa fazer uso imediato.

    Nesta quadra, há ainda entendimento doutrinário, salvo engano minoritário, no sentido de que tal regra só seria aplicável aos colecionadores e caçadores, excluindo-se dela os atiradores desportivos.

    Leia-se:

    “(…) A análise conjunta do artigo 9º da Lei nº 10.826/03 e do artigo 30, § 1º, do Decreto nº 5.123/04 evidencia por eles se ter estabelecido a primeira – e natural – prerrogativa conferida a colecionadores, atiradores desportivos e caçadores, consubstanciada no direito de transporte de suas armas, o qual é legalmente conceituado como”porte de trânsito”, autorizado através de documento específico, qual seja, a”Guia de Tráfego”.

    Na concepção legal, assim, resta patenteado que”porte de trânsito”e”guia de tráfego”são exatamente a mesma coisa, sendo a segunda, apenas, a materialização documental do primeiro.

    O Decreto nº 5.123/04 também dispõe sobre as condições de exercício do porte de trânsito por colecionadores, atiradores e caçadores. Neste aspecto, a norma legal faz nítida distinção entre as atividades de colecionismo, tiro desportivo e caça, estabelecendo restrições próprias para duas delas.

    A constatação decorre das exatas disposições do parágrafo único do artigo 32 do mesmo decreto, aplicável apenas a colecionadores e caçadores:

    “Art. 32. […] Parágrafo único. Os colecionadores e caçadores transportarão suas armas desmuniciadas.”

    Claramente, portanto, o que se tem expresso nas normas legais aplicáveis ao tema é que atiradores, colecionadores e caçadores têm, todos, direito ao porte de trânsito, o qual equivale à guia de tráfego, e que os colecionadores e caçadores, apenas estes, estão obrigados ao transporte de suas armas desmuniciadas, isto é, sem possibilidade de disparo imediato.

    Aos atiradores não foi imposta a restrição aplicável aos colecionadores e caçadores, do que se conclui que não estão, ao menos legalmente, obrigados a transportar armas sem munição, ou seja, sob o prisma estritamente legal, para os atiradores, o porte de trânsito, autorizado através da guia de tráfego, não está condicionado ao desmuniciamento das armas transportadas.” (REBELO, Fabrício. O transporte e o porte de arma de fogo por atiradores desportivos. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n.º 3757, 14 out. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25514>. Acesso em: 28 jan. 2014.).

    Em remate, o que sobraria em desfavor do apelante seria apenas a eventual mudança de itinerário, pois a guia de tráfego, data venia, só permitiria o transporte de ida e volta da arma e munições entre o local em que custodiadas e o clube de tiro.

    Neste tocante, o réu declarou que no dia dos fatos teria saído de casa e ido para o clube de tiro para treinar. Depois teria passado no shopping onde sua namorada trabalhava e, por fim, teria ido até a escola pública em que estuda.

    A conduta de desrespeitar o itinerário, transportando a arma e as munições, provavelmente dentro na mochila, embaixo do banco do carro, não representaria, na hipótese vertente, lesão ou perigo de lesão aos bens jurídicos tutelados pela norma, seja imediato – incolumidade pública, ou mediatos – vida, integridade física, patrimônio, liberdade, dentre outros.

    Assim, com base no princípio da intervenção mínima e de seus substratos da fragmentariedade e subsidiariedade, para não adotar medida desarrazoada, completamente despida de bom senso, deve ser dado provimento ao recurso, reformando a sentença que o condenou, mediante o fundamento de atipicidade material da conduta, eis que a mudança de itinerário, embora irregular, não representou qualquer ofensa ao bem jurídico tutelado.

    Para ilustrar:

    TJMG: “PORTE ILEGAL DE MUNIÇÕES. ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. ABSOLVIÇÃO. Com fulcro no princípio da intervenção mínima e de seus substratos da fragmentariedade e subsidiariedade, o simples porte de munição, sem alcance à respectiva arma, não tem capacidade para submeter a risco o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, pois o delito em exame, além da conduta, reclama resultado normativo que acarrete dano ou perigo concreto, já que o perigo abstrato, sem qualquer concretude, não resiste mais à adequada filtragem constitucional, nem às modernas teorias do Direito Penal. Recurso provido.”(1.0024.08.178634-5/001 – 3ª Câmara Criminal – Rel. Des. Antônio Armando dos Anjos – Julgado em 04/09/2012).

    Por fim, vale consignar, com base na certidão de antecedentes criminais, que o apelante, que ora conta 43 (quarenta e três) anos de idade, não demonstra ter vocação à delinqüência, merecendo ser agraciado pelo beneficio da dúvida e consequentemente absolvido, servindo o deslinde como um alerta para que seja mais responsável e menos ingênuo, cumprindo rigorosamente as normas e os procedimentos atinentes ao transporte de armas e munições, já que é um atirador desportivo.

    Tudo considerado, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, absolvendo Lindosmar Eduardo Pereira da prática de crime insculpido no art. 14, do Estatuto do Desarmamento, assim o fazendo com base no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, em respeito ao princípio”in dubio pro reo”.

    Custas pelo Estado.

    É como voto.

    DES. AMAURI PINTO FERREIRA (JD CONVOCADO) (REVISOR) – De acordo com o (a) Relator (a).

    DES. EDUARDO BRUM – De acordo com o (a) Relator (a).

    SÚMULA: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO”