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Auxílio à imigração ilegal | Art 183º da Lei de Estrangeiros

Auxílio à imigração ilegal | Art 183º da Lei 23/2007 de 4 de julho – Lei de Estrangeiros

1 — Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional é punido com pena de prisão até três anos.
2 — Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional, com intenção lucrativa, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
3 — Se os factos forem praticados mediante transporte ou manutenção do cidadão estrangeiro em condições desumanas ou degradantes ou pondo em perigo a sua vida ou causando-lhe ofensa grave à integridade física ou a morte, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
4 — A tentativa é punível.
5 — As penas aplicáveis às entidades referidas no n.º 1 do artigo 182.º são as de multa, cujos limites mínimo e máximo são elevados ao dobro, ou de interdição do exercício da atividade de um a cinco anos.

(…)

Comentários

1 — Os n.ºs 1, 2 e 4 correspondem, no essencial, aos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 134.º-A do DL n.º 244/98, de 8 de Agosto, introduzido pelo DL n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro.

A verificação da prática do crime de auxílio à imigração ilegal carece da demonstração de requisitos subjectivos e objectivos. A acção material criminosa reside no “favorecimento” e na “facilitação”. O modo da acção não é definido: qualquer um serve (“por qualquer forma”: n.ºs 1 e 2; podemos incluir aqui, por exemplo, obtenção de documento fraudulento; protecção ao esconderijo ou acolhimento em casa do agente, etc.). O objecto da acção é a “entrada”, o “trânsito” (n.º 1) e a “permanência” (n.º 2) ilegais, consoante os casos, noções cuja verificação casuística concreta há-de buscar-se no disposto no art. 181.º O sujeito activo é qualquer pessoa. O sujeito passivo é um cidadão estrangeiro. O elemento subjectivo consiste na consciência de prestar ilicitamente ajuda a cidadão estrangeiro entrar, permanecer e transitar ilegalmente no nosso país. Para a prática do crime não é essencial a obtenção de um ganho ou benefício económico, embora como resulta do n.º 2, também possa concorrer uma intenção lucrativa, que funcionará como elemento subjectivo que agrava a moldura penal abstracta. Para o ilícito contemplado no n.º 3, o modo da acção pode caracterizar-se por transporte e manutenção do cidadão em condições desumanas ou degradantes.

2 — O n.º 1 apresenta em relação ao n.º 2 duas diferenças de vulto. Uma reside no facto de no primeiro caso o acto de favorecimento ou facilitação visar somente a entrada ou o trânsito ilegais, enquanto no segundo, também se incluir a permanência ilegal. Outra consiste na circunstância de na primeira hipótese, ao preenchimento do ilícito ser indiferente a intenção do agente, desde que não tenha por objectivo a obtenção de lucro, enquanto na segunda a “intenção lucrativa” é elemento determinante do tipo, razão pela qual os limites mínimo e máximo da moldura penal abstracta são agravados no n.º 2, em relação ao n.º 1. Nota SEF: Na sua redação inicial, anterior à Lei n.º 29/2012, o n.º 2 deste artigo versava: “Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional, com intenção lucrativa, é punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.”

O n.º 3, por seu turno, apresenta uma variação relativamente ao n.º 2, em razão da especial condição em que o auxiliado for tratado pelo agente autor do crime. Embora os elementos do tipo assentem na mesmafati-specie legal (“Se os factos forem praticados…”), introduzem-se nele novos elementos concernentes ao modo desumano ou degradante como o cidadão estrangeiro é tratado durante o transporte ou no sítio onde este esteja colocado. Em tais circunstâncias, se o auxílio à imigração for prestado de forma tal que represente um atentado à dignidade da pessoa humana, a moldura penal é agravada por se considerar ser elevada a ilicitude de tal conduta. De dois a oito anos será ainda a pena caso o cidadão estrangeiro se encontre ou tenha sido transportado de modo a pôr em perigo a sua vida (basta a actividade perigosa; não se exige o resultado) ou a causar-lhe efectivamente a morte ou a ofender gravemente a integridade física (é essencial a produção de um resultado danoso).

3 — A tentativa é punível (n.º 4). Significa que não deixa de ser punido o agente criminoso que pratica actos de execução do crime, mesmo que este não chegue a consumar-se (art. 22.º do CP).

4 — As penas de prisão prescritas para o agente singular nos n.ºs 1 a 3 não podem ser aplicadas às entidades colectivas referidas no n.º 1 do art. 182.º, como é compreensível. Por isso, estas sofrerão somente penas de multa ou de interdição do exercício da actividade durante um a cinco anos no caso das entidades referidas no art. 182.º, n.º 1 (n.º 5). Se forem aplicadas penas de multa, os respectivos limites mínimo determinados no art. 47.º, n.º 1, do CP (10 dias) e máximo (360) são elevados ao dobro. É o que resulta do n.º 5 do preceito.

A escolha da pena e a determinação da respectiva medida far-se-ão dentro dos critérios estabelecidos nos arts. 70.º e 71.º do CP. Curioso é notar, entretanto, que, enquanto o n.º 3 fixa uma pena de prisão de dois a oito anos sempre que o acto praticado colocar em condições desumanas ou degradantes, com perigo para a vida, com ofensa grave à integridade física ou causando a morte ao cidadão estrangeiro, ao passo que o art. 3.º da Directiva referida no n.º 1, para idênticas situações, aponta uma pena não inferior a oito anos de prisão efectiva.

No caso da “interdição do exercício da actividade”, ela não se pode dizer automática, mas haverá de decorrer dos elementos de prova obtidos sobre o facto praticado e sobre a personalidade do agente e, outrossim, sobre o fundado receio de que possa vir a praticar outros crimes da mesma espécie (cfr. art 100.º, n.º 1, do CP).

O período de interdição conta-se desde o trânsito em julgado da decisão.

5 — Para além de prevenir e reprimir os crimes de auxílio à imigração, o preceito também está predestinado a servir de travão ao crime de tráfico de pessoas, dada a conexão parcial dos seus elementos. É verdade que o crime de tráfico de seres humanos não está fatal e necessariamente relacionado com o crime de auxílio. Isto é, não depende de favorecimento e de facilitação à entrada de estrangeiros ilegais, pois que até ocorre com cidadãos nacionais, com outros residentes legais e até com visitantes de outras nacionalidades. Não podemos, contudo, esquecer que, não raras vezes, as pessoas vítimas deste auxílio (em inglês, “Human smuggling”) acabam por se tornar concomitantemente vítimas do tráfico de seres humanos, para os mais diversos fins: exploração sexual de mulheres, trabalho e serviços forçados, pornografia infantil e pedofilia, etc, tudo isto em variadíssimas situações de fraude, servidão involuntária e escravatura, entre outras formas de atropelo à dignidade da condição humana.

É um tema que aumenta de actualidade em função do requinte com que os grupos organizados actuam em zonas do globo cada vez mais alargadas, não só pela supressão de fronteiras em determinados espaços, como pela facilidade concedida ao comércio e à livre circulação de pessoas entre países, à conta do discutidíssimo fenómeno da globalização. Fenómeno, aliás, que, pelos desequilíbrios que vem provocando em algumas economias, acaba por ser causal do estado de agravamento da situação material de muitas famílias em diversos países de menores recursos ou menos apetrechados para a competição e concorrência mundiais. Circunstância que representa, assim, um factor de aceleradas clivagens no desenvolvimento e bem-estar entre os povos e que leva tanto as pessoas a fluxos migratórios em larga escala, bem assim como a deslocações sob a influência do tráfico. Preocupação, pois, que esteve na génese da Convenção de Palermo (Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, realizada sob a égide das Nações Unidas na cidade de Palermo em 15-12-2000) e nos protocolos suplementares que se lhe seguiram (um deles, o Protocolo para a Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres). E era, precisamente, este Protocolo que definia o tráfico como sendo o “Recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos” (art. 3.º, al. a); sobre o regime legal numa perspectiva comparada, vide “O Crime de Tráfico de Pessoas”, in “Formação Jurídica e Judiciária – Colectânea”, tomo I, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2006, pág. 17 e segs., de JÚLIO A. C. PEREIRA).

Entre nós, todavia, no plano criminal até há bem pouco tempo o tema era tratado como fenómeno restrito à prostituição e à prática de actos sexuais (art. 169.º do CP de 1982, na redacção introduzida pela Lei n.º 99/2001, de 25 de Agosto). Com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, nesta matéria o Código Penal sofreu alteração de tipologia, passando o crime de tráfico de pessoas, agora previsto no art. 160.º, a ter um alcance muito mais vasto, já que os fins da conduta ali reprimida não são apenas de exploração sexual, como também de exploração do trabalho e de extracção de órgãos (há outras diferenças dignas de registo, mas não as mencionaremos, por não ser este o âmbito do presente trabalho. Chama-se a atenção para o facto de a “escravidão” ter ficado ilicitamente autonomizada no art. 159.º).

Como dizíamos, em certa medida há pontos de contacto entre o crime de auxílio à imigração ilegal e o de tráfico de pessoas, sempre que a vítima seja cidadão estrangeiro em situação ilegal no nosso país e o fim da conduta se reveja nos propósitos tipificados no art. 160.º

De referir que o cidadão estrangeiro que vier a ser identificado como vítima do crime de tráfico de pessoas terá direito a autorização de residência e a protecção em condições especiais (cfr. anotações aos arts. 109.º, n.ºs 4 e 5, 111.º, n.º 2, da presente Lei; ver ainda DL n.º 368/2007, de 5 de Novembro).

 

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Advogado em Portugal Adriano Martins Pinheiro. Direito de Imigração

Adriano Martins Pinheiro

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