Senhorio e inquilino | acção de despejo no Tribunal do Porto

Senhorio e inquilino | acção de despejo no Tribunal do Porto

Um Senhorio intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto uma acção declarativa de condenação contra o inquilino (arrendatário), pedindo que fosse resolvido o contrato de arrendamento e que fosse determinado aos inquilinos que desocupassem o imóvel imediatamente.

O Senhorio não conseguiu êxito na ação. Entenda o motivo, ao analisar a decisão do tribunal abaixo (acórdão do Tribunal da Relação do Porto):

“O direito potestativo da resolução do contrato de arrendamento urbano para habitação.

Como é sabido, as figuras de resolução, revogação, caducidade e denúncia surgem-nos na nossa legislação como modos de extinção da relação contratual, em virtude de gerarem a cessão do vínculo contratual, constituem desvios ao princípio “pacta sunt servanda”, ligado à estabilidade contratual, na sua vertente da irrevogabilidade.

O Prof. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pág. 281 define resolução como sendo “o acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam, se o contrato não houvesse celebrado.”.

Ora o exercício do direito de resolução pressupõe a atribuição de uma legitimidade activa à parte que sofreu o incumprimento ou também à parte que se sentiu lesada através de factos concretos e objectivos. Ou dito de outra forma, o direito de resolução é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, razão porque precisa de se verificar um facto que crie este direito, isto é, um facto ou situação a que a lei liga, como consequência, a constituição, ou surgimento, desse direito potestativo.

E assim quando falamos na resolução, ocorre-nos falar numa situação de impedimento, que resulta da falta, recusa ou impossibilidade definitiva, seja esta parcial ou definitiva, no cumprimento de deveres de prestação ou outros deveres, que surgem como objecto da prossecução do contrato.

No que concerne à resolução do contrato de arrendamento urbano, temos de ter presente que em 1990, com a entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano (RAU), que viabilizou a regra da não denunciabilidade “ad nutum” destes contratos. Segundo o RAU, nos contratos de arrendamento urbano para habitação, os contraentes poderiam estipular um determinado prazo (não inferior a cinco anos) para a duração do mesmo, tendo a denúncia do senhorio ser obrigatoriamente realizada por notificação judicial avulsa e requerida com o prazo de um ano antecedente ao fim do prazo estipulado no contrato ou sua renovação, cfr. art.º 98.º, n.º 1 e 99.º, n.ºs 1 e 2.

Posteriormente, e depois de alterações surgidas no RAU em 1995, em 2006, ocorreu uma nova reforma quanto ao arrendamento urbano, realizada pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, continuando a afastar a faculdade dos senhorios de denunciar “ad nutum” o contrato.

Ora, a resolução do contrato de arrendamento urbano vem prevista nos art.ºs 1083.º a 1087.º do C.Civil, distingue-se um pouco dos traços gerais do regime da resolução dos artigos 432.º a 436.º do mesmo Código. A resolução, nos termos gerais, tem uma natureza extrajudicial, cfr. art.º 436.º n.º 1 do C.Civil, podendo ser afastada pelo senhorio, nos termos do art.º 1084.º n.º 2, do C.Civil tendo neste caso, o locador de não usar ou não acção de despejo, cfr. art.º 14.º da Lei n.º 6/2006. Porem, existe uma excepção nesta matéria, nas situações em que a resolução se basear nos fundamentos previstos na norma legal do art.º 1083.º, n.º 3 do C.Civil, em que basta o senhorio comunicar ao arrendatário, através de uma notificação avulsa ou contacto pessoal do advogado, solicitador ou solicitador de execução, comunicação, essa, que deve conter a fundamentação da obrigação não cumprida pelo locatário.

O n.º 2 do art.º 1083.º prevê que para haver fundamento para ocorrer o direito de resolução, é necessário “gravidade ou consequências que torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”. Depois a lei prevê um elenco exemplificativo de incumprimentos de obrigações em que o arrendatário está vinculado, por vínculo da lei ou do contrato, preenchendo assim a justa causa, pelo que é motivo de fundamento de resolução do contrato de arrendamento, cfr. art.º 1083.º n.º 2 do C.Civil.

Como é óbvio, o pagamento da renda por parte do arrendatário é a obrigação mais importante, pelo que o seu incumprimento é extremamente gravoso para a esfera contratual, sendo motivo de inexigibilidade do contrato, nos termos do art.º 1083.º n.º 3 do C.Civil.

O art.º 1039.º n.º 1 do C.Civil determina onde é o lugar do pagamento, ou seja, considera que o local onde deve ser prestado o cumprimento desta obrigação é no domicílio do arrendatário à data do vencimento da obrigação. Trata-se de uma norma de natureza supletiva.

Ora, se a renda não for paga até à data do vencimento da obrigação, o arrendatário constitui-se em mora, podendo o senhorio exigir as rendas em atraso e uma indemnização equivalente a 50% do valor, cfr. art.º 1041.º n.º 1do C.Civil. Dando a lei ao senhorio, uma alternativa: ou pedir o direito de indemnização ou resolver o contrato. Se optar pela resolução do contrato, o senhorio só tem direito a exigir as rendas em dívida, não tendo qualquer direito a indemnização pela mora do arrendatário.

Para fazer cessar a mora, basta o arrendatário efectuar o pagamento da renda, no prazo de oito dias a contar desde o início da mora, cfr. art.º 1041.º n.º 2 do C.Civil. O arrendatário pode ainda fazer caducar o direito de resolução, se até ao prazo de oposição à execução, pagar, depositar ou consignar em depósito as rendas devidas e a indemnização, nos termos do art.º 1048.º n.º 1 do C.Civil.
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Como acima se deixou expresso, o direito de resolução “in casu” do contrato de arrendamento urbano para habitação é um direito potestativo do senhorio, extintivo e dependente de um fundamento, razão porque precisa de se verificar um facto que crie este direito, isto é, um facto ou situação a que a lei liga, como consequência, a constituição, ou surgimento, desse direito potestativo.
“In casu” o fundamento invocado pela autora/apelante para o surgimento desse seu invocado direito foi a falta de pagamento das rendas por parte dos arrendatário.

Preceitua o n.º 3 do art.º 1083.º do C.Civil que: “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte”, ou seja, apenas se invocando este fundamento legal nasce para o senhorio o direito potestativo de resolução do contrato de arrendamento.

Como é manifesto, foi grande a precipitação da autora/apelante ao intentar a presente acção invocando como fundamento a falta de pagamento das rendas que entendia serem as devidas (depois de actualizadas) por parte dos réus/arrendatários, uma vez que, como a mesma expressamente alegou tal actualização começou/çaria a produzir efeitos a 1.01.2017, e tendo verificado apenas que os arrendatários não pagaram as rendas com a dita actualização no mês de Janeiro de 2017, ou seja, as respeitantes a esse mês, isto é, ao 1.º que, segundo ela, seria devido com a referida actualização, logo no dia 5 de Janeiro de 2017 intentou contra eles a presente acção.

Perante esta simplicidade factual, manifesto é de concluir que a autora/apelante não tinha legitimidade substantiva para intentar a presente acção, por carecer do direito em que a estribava.
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Processualmente, e como é sabido e ficou bem expresso na decisão recorrida (“A presente acção pode ser decidida de imediato por se entender que a autora, com base nos factos que faz constar da petição inicial, sendo estes que fixam o objecto do processo e constituem a causa de pedir, e relativamente à qual não houve alteração, não tem o direito que se arroga de lograr a resolução dos contratos de arrendamento”, ou seja, o processo civil, em qualquer das suas fases, implica limites à dedução de pretensões ou de meios de defesa, não apenas por razões de disciplina processual, como ainda perante a necessidade de cada questão ser debatida na fase processualmente adequada. É por isso que os art.ºs 264.º e 265.º do C.P.Civil prescrevem uma forte limitação à alteração do pedido ou da causa de pedir (salvo quando se verificar acordo das partes, a causa de pedir apenas pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor). E, quanto ao pedido, podendo ser reduzido em qualquer altura, na falta desse acordo, apenas pode ser ampliado, mas não alterado, até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Em qualquer dos casos com uma limitação: a de que tal não implique a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.

O objecto do processo deve ser considerado bilateralmente, nele participando o pedido e a causa de pedir, esta não só para delimitar a matéria de facto a considerar pelo juiz, mas também para possibilitar a correspondência da individualização do objecto do processo com a fundamentação do objecto da sentença. E como se sabe, a causa de pedir consiste no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, fundamentadores da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo. Ou dito de outra forma, a causa de pedir, como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se na factualidade alegada pelo autor como fundamento do efeito prático-jurídico visado, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º n.º 3, e nos limites do art.º 609.º n.º 1, ambos do C.P.Civil. Assim decorre da relação de causa e efeito entre pedido processual e facto jurídico que o fundamenta que a “causa petendi” é a causa da procedência do pedido, ou seja, encontrando-se a configuração do pedido na exclusiva disponibilidade do autor, é imperativamente a partir deste que aquela causa tem de ser delineada.

Revertendo para o caso dos autos, manifesto é de concluir que inexistiu qualquer alteração da causa de pedir ou do pedido formulado pela autora/apelante, logo vendo o objecto do processo tal como foi estribado por esta na sua p. inicial, só nos resta concluir que a mesma não tinha o direito de resolução dos contratos de arrendamento urbano para habitação a que se arrogava por via da interposição da presente acção, pelo inexoravelmente a mesma tinha, como foi, de ser julgada totalmente improcedente, cfr. art.ºs 264.º, 265.º, 552.º, todos do C.P.Civil e n.º 3 do art.º 1083.º do C.Civil. Sendo ainda totalmente despropositada, atento o que acima se deixou consignado, a invocação pela autora/apelante do preceituado nos art.ºs 535.º n.º2 al. b) e 611.º, ambos do C.P.Civil com a interpretação que deles pretende retirar.
Improcedem as derradeiras conclusões da apelante.

Sumário:

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela autora/apelante.

Porto, 2022.07.13
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Rodrigues Pires

135/17.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CAUSA DE PEDIR

Nº do Documento: RP20220713135/17.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1