Contrato Promessa de Compra e Venda | Escritura Pública | TR Porto

Contrato Promessa de Compra e Venda | Escritura Pública | TR Porto

Caso prático: Contrato Promessa de Compra e Venda | CPCV | Escritura Pública | TR Porto

I – O princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405º, do Cód. Civil, enquanto manifestação a autonomia privada, desdobra-se na faculdade de celebrar ou não contratos e de conformar o seu conteúdo, dentro dos limites estabelecidos na lei.

II – Neste contexto, nada obsta a que as partes, no gozo daquela sua autonomia privada estipulem, num contrato promessa de compra e venda de determinadas fracções (associado a um contrato de arrendamento dessas fracções a favor do promitente-comprador /arrendatário), uma cláusula em que reservem a possibilidade de distrate unilateral desse contrato promessa de compra e venda.

III – Uma cláusula deste tipo, interpretada segundo a teoria da impressão do declaratário, consagrada no artigo 236º, n.º 1, do Cód. Civil, não pode deixar de significar, para um declaratário normalmente diligente e sagaz nas mesmas circunstâncias, que as partes (ambas) quiseram deixar expressamente em aberto a hipótese de, em função da avaliação que façam dos seus próprios interesses, virem ou não virem a celebrar o contrato de compra e venda prometido.

Sumário (elaborado pelo Juiz Relator):

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO:

  1. AA intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra HERANÇA INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE BB, na pessoa da cabeça de casal CC, viúva, por si e na dita qualidade de cabeça-de-casal, DD e mulher EE, FF e mulher GG, invocando, no essencial, o não cumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes (ele, Autor, enquanto promitente comprador e os ora RR. como promitentes vendedores) a 30 de Novembro de 2016, promessa que tinha por objecto as fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio urbano, em regime propriedade horizontal, sito na Rua …, …, da freguesia …, concelho do Porto.
    Por outro lado, alegou, ainda, que no 31 de Outubro de 2016, celebrou, como arrendatário, um outro contrato de arrendamento com opção de compra, este sobre as fracções autónomas designadas com as letras “C” e “D”, do prédio urbano sito na Rua …, …, … Porto.
    Referiu, ainda, que estas últimas fracções compõem a totalidade do espaço do armazém onde também se situam as fracções prometidas vender pelos RR., ou seja, as ditas as fracções “A” e “B”), sendo que o contexto global de negociação entre o Autor com todos os demais intervenientes foi sempre a aquisição global de todas as ditas fracções (“A”, “B”, “C” e “D”).
    Neste contexto, invocou que, em face da recusa dos RR. na celebração do prometido contrato de compra e venda (quanto às fracções A e B), deixou de proceder ao pagamento das rendas previstas, uma vez que, caso a escritura pública de compra e venda tivesse sido realizada, os Réus, mais concretamente a Herança Indivisa de BB, deixariam de auferir aqueles valores, razão pela qual, desde o dia 07.06.2019, se encontra a realizar consignação em depósito dos valores dessas mesmas rendas.
    Conclui no sentido da procedência da presente acção e, em consequência, ser proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial em falta, com vista à efectivação do contrato prometido, com efeitos retroactivos a 15.04.2019, devendo, afinal, os valores consignados em depósito pelo Autor serem abatidos ao valor da escritura pública de compra e venda a realizar, ou então ser-lhe restituído integralmente tal valor e realizar-se a escritura pelo valor prometido.
  2. Citados, os RR. impugnaram parcialmente a factualidade alegada pelo Autor, sustentando, no essencial, que procederam ao distrate do ajuizado contrato promessa de compra e venda, conforme previsto no corpo da cláusula 4ª do mesmo contrato, o que comunicaram ao Autor por meio de carta registada com aviso de recepção datada de 19.11.2018, carta esta que o mesmo recebeu.
    Por conseguinte, em seu ver, o contrato promessa cuja execução específica vem peticionada pelo Autor está extinto, sendo inviável a pretensão quanto ao seu cumprimento por via de execução específica, com a consequente improcedência da acção.
  3. Foi proferido despacho saneador tabelar, com fixação do objecto do litígio e delimitação dos temas de prova.
  4. Efectuado o julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção instaurada, absolvendo os RR. do pedido formulado.
  5. Inconformado, veio o Autor interpor recurso da sentença, aduzindo alegações e formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES

A. Vem o presente recurso interposto da circunstância de o Recorrente não se conformar com a Sentença proferida pelo Dign.º Tribunal “a quo”, em que julgou como improcedente o pedido formulado pelo Apelante para que o mesmo pudesse usar mão do instituto da execução especifica por forma a ver cumprida a vontade que efetivamente contratou e que presidiu à outorga do contrato promessa de compra e venda.
B. Não obstante tal decisão, entende modestamente o ora Recorrente que foram violadas várias normas jurídicas, bem assim, foram interpretadas de forma desadequadas com o nosso sistema legal, várias normas jurídicas, devendo, por isso ser resposta a harmonia do Direito.
I – DO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
C. Antes de tudo o mais, será de referir que o objeto do contrato promessa de compra e venda celebrado em 30/11/2016 versava sobre um projeto global de aquisição do prédio no seu todo, correspondendo o seu objeto às frações “A e B”, sendo que as frações “C e D” foram efectivamente adquiridas como prometido.
D. No contrato sub judice, o Autor assumiu a obrigação de adquirir então as frações “A e B” e os Réus de as vender.
E. Assim, em cumprimento com o disposto no contrato, no dia 2/12/2016, o Autor promoveu o agendamento da escritura pública de compra e venda em Cartório Notarial e comunicou aos Réus a data respetiva, para o dia 15/4/2019.
F. De notar que, desde o dia 01 de dezembro de 2016 até à presente data, que o Réu usa, goza e frui das frações objeto do contrato promessa, liquidando as despesas relativas às quatro frações, tendo, além disso, procedido a avultadas reparações no interior das frações, bem assim realizado diversas e importantes benfeitorias, sempre convicto que adquiriria as quatro frações.
G. Acontece que decorridos 2 anos sobre a comunicação da data da Escritura enviada e recepcionada pelos Réus, os Réus comunicaram ao Autor, em 19/11/2018, que pretendiam distratar o contrato, no uso de um direito potestativo contratualmente estabelecido, informando que deixariam de se considerar vinculados à obrigação de vender as frações autónomas “A” e “B”.
H. A compra das frações “C e D” foi realizada nessa mesma data: 15/4/2019.
I. As 4 frações consubstanciam um armazém único, tendo um único WC, um único contador de eletricidade, um único contador de água, sem quaisquer divisões ou por qualquer outra forma algo que sugira poder ser utilizado de forma independente. Razão pela qual o Apelante apenas tinha interesse em adquirir a totalidade do prédio / das frações, circunstância do total conhecimento dos Apelados.
J. Chegado o dia agendado, não obstante a vinculação à comparência, os Réus não compareceram à escritura válida, legítima e legalmente agendada na referida data, nem à segunda tentativa, agendada para o dia 20 de maio de 2019, às 10:00 horas, no mesmo Cartório Notarial.
K. A Questão que se coloca será da validade do exercício do alegado direito de distrate, que,
L. A Sentença recorrida procedeu à consideração da existência do direito de distrate no seu sentido literal, fazendo referência ao disposto no artigo 238.º, n.º 1 e 2, do Código Civil, sobre a interpretação dos negócios formais, deixando de indagar do contrato no seu todo, do espírito que a globalidade do mesmo emerge e do exercício do contrato no caso concreto, isto é, considerando a conduta das partes e o que havia já sido executado do contrato celebrado.
M. Mas, com o devido e merecido respeito, esqueceu-se o Dign.º Tribunal a quo que se o cumprimento pontual do contrato deve ser imputado às Partes, também o deveria ter considerado em relação à obrigação dos Apelados comparecerem e realizarem a outorga da Escritura Pública de Compra e Venda, que foi valida e legitimamente marcada pelo Apelante e que, por tal facto, encontravam-se os Apelados vinculados ao seu cumprimento,
N. Note-se que a marcação e comunicação aos Apelados da Escritura Pública de Compra e Venda é anterior ao (suposto) exercício do distrate e, por isso, não poderiam os Apelados fazer uso de tal direito em detrimento da obrigação a que estavam vinculados e com prazo de cumprimento determinado, conseguindo com isto livrar-se das obrigações que assumiram e às quais o Direito confere relevância jurídica, por estarem conscientes que o Apelante logrou valorizar o valor que as frações possuem no mercado imobiliário e daí retirarem vantagens.
O. De acordo com o artigo 239.º do Código Civil, “deve atender-se à vontade presumível dos declarantes. Mas pode acontecer que, por esse meio, se chegue a uma solução contrária aos princípios da boa-fé. Neste caso, deve prevalecer a solução que melhor salvaguarda esses princípios. (…) A integração de um negócio jurídico através dos critérios indicados no artigo 239.º deve ser considerada matéria de direito (…).” (vide, LIMA, Pires de, VARELA, Antunes, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.º Ed., Revista e Atualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 226 e 227).
P. Pelo exposto, não poderia a Sentença recorrida limitar-se a socorrer-se única e somente dos elementos relacionados com a interpretação do contrato, enquanto negócio formal, quando, na sua interpretação, resumiu-se, a considerá-lo, de forma superficial e literal, esgotando aí todo o seu sentido, concluindo assim pela existência e validade do direito de distrate ao abrigo do artigo 406.º, n.º 2, do Código Civil, nos termos estáticos que interpretou, desconsiderando, na verdade, todo o circunstancialismo em que o contrato se desenvolveu e que nos autos ficaram provados!
Q. Ainda sobre a matéria, já se debruçou o Supremo Tribunal de Justiça, referindo que “As regras constantes dos arts. 236.º a 238.º do CC constituem directrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art. 236.º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor) (vide Acórdão proferido pelo Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, em 12-06-2021, no âmbito do processo n.º 14/06.7TBCMG.G1.S1).
R. No mesmo acórdão considerou ainda o Tribunal que “[s]e não se afigurar viável chegar a um resultado suficientemente claro sobre a interpretação do negócio jurídico (…) – há que lançar mão do art. 237.º do CC, que dispõe para os casos duvidosos.”
S. Nunca a sentença poderia concluir no sentido que o fez, sem se debruçar, primeiramente, sobre a necessidade de interpretar o sentido realmente compreendido pelo Apelante, enquanto declaratário, ou, caso por tal via não chegasse a um resultado claro, pela ponderação de aplicação do regime previsto para os casos duvidosos previstos no artigo 237.º do Código Civil.
T. E o mesmo se diz, que deveria o Dign.º Tribunal a quo ter considerado a integração do contrato, dada a omissão do mesmo em relação à articulação da marcação da escritura e do direito de distrate, que o deveria ter feito, pautando, nesse exercício de interpretação e integração, pela salvaguarda do princípio da boa-fé e pelo equilíbrio entre as Partes, por força do disposto nos artigos 236.º, n.º 1, 238.º e 239.º do Código Civil.
U. Apurados estes elementos, não poderia o Tribunal a quo ter desconsiderado, sem mais, a vinculação da obrigação de vender aos Apelados e que era anterior à referida pretensão de distratar!
V. Por todo o exposto, resulta de forma absolutamente inequívoca que assiste razão ao Autor/Apelante na ação por si intentada, uma vez que o contrato promessa celebrado se encontra vigente e é vinculativo às Partes contratantes, pelo que os Apelados se encontram em mora no cumprimento da sua obrigação de vender as referidas frações.
II – SEM PRESCINDIR – DOS PRINCÍPIOS DA CERTEZA E SEGURANÇA JURÍDICAS
W. O direito do Apelante à execução específica do contrato será sempre de se reconhecer por força dos valores da certeza e segurança jurídicas e que é deduzido pelo Tribunal Constitucional a partir do princípio do Estado de direito democrático, constante do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
X. O Direito supõe um “mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado” (cfr. Acórdão proferido pelo Egrégio Supremo Tribunal Administrativo, em 13-11-2007, no processo n.º 0164A/04).
Y. A ordem jurídica tem de garantir às pessoas a continuidade das suas relações jurídicas e a possibilidade de ponderar e calcular as consequências dos atos que praticam, pelo que a possibilidade de distratar um contrato promessa, cuja escritura já se encontra determinada no tempo e espaço, lesa diretamente os valores de certeza e segurança jurídicas e que devem ser respeitados – e reconhecidos – a qualquer sujeito na sua atuação na ordem jurídica.
Z. A violação do princípio da confiança, que garante inequivocamente um mínimo de certeza e segurança das pessoas quanto aos direitos e expectativas legitimamente criadas no desenvolvimento das relações jurídico-privadas, provoca um injustificado benefício para os Apelados, que, por sua livre vontade e prosseguindo os seus individuais interesses, pretenderam extinguir o contrato que produzia validamente os seus efeitos, em detrimento do Apelante, causando-lhe sério prejuízo, tendo em conta todo o investimento realizado pelo mesmo face às suas expetativas legítimas e juridicamente relevantes.
AA. O distrate do contrato comunicado em 19 de novembro de 2018, quase dois anos após a comunicação do Apelante sobre a marcação da Escritura Pública, e a cinco meses antes da efectiva realização da escritura, configura uma conduta contrária à expetativa que o Autor adquiriu ao longo do cumprimento do contrato, bem como choca com a segurança jurídica e estabilidade do tráfego jurídico que ao mesmo deverá ser reconhecido (acrescendo que o Apelante realizou um investimento avultado em benfeitorias, conforme resulta da sentença recorrida).
BB. Deve, por isso, prevalecer a ideia de justiça, de Direito, face aos princípios da segurança e certeza jurídicas, consubstanciados na normal execução e cumprimento do contrato promessa.
CC. Assim, resulta de forma absolutamente inequívoca que assiste razão ao Autor na ação por si intentada, devendo ser o presente recurso de apelação julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se a sentença ora recorrida, para todos os devidos e legais efeitos.
Nestes termos e nos demais do Direito, entende muito modestamente o ora Recorrente que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a decisão ora recorrida e substituída por outra que julgue a petição inicial totalmente procedente, por provada, e condene os Réus/Recorridos ao cumprimento do contrato assinado, nomeadamente através da figura da execução específica, para todos os devidos e legais…
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  1. Os RR. contra-alegaram pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença.
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  2. Observados os vistos legais, cumpre decidir.
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    II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
    O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do apelante, não sendo lícito a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
    Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes em 1ª instância e, por isso, não apreciadas na decisão proferida, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à reapreciação de novas questões e à prolação de novas decisões, mas ao reexame pela instância hierarquicamente superior da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, em função das questões oportunamente suscitadas pelas partes e dos fundamentos da própria decisão recorrida. [1]
    Assim, as questões a decidir, segundo a sua sequência lógica, são as seguintes:
    i. Cumprimento do Contrato Promessa de Compra e venda – Execução específica – Distrate do contrato promessa de compra e venda – Interpretação (integração) do mesmo contrato.
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    III. FUNDAMENTAÇÃO de FACTO:
    O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
  3. A aquisição das fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio urbano, em regime propriedade horizontal, sito na Rua …, …, da freguesia …, concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia …, concelho do Porto mostra-se registada a favor dos RR., conforme documentos de fls. 19, 20, 21-22 e 23-24 dos presentes autos.
  4. Por acordo escrito, denominado de contrato promessa de compra e venda, celebrado a 30 de Novembro de 2016, os Réus prometeram vender, ao aqui Autor, que por sua vez prometeu comprar, as fracções “A” e “B” antes identificadas, conforme documento de fls. 25-30 dos presentes autos.
  5. No âmbito do acordo referido em 2., os Réus prometerem vender ao Autor, livre de quaisquer ónus ou encargos, que por sua vez prometeu comprar, as referidas fracções, pelo preço global de € 133.788,30 (Cento e Trinta e Três Euros Setecentos e Oitenta e Oito Euros e Trinta Cêntimos), correspondendo a quantia de 32.296,72 à fracção designada com a letra “A” e 101.491,58 à fracção autónoma designada com a letra “B”, preço esse, cujo pagamento seria efectuado, no acto e em simultâneo com a outorga da Escritura Pública de Compra e Venda (cláusula 1.ª e 2.ª do documento de fls. 25-30 dos presentes autos).
  6. Já no que se refere à competente escritura pública de compra e venda, e de acordo com o convencionado pelas partes, a mesma deveria ser marcada enquanto se mantivesse em vigor o propalado acordo, devendo o ora Autor avisar, por carta registada, com 15 dias de antecedência do dia, hora e local em que a mesma se fosse realizar (cláusula 5.ª do documento de fls. 25-30 dos presentes autos).
  7. De acordo com a cláusula 3.ª do acordo referido em 2., “No dia de hoje, a primeira, o segundo e o quarto outorgantes dão de arrendamento ao sexto outorgante, que toma de arrendamento, respectivamente, as fracções objecto deste contrato, sobre as quais detêm direitos de disposição do uso, gozo e fruição, pelo que convencionam que, entre o primeiro dia do trigésimo primeiro mês do contrato de arrendamento que celebram e o último dia do quinquagésimo quarto mês desse mesmo arrendamento, o sexto outorgante obriga-se a renunciar ao direito de distrate que se estabelece na cláusula quarta deste contrato, com o que manifesta perante os demais outorgantes a sua vontade em prometer comprar as referidas fracções a título definitivo ” (cláusula 3.ª do doc. de fls. 25-30 dos presentes autos).
  8. De acordo com a cláusula 4.ª do acordo referido em 2., “No prazo de cinco anos contados de hoje, cada um dos outorgantes pode distratar este contrato, sem direito a indemnização seja a que título for.
    PARAGRAFO PRIMEIRO: Findo o prazo a que alude o corpo desta cláusula, este contrato fica sem efeito, sem direito a indemnização seja a que título for.
    PARAGRAFO SEGUNDO: Consigna-se que os montantes pagos a título de rendas, não serão deduzidos, sob nenhuma circunstância, nos valores estabelecidos na Cláusula Segunda deste Contrato.
    PARAGRAFO TERCEIRO: Consigna-se que, nos termos desta Cláusula Quarta, compete ao Sexto Outorgante a construção da parede que dividirá a fracção B, objecto deste contrato, e a fracção C do mesmo prédio, a edificar, com respeito da Propriedade Horizontal, a suas totais expensas, não cabendo aos primeiros cinco outorgantes, qualquer obrigação de indemnizá-lo seja a que título for.
    PARAGRAFO QUARTO: Consigna-se ainda que, compete ao Sexto Outorgante a construção da parede que dividirá a fracção B, objecto deste contrato, e a fracção C do mesmo prédio, a edificar com respeito da Propriedade Horizontal, a suas totais expensas, não cabendo aos primeiros cinco outorgantes, qualquer obrigação de indemnizá-lo seja a que título for, caso o Sexto Outorgante cesse os vínculos contratuais de Arrendamento e de Compra e Venda, quer com os proprietários da fracção B, quer com os proprietários da fracção C.” (cláusula 4.ª do documento de fls. 25-30 dos presentes autos).
  9. No mesmo dia 30 de Novembro de 2016, foi celebrado entre Autor e Réus, um denominado contrato de arrendamento, pelo prazo de 05 anos, renovável por iguais e sucessivos períodos, enquanto não fosse denunciado por nenhuma das partes, com efeitos a partir do dia 01 de Dezembro de 2016 (documento de fls. 30-37 dos presentes autos).
  10. Sendo os recibos das rendas passados em nome da Herança Indivisa de BB, NIF …, cujos segunda, terceiro e quarto Réus são herdeiros (documento de fls. 38 dos presentes autos).
  11. Por cartas registadas, datadas de 02-12-2016, enviadas para os Réus, o Autor comunicou a estes o seguinte:
    “Venho comunicar-lhes que, no âmbito e em sequência do contrato promessa de compra e venda que celebrei com V/ Exas, entre outros, em 30 de Novembro deste ano, respeitante às fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, …, da freguesia …, concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo …, do qual sou ademais arrendatário, venho, nos termos e ao abrigo da respectiva cláusula quinta, informar que a escritura notarial do contrato prometido de compra e venda se encontra marcada para o dia 15 de Abril de 2019, pelas 10 horas, no Cartório Notarial da Senhora Dra. HH, sito na Rua …, …, … Porto…”, conforme documentos de fls. 39-40, 41-42 e 43-44 dos presentes autos.
  12. Em 19 de Novembro de 2018, o A. recebeu uma carta dos RR., da qual consta o seguinte:
    “Ref.ª : Contrato Promessa Compra e Venda datado de 30-11-2016
    Assunto: Exercício do direito potestativo da Cláusula 4ª do contrato
    Ex.mª Sr.:
    Reportámo-nos ao contrato promessa de compra e venda datado de 30-11-2016, que celebrámos com V. Exª e referente às fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio sito na Rua …, freguesia …, concelho do Porto.
    Em resultado das negociações com intervenção dos respectivos advogados, acha-se exarado o direito potestativo de qualquer um dos outorgantes de extinguir esse contrato e deixar de estar vinculado à obrigação de contratar.
    Acha-se ainda convencionado que tal direito potestativo deve ser exercitado no prazo de 5 anos, sob pena de preclusão.
    Destarte e no uso desse direito potestativo, comunicamos a V. Exª que deixámos de estar vinculados à obrigação de vender as fracções autónomas acima referidas e cabalmente identificadas no contrato ”, conforme consta documento de fls. 45 dos presentes autos.
  13. Por cartas datadas de 01 de Abril de 2019, remetidas aos Réus, o Autor comunicou o seguinte:
    “Assunto: Escritura pública de compra e venda referente às fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio sito na Rua …, freguesia …, concelho do Porto.
    (…) Vimos pelo presente, na qualidade de advogados de AA, relembrar que se encontra designado o dia 15-04-2019, pelas 10:00 horas, no Cartório Notarial da Drª. HH, sito na Rua …, …, … Porto, a realização de escritura pública de compra e venda das fiações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio sito na Rua …, freguesia …, concelho do Porto, conforme marcação e agendamento já oportunamente comunicados …”, conforme documentos de fls. 46-47, 48-49 e 50-51 dos presentes autos.
  14. Os Réus responderam ao Autor, através de cartas datadas de 08-04-2019, referindo, em suma, que reiteravam as palavras vertidas na carta enviada pelos mesmos em 19-11-2018 …”, conforme documentos de fls. 52, 53 e 54 dos presentes autos.
  15. No dia 15 de Abril de 2019, compareceu perante a Notária do Cartório Notarial sito na Rua …, …, Porto, Lic. HH, II, na qualidade de gestora de negócios em representação de AA, NIF …, casado, natural de …, Lisboa, residente na Rua …, … …, Porto, para a outorga de uma escritura de compra e venda que se encontrava agendada neste cartório pelas 10h00. Não tendo sido apresentados quaisquer documentos necessários à outorga da escritura, foi pela comparecente declarado competir à parte vendedora a sua apresentação, tendo contudo requerido a junção a este certificado de cópia simples de contrato de promessa celebrado em 30/11/2016, cujo cumprimento se pretendia com a realização da escritura agendada.
    Que a escritura não se realizou, não fendo comparecido, os alegados promitentes vendedores, nem sido apresentada a necessária documentação, conforme certificado que consta como documento a fls. 55-56 dos presentes autos.
  16. O A. enviou nova missiva aos Réus, com data de 02-05-2019, com o seguinte teor:
    “ Assunto: Escritura pública de compra e venda referente às frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio sito na Rua …, freguesia …, concelho do Porto.
    (…) Vimos pelo presente, na qualidade de advogados de AA, manifestar que na sequência da não comparência à escritura pública de compra e venda previamente agendada para o dia 15-04-2019, pelas 10:00 horas, no Cartório Notarial da Dr.ª HH, sito na Rua …, …, … Porto, do imóvel supra identificado, o n/Cliente deseja resolver pacificamente e de forma extra-judicial o diferendo em questão.
    Com efeito, e tendo em conta tal facto, o n/Cliente convoca, numa última tentativa, a realização de escritura pública para o próximo dia 20 de maio de 2019, pelas 10:00 horas.
    Caso V.as Ex.as não compareçam a esta segunda e última data designada para a escritura pública de compra e venda do imóvel prometido vender, outra alternativa não restará ao n/Cliente que não seja o accionar dos meios legais competentes tendentes à salvaguarda e tutela dos seu mais legítimos e legais interesses… “, conforme documentos de fls. 63-64, 65-66 e 74-75 dos presentes autos.
  17. No dia 20 de Maio de 2019, pelas 11h30m compareceu perante a Notária do Cartório Notarial sito na Rua …, …, Porto, Lic. HH, JJ, na qualidade de gestora de negócios em representação de AA, NIF …, casado, natural de …, Lisboa, residente na Rua …, … …, Porto, para a outorga de uma escritura de compra e venda que se encontrava agendada neste cartório pelas 10h00
    Não tendo sido apresentados quaisquer documentos necessários à outorga da escritura, foi pela comparecente declarado competir à parte vendedora a sua apresentação, tendo contudo requerido a junção a este certificado de cópia simples de contrato de promessa celebrado em 30/11/2016, cujo cumprimento se pretendia com a realização da escritura agendada.
    Que a escritura não se realizou, não fendo comparecido, os alegados promitentes vendedores, nem sido apresentada a necessária documentação, conforme certificado que consta como documento a fls. 78 dos presentes autos.
  18. O A. tinha aprovado pela Banco 1… um financiamento para a seguinte operação:
    “OPERAÇÃO 2 – … …
    • Montante: € 133.788,30
    • Prazo: 84 meses
    • Taxa de Juro: EUR 12M>0+ 1.75%
    • Periodicidade: mensal e postecipado
    • Comissões: preçário
    • Garantias: aval + hipoteca FRACOES A e B
    • Outras: AF> 40% e net deb/ebitda inf a 4.5
    • Outras: Contratação de Seguro VOE e Acidentes Pessoais para os avalistas, bem como, Limite a Descoberto Negociado no montante de 5k€.” (documento de fls. 85 dos presentes autos).
  19. No dia 31 de Outubro de 2016, o A. outorgou um denominado “ contrato de arrendamento com opção de compra ” sobre as fracções autónomas designadas com as letras “C” e “D”, do prédio urbano sito na Rua …, …, … Porto, tal como consta do documento de fls. 86 a 93 dos presentes autos.
  20. As fracções “A” e “B”, que foram prometidas vender, integram o mesmo prédio urbano em regime de propriedade horizontal das fracções “C” e “D”, sendo estas e aquelas contíguas e os interessados nos diversos direitos reais (propriedade e usufrutos) constituídos nas fracções “C” e “D” são familiares dos aqui RR.
  21. O contexto global de negociação entre o Autor com todos os demais intervenientes, foi sempre na aquisição global das fracções designadas pelas letras “A”, “B”, “C” e “D”.
  22. A Escritura Pública de Compra e Venda referente às fracções “C” e “D” foi também agendada para o dia 15-04-2019, tendo sido a mesma outorgada, tal como consta do documento de fls. 94-103 dos presentes autos.
  23. O A. tinha aprovado pela Banco 1… um financiamento para a seguinte operação:
    “OPERAÇÃO 1 – … …
    • Montante: € 127.500,00 (compra por 150k€ e deduz rendas pagas à data de 22.5k€)
    • Prazo: 84 meses
    • Taxa de juro: EUR 12M>O+ 1.75%
    • Periodicidade: mensal e postecipado
    • Comissões: preçário
    • Garantias: aval + hipoteca FRACOES C E O
    • Outras: AF> 40% e net deb/ebitda inf a 4.5
    • Outras: Contratação de Seguro VOE e Acidentes Pessoais para os avalistas, bem como, Limite a Descoberto Negociado no montante de 5k€. (documento de fls. 85 dos presentes autos).
  24. Desde o dia 07-06-2019, que o Autor se encontra a realizar consignação em depósito dos valores dessas mesmas rendas (documento de fls. 104 dos presentes autos).
  25. Desde o dia 01 de Dezembro de 2016 que o Autor usa, goza e frui das fracções objecto do contrato promessa objecto dos presentes autos, sendo o Autor quem realiza os pagamentos relativos às despesas com as referidas fracções, como seja, água, luz e telefone, tendo, além disso, procedido a reparações no interior das fracções, bem assim realizado benfeitorias, nomeadamente pintura de toda a estrutura (paredes e tectos), bem como remodelou todo o sistema de electricidade e saneamento, bem ainda procedeu ao arranjo de todo o tecto, de onde advinham várias infiltrações e humidades.
  26. Por carta datada de 27-12-2016, registada e recebida pelo autor, os RR. comunicaram ao A. o seguinte:
    “Ex.mo Senhor
    Atento o teor das cartas que endereçou aos meus Constituintes supra identificados, cumpre-me informá-lo do seguinte:
    1 – Como é do seu conhecimento, a Cláusula Quinta do Contrato Promessa de Compra e Venda e a Cláusula Terceira do mesmo Contrato, complementam-se, o que significa que apenas, volvido o trigésimo (30º) mês do Contrato de Arrendamento, deverá V/ Ex.ª notificar os Promitentes Vendedores, do Cartório Notarial, data e hora para a realização da Escritura de Compra e Venda.
    2 – A data que V/ Exª seleccionou para a realização da Escritura não respeita os primeiros 30 meses de Contrato de Arrendamento para tal efeito.
    Assim sendo e, sem mais delongas, informo V/ Exª que está a incumprir o vertido no Contrato Promessa de Compra e Venda e, que por ora, apenas se dão por não havidas as cartas registadas que enviou aos meus Constituintes …”, conforme documento de fls. 137-138 dos presentes autos.
    **
    IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
    Tendo presente o quadro factual acima descrito – e que não se mostra impugnado -, cumpre decidir do mérito da sentença recorrida e, nesse contexto, de modo fulcral à sorte do recurso, as questões atinentes à interpretação do ajuizado contrato (artigos 236º, 237º e 238º, do Cód. Civil) e à sua, eventual, integração (artigo 239º, do mesmo Código), não deixando de ponderar os princípios da certeza e segurança jurídicas que, segundo o apelante, deveriam ter sido ponderados pelo Tribunal de 1ª instância.
    A título prévio, impõe-se consignar que as partes não discordam (e bem) da qualificação efectuada pelo Tribunal de 1ª instância do negócio jurídico referido sob o ponto 2 da factualidade provada como um contrato promessa (bilateral) de compra e venda das fracções ali em causa (fracções A e B), sendo que em tal negócio o Autor/Apelante, como promitente-comprador, declarou comprar, mediante o pagamento do preço consignado, as ditas fracções, ao passo que os RR., enquanto proprietários das mesmas fracções, declararam vender as mesmas fracções, recebendo, em contrapartida, aquele mesmo preço, a ser pago (na íntegra) na data da celebração do prometido contrato de compra e venda.
    Com efeito, como é pacífico e resulta do artigo 410º, n.º 1, do Cód. Civil, o contrato promessa consiste na convenção pela qual uma (promessa unilateral) ou ambas as partes (promessa bilateral) se obriga a celebrar certo contrato no futuro (contrato prometido).
    Por conseguinte, como também é pacífico, ambas as partes no contrato promessa bilateral obrigam-se, em termos essenciais, a emitir dentro de certo prazo, ou sob determinados pressupostos, as declarações de vontade que corporizaram o negócio definitivo prometido, dando assim cumprimento à promessa antes celebrada.
    Neste sentido, como refere A. Varela, com a sua habitual clareza, “O contrato-promessa cria a obrigação de contratar, ou, mais concretamente, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido. A obrigação assumida por ambos os contraentes, ou por um deles se a promessa é unilateral, tem assim por objecto uma prestação de facto positivo, um facere oportore. E o direito correspondente atribuído à outra parte traduz-se numa verdadeira pretensão.”[2]
    Neste contexto, não há dúvidas que o contrato promessa bilateral de compra e venda, cria, para ambos os promitentes, vínculos jurídicos, ou seja, obrigações para ambas as partes, qual seja, para o promitente-vendedor de, nas condições convencionadas, emitir a declaração de vontade correspondente à venda, e, por outro, para o promitente-comprador de emitir, nas mesmas condições convencionadas, a sua declaração de vontade correspondente à compra, assim tornando perfeito o contrato definitivo de compra e venda.
    E tanto assim é que, de facto, a lei associa ao incumprimento daqueles vínculos/obrigações emergentes da promessa determinadas sanções jurídicas, como seja, em caso de incumprimento definitivo da promessa a sua resolução por parte do promitente cumpridor e a obrigação do promitente faltoso pagar o dobro do sinal passado (se o faltoso for o promitente-vendedor), ou de reter em seu favor aquele sinal (se o faltoso for o promitente-comprador) – artigo 442º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil -, assim como, em caso de simples mora e salvo convenção em contrário (convenção que está afastada nas hipóteses do
    n.º 3 do artigo 410º – artigo 830º, n.º 3, 1ª parte, do Cód. Civil), o direito de exigir o cumprimento específico do contrato definitivo, através do suprimento (pelo tribunal) da declaração de vontade omitida pelo promitente-faltoso – artigo 830º, n.º 1, do Cód. Civil. [3]
    Portanto, é fora de dúvida, não merecendo sequer discussão séria essa outra questão, ou seja, que o contrato-promessa, ainda que constituindo, como constitui, uma convenção preliminar ou preparatória de um outro contrato definitivo, gera obrigações, gera vínculos jurídicos para uma das partes (promessa unilateral) ou para ambas (promessa bilateral), nomeadamente, no que ora releva dada a natureza bilateral do contrato promessa em causa nos autos, para os promitentes-vendedores, ora apelados, no sentido de os mesmos, por via do ajuizado contrato promessa de compra e venda, se obrigarem perante o promitente-comprador, ora apelante (que se obriga a comprar), a celebrar o prometido contrato de (compra e) venda das fracções A e B, acima referidas.
    A questão fulcral ao litígio não é, assim, esta, mas outra distinta, como melhor se justificará noutro passo deste acórdão.
    Prosseguindo no anterior excurso, quanto à execução específica do contrato promessa de compra e venda, como já o referimos antes, a mesma supõe, em nosso ver, uma situação de simples mora e não de incumprimento definitivo.
    Neste sentido, como refere J. Calvão da Silva, op. cit., pág. 138, cuja posição sempre seguimos, “… Na verdade, se, na hipótese de o promitente (no contrato-promessa unilateral) ou um dos promitentes (na promessa bilateral) não cumprir pontualmente, nos termos devidos, o contrato, a outra parte intenta a acção de execução específica, é óbvio que através desta acção manifesta a vontade de ainda obter a prestação devida. Equivale a dizer, portanto, que o credor considera como simples atraso a violação do contrato por parte do devedor e, por isso, insiste no cumprimento retardado. Se, inversamente, o credor não tivesse, fundadamente, mais interesse na prestação, consideraria a violação do contrato com incumprimento definitivo e optaria pela resolução do mesmo.”[4]
    Por conseguinte, a execução específica, neste enquadramento, visará, em termos constitutivos, suprir a falta de emissão da declaração de vontade do promitente faltoso, substituindo o tribunal aquela omitida declaração, dando, assim, integral cumprimento ao contrato prometido e acautelando, da forma mais perfeita possível, o próprio interesse do promitente fiel (credor), interesse este que passa, naturalmente, em primeira linha, pela conclusão (forçada) do contrato definitivo e prometido.
    Neste mesmo sentido e dando nota da relevância do ressarcimento em forma específica, refere ainda J. Calvão da Silva, “… a reparação do dano pode ser natural (in natura, em forma específica) ou pecuniária (em dinheiro). A primeira é preferível, pois afasta e remove integralmente o dano real ou concreto, reconstitui o estado de coisas anterior à lesão, estabelece a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º) – dando à vítima aquilo de que foi privada. (…) O ressarcimento do dano in natura, porque se funda na lógica do próprio crédito, constitui a sanção perfeita e ideal do dano (proveniente do não cumprimento), dada a sua superioridade sobre a reparação (por equivalente) monetária, referida ao dano abstracto e, por isso, subsidiária. O cumprimento constitui a garantia (sanção) ideal do direito, porque realiza o próprio direito, actuando a prestação originária a que o credor tem direito. “ [5]
    Digamos que a execução específica é uma acção de cumprimento que, atenta a feição constitutiva de que está dotada a sentença, permite a satisfação in natura do interesse do credor, dispensando-o de percorrer a dupla etapa de condenação no cumprimento e posterior execução, posto que a própria sentença opera a modificação jurídica que teria ocorrido se a obrigação tivesse sido voluntariamente cumprida.
    Dito isto, como resulta dos autos e do próprio recurso em si, não esgrimem as partes a possibilidade (e o direito) de o aqui apelante lançar mão, à partida, daquele meio de tutela do seu arrogado direito ao cumprimento do ajuizado contrato-promessa de compra e venda, sendo certo que, apesar da não comparência dos RR. às duas datas designadas (e comunicadas) pelo Autor para a outorga do contrato definitivo, o mesmo Autor, como se vê da pretensão deduzida, mantém interesse na celebração do contrato definitivo.
    Estaríamos, assim, à partida, reconduzidos, como acima se referiu, para uma situação de mora no cumprimento, situação essa que viabilizaria, como também já o afirmámos e se mostra também decidido correctamente (e sem divergência das partes) pelo Tribunal de 1ª instância, o acesso à execução específica da promessa de compra e venda por parte do apelante e promitente-comprador.
    Sucede que, como também se mostra decidido pelo Tribunal de 1ª instância e nos merece inteira adesão, a questão que verdadeiramente motiva o litígio entre as partes e que ora se mostra replicada no recurso está situada a montante daquele alegado incumprimento da promessa por parte dos promitentes-vendedores e contende, necessária e essencialmente, com a interpretação e conjugação das suas cláusulas 4ª e 5ª (referidas sob os pontos 4 e 6 do elenco dos factos provados), sendo certo que, vingando a interpretação perfilhada pelo Tribunal de 1ª instância, obviamente estará excluído o incumprimento da dita promessa de compra e venda, pois que só pode ser incumprido o contrato que se encontre em vigor e já não aquele a que, antes, alguma parte tenha, nos termos convencionados, posto termo, designadamente por revogação ou distrate do mesmo.
    Neste enquadramento, as cláusulas ora em apreciação são as seguintes:
    Cláusula 4ª:
    No prazo de cinco anos contados de hoje, cada um dos outorgantes pode distratar este contrato, sem direito a indemnização seja a que título for.
    Cláusula 5ª:
    A escritura pública de compra e venda deverá ser marcada enquanto se mantiver em vigor o contrato promessa, devendo, para o efeito, o promitente-comprador (Autor) avisar, por carta registada, com 15 dias de antecedência do dia, hora e local em que a mesma se deve realizar.
    Da leitura e interpretação que o Autor/apelante faz destas cláusulas delas resulta que, em seu ver e segundo bem percebemos o seu raciocínio, procedendo ele à marcação de data para a celebração da escritura do prometido contrato de compra e venda das fracções A e B, como previsto na cláusula 5ª, estariam os RR. vinculados à celebração daquele prometido contrato definitivo e, portanto, não poderiam os mesmos já usar da prerrogativa prevista na cláusula 4ª, de procederem ao distrate do contrato-promessa, evitando, assim, o cumprimento devido do mesmo, cumprimento a que falharam ao não comparecer para a celebração do definitivo contrato de compra e venda das fracções A e B.
    Por seu turno, os RR. defendem, precisamente o oposto, ou seja, que a dita cláusula foi ali consignada para que os mesmos pudessem, a qualquer momento e segundo a sua própria (e unilateral) vontade, por termo ao contrato promessa em apreço, desvinculando-se do seu cumprimento em função da avaliação dos seus próprios interesses.
    Neste contexto, e com o devido respeito por opinião em contrário, não vislumbramos no contrato-promessa em causa, nas suas cláusulas e na demais factualidade provada nos autos, base bastante para a interpretação ou leitura defendida pelo promitente-comprador e ora apelante, sendo certo, ademais, que também não vemos, em sentido oposto ao também por si defendido, que lacuna as mesmas podem suscitar e que justifique a sua pretendida integração à luz do preceituado no artigo 239º, do Cód. Civil.
    Se não, vejamos.
    Desde logo, importa considerar que, à luz do preceituado 405º, do Cód. Civil e segundo o princípio da autonomia privada, as partes, dentro dos limites da lei, têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, neles incluindo as cláusulas que lhes aprouver, assim como, ainda, de celebrar contratos distintos dos previstos na lei.
    Digamos que a liberdade contratual desdobra-se em três liberdades essenciais: a) liberdade de celebração, isto é, de celebrar ou recusar a celebração de contratos (n.º 1); b) a liberdade de estipulação, enquanto faculdade de decidir do conteúdo contratual, nele incluindo as cláusulas tidas por convenientes aos seus interesses (n.º 1); c) a liberdade de selecção do tipo negocial, que engloba a faculdade de escolher um dos modelos contratuais previstos na lei (contratos típicos), de celebrar contratos distintos dos previstos na lei (contratos atípicos), ou, ainda, a faculdade de reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei (contratos mistos ou união de contratos).
    É esta ampla liberdade de conformação do conteúdo negocial que conduz, não raras vezes, ao surgimento da necessidade de proceder à interpretação dos negócios jurídicos e, nestes, à interpretação dos contratos.
    Tendo isto por assente, a interpretação do negócio jurídico, enquanto actividade destinada a determinar o significado juridicamente relevante do respectivo conteúdo declarativo, obedece, em termos gerais, aos princípios consignados no artigo 236º, do Cód. Civil.
    O dito normativo reza o seguinte:
    “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
  27. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida. “
    Este normativo não tem merecido da parte da nossa doutrina uma leitura totalmente coincidente.
    Segundo uma parte da doutrina, o dito normativo consagra um método de interpretação de base subjectivista – fundado no n.º 2, que assim seria a norma «primária» de interpretação – temperado com elementos objectivistas em nome do princípio da responsabilidade aplicável ao declarante (n.º 1) [6] e, segundo uma outra corrente, consagra um método de interpretação objectivista puro, sem temperamentos subjectivistas – fundado no n.º 1 e que desconsidera a parte final de tal norma. [7]
    A jurisprudência, por seu lado, nesta temática, inclina-se em termos largamente maioritários para um método objectivista, temperado por elementos subjectivistas, perfilhando a denominada teoria da impressão do destinatário, na esteira da posição que veio a ser defendida por A. Varela, P. Lima e C. Mota Pinto, que, por sua vez, seguem, em boa parte, a precedente lição de Ferrer Correia e Rui de Alarcão nesta matéria.
    Neste sentido, refere C. Mota Pinto, “De entre as doutrinas objectivistas merece referência, por ser a melhor das suas variantes, a chamada teoria da impressão do destinatário; a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente, mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido, e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável.”[8]
    Nesta matéria e independentemente da posição que o legislador tenha pretendido assumir no âmbito da aludida querela doutrinária, estamos em crer que, à luz do preceituado no artigo 236º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil, é possível extrair, em termos de interpretação do negócio jurídico, as seguintes regras essenciais, aplicáveis caso a caso, regras essas que visam sobretudo proteger a confiança do declaratário e, reflexamente, a segurança e estabilidade do próprio tráfico jurídico.
    A primeira regra é a de que se existir uma vontade real comum ou coincidente entre as partes, isto é, se ambas as partes (declarante e declaratário ou destinatário da declaração) atribuírem o mesmo sentido/interpretação ao negócio jurídico, será o sentido correspondente a essa vontade comum aquele que se considera juridicamente relevante, mesmo que tal resultado interpretativo não se mostre totalmente espelhado no conteúdo objectivo da declaração negocial.
    Trata-se, nesta solução, de proteger ambas as partes, ou seja, quer o declarante que deu à sua declaração negocial um determinado significado, quer o próprio declaratário pois que esse significado colhe também a sua adesão/acordo.
    No caso dos autos, porém, esta hipótese não se nos coloca, pois que, como se evidencia das posições dos litigantes, o significado que cada uma das partes empresta ao negócio ora em análise e às aludidas cláusulas 4ª e 5ª do contrato promessa é radicalmente distinto, não existindo a aludida vontade (real) comum ou coincidente.
    Neste contexto, está também afastada a aplicação do n.º 2 do artigo 238º, do Cód. Civil, pois que este normativo supõe a existência de uma vontade real e comum das partes (um sentido compartilhado por ambas), mesmo que destituído de apoio mínimo no texto, vontade ou sentido comum que, como se disse, não existe no caso dos autos. [9]
    A segunda regra, como resulta do n.º 2 do citado artigo 236º, é a de que, se resultar demonstrado positivamente que o declaratário ou destinatário da declaração conhecia a vontade real do declarante, a declaração vale com o sentido que lhe foi dado pelo declarante.
    Neste caso, também a confiança do declaratário se mostra protegida, pois que o mesmo conhecia a vontade real do declarante e, portanto, não pode, a coberto do texto negocial, pretender que lhe seja atribuído um sentido distinto daquele que ele próprio conhecia.
    No entanto, insiste-se, para que a declaração negocial possa valer com o sentido que lhe é atribuído pelo declarante (correspondente à sua vontade real) é indispensável que se mostre demonstrado que o declaratário conhecia aquela vontade real do declarante, “seja qual for a causa da descoberta da real intenção do declarante.” [10]
    No caso dos autos também esta hipótese não se nos coloca pois que nada nos autos demonstra que os RR conhecessem o sentido ou leitura que o Autor ora pretende defender quanto à conjugação das cláusulas 4ª e 5ª do contrato-promessa, qual seja que, designando ele (promitente-comprador) a data para a realização da prometida escritura de compra e venda estaria, sem mais, excluída a aplicação da cláusula 4ª e, portanto, os mesmos RR ficariam impedidos de distratar ou revogar unilateralmente o contrato promessa em causa.
    Com efeito, uma tal leitura, ainda que possível face aos próprios interesses do promitente-comprador e ora apelante (que, assim, eliminaria, de imediato e de forma estritamente unilateral, o direito potestativo dos RR./promitentes-vendedores à desvinculação da promessa por via do seu distrate, como consagrado na dita cláusula 4ª), não só não colhe qualquer apoio no conjunto do texto do contrato-promessa, como, ademais, se mostra afastada, em nosso ver, pela cláusula 3ª do mesmo contrato (referida sob o ponto 5 dos factos provados), cláusula essa onde se previa, aí sim, mas em sentido desfavorável ao promitente-comprador/apelante (e em protecção dos interesses dos promitentes-vendedores/apelados), a obrigação daquele renunciar dentro de determinado prazo ali estabelecido (entre o primeiro dia do 31º mês de duração do contrato de arrendamento celebrado nessa mesma data entre as mesmas partes e sobre as ditas fracções A e B e o último dia do 54º mês de duração do mesmo arrendamento), àquele direito (potestativo) de distrate do contrato-promessa, reafirmando, assim, com tal renúncia, perante os promitentes-vendedores, a seriedade do seu compromisso quanto à compra das fracções em causa.
    Por conseguinte, o que emerge, à partida da conjugação das cláusulas em apreço e, em particular, da dita cláusula 4ª do contrato-promessa é o direito (potestativo) de qualquer um dos promitentes (comprador ou vendedores) poderem, por decisão unilateral e ao abrigo do princípio da liberdade contratual (na vertente de celebrarem ou não determinado contrato – no caso, o definitivo contrato de compra e venda), distratarem o contrato-promessa de compra e venda das fracções A e B, procedendo à sua revogação unilateral, conforme expressamente convencionado. [11]
    Por outro lado, ainda, quanto ao tempo do exercício de tal direito de distrate do contrato-promessa, os promitentes-vendedores poderiam fazê-lo em qualquer momento e durante o prazo de 5 anos a contar de 30.11.2016 (até 30.11.2021) como previsto na cláusula 4ª do contrato-promessa.
    Por outro lado, em sentido distinto, o promitente-comprador poderia fazê-lo, no limite máximo, até ao penúltimo dia do 54º mês (4 anos e seis meses, ou seja, no limite, até 30.05.2021) de duração do contrato de arrendamento, como decorre da cláusula 3ª do mesmo contrato-promessa, pois que, no limite máximo, no dia imediatamente seguinte, ou seja, 31.05.2021, o promitente-comprador, pelo contrário, ficava obrigado a renunciar, como se disse, ao seu direito de distrate do contrato promessa, vinculando-se, nesse contexto, a celebrar o contrato de compra e venda das fracções no termo dos 5 anos de duração mínima do contrato de arrendamento celebrado a 30.11.2016 sobre as mesmas fracções A e B, como decorre também deste último contrato de arrendamento com prazo certo (5 anos) celebrado entre as partes naquela mesma data e com efeitos a partir do dia 1.12.2016 – vide facto provado em 7.
    Todavia, se nada ocorresse (distrate ou renúncia ao distrate por parte do promitente-comprador), no final do prazo de 5 anos (a contar de 30.11.2016) o contrato promessa ficava sem efeito, sem direito a qualquer indemnização – parágrafo 1º d cláusula 4ª (facto provado em 6).
    Note-se, nesta matéria, que se o contexto das negociações e da natural expectativa do Autor era vir a adquirir o conjunto das fracções A, B, C e D (vide facto provado em 19), também é certo que os contratos que tinham por objecto as ditas fracções eram claramente distintos (vide facto provado em 17), as suas cláusulas eram também distintas (vide facto provado em 17 e documento a fls. 86-93 dos autos) e, além do mais, os dois contratos envolviam também pessoas distintas, ainda que fossem familiares dos aqui RR (vide facto provado em 18).
    Isto significa que, ainda que interligados ambos os contratos em referência pelo propósito de o Autor vir a adquirir todas as ditas fracções, apesar disso ambos os contratos eram distintos (contrato-promessa sobre as fracções A e B e arrendamento com opção de compra sobre as fracções C e D) e o cumprimento de cada um deles estava, por isso, sujeito a condições distintas – em função do clausulado em cada um deles -, o que o Autor e ora apelante não podia deixar de saber, pelo menos por via da comparação entre ambos os contratos.
    Portanto, segundo se julga, destes factos – e só estes se provaram – não é possível extrair, seja a que título for, que os RR sabiam que o sentido que o Autor dava à cláusula 4ª do contrato-promessa era aquele outro já exposto e por si defendido nos autos, ou seja, que essa cláusula deixava de ser aplicável em favor dos RR. e promitentes-vendedores se, ele, Autor (promitente-comprador) mostrasse interesse na celebração do contrato definitivo de compra e venda e procedesse à marcação de data para a celebração daquele prometido contrato, como, aliás, veio a fazer por carta de 2.12.2016, ou seja, logo dois dias depois da celebração do contrato-promessa (vide facto provado em 9).
    Nesta perspectiva, como bem questiona o Tribunal de 1ª instância na sentença recorrida, a vingar a tese interpretativa avançada pelo apelante, que sentido ou relevância poderia ter a dita cláusula 4ª do contrato-promessa na economia do dito contrato se, imediatamente após a celebração de tal contrato promessa (no limite, no dia imediatamente seguinte à sua outorga), pudesse o promitente-comprador, de forma unilateral (procedendo à marcação de data para a celebração da escritura pública de compra e venda das fracções), impor aos RR. o seu afastamento?
    Salvo o devido respeito, nenhum e, portanto, a dita cláusula não pode valer com o sentido que o apelante aqui defende, sentido esse que, ademais, corresponderia a uma radical alteração do contrato negociado e outorgado entre as partes (quanto à possibilidade do seu distrate, consensualmente aceite por ambos os outorgantes dessa cláusula) quando, como é consabido, os contratos devem ser pontual e integralmente cumpridos e só podem modificar-se (o seu conteúdo) por mútuo consentimento dos contraentes e não de forma unilateral, salvo nos casos e termos especialmente previstos na lei (artigo 406º, n.º 1, do Cód. Civil).
    Aqui chegados, a única questão que resta por decidir é saber se a interpretação que antes avançámos para as cláusulas do contrato promessa ora em discussão e, em especial, para a dita cláusula 4ª, colhe apoio na regra do artigo 236º, n.º 1, do Cód. Civil e na teoria da impressão do declaratário que, como já referimos, julgamos ser a que se mostra aplicável em face do concreto dissídio interpretativo por parte dos outorgantes no dito contrato-promessa.
    Nesta matéria, a regra interpretativa que decorre do n.º 1 do citado artigo 236º é a de que “a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, poderia deduzir do comportamento do declarante; ou, numa formulação próxima desta, “vale com o sentido que o declaratário real lhe daria se fosse uma pessoa razoável, diligente e de boa-fé”, salvo se o declarante não puder razoavelmente contar com esse sentido. [12]
    Dito de outra forma e como também referem P. LIMA, A. VARELA, op. cit., pág. 223, “A regra estabelecida no n.º 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2).”
    Ora, tendo presente esta regra interpretativa e subsumindo-a ao caso dos autos, é nosso julgamento que um contraente medianamente diligente, instruído e de boa-fé (agindo de forma honesta, séria e honrando a palavra dada), colocado na concreta posição do aqui apelante/promitente-comprador, não podia deixar de colher do sentido da cláusula 4ª acima referida que a mesma consagrava, ainda que em sentido oposto aos seus interesses (que se reconhece poderiam ser outros, mas que o mesmo não terá logrado impor na negociação do contrato promessa ora em apreço) e em protecção dos distintos interesses dos ali promitentes-compradores (que, através daquela cláusula, quiseram – e conseguiram impor nas respectivas negociações que o precederam -, a possibilidade de manter em aberto a prerrogativa de não virem a vender as fracções dadas de arrendamento pelo prazo de 5 anos ao mesmo promitente-comprador), o direito potestativo daqueles promitentes vendedores colocarem termo às obrigações que para si decorriam, em condições de normalidade, da promessa de venda das mesmas em favor do ali promitente-comprador, mediante o distrate de tal promessa de venda e a exercer durante o período de 5 anos, sem direito a qualquer indemnização, como ali convencionado.
    Por conseguinte, em nosso ver, atento o sentido a extrair da cláusula 4ª e acima exposto, correspondendo esse sentido àquele que decorre da regra interpretativa consagrada no citado artigo 236º, n.º 1, do Cód. Civil, não existindo, neste conspecto do clausulado, qualquer lacuna que se imponha preencher à luz das regras do artigo 239º, do Cód. Civil e não se mostrando, ainda, evidenciada qualquer falha ou vício ao nível da formação ou exteriorização da vontade dos contraentes no contrato promessa, só se pode concluir, em sintonia com o decidido pelo Tribunal de 1ª instância, que a cláusula 4ª em apreço é plenamente válida e vinculativa para ambos os contraentes e nas condições acima expostas.
    Ora, sendo assim, como julgamos ser, naturalmente, como se decidiu em 1ª instância, não pode o apelante invocar o incumprimento (mora) dos promitentes-vendedores para efeitos de procedência da peticionada execução específica do ajuizado contrato-promessa, pois que, antes ainda da primeira data designada para a celebração da almejada escritura pública de compra e venda (15.04.2019) das fracções prometidas vender, os RR., promitentes-compradores, ora apelados, no uso do direito potestativo que também em seu favor foi consignado consensualmente na dita cláusula 4ª, procederam ao distrate do contrato-promessa, por meio de carta datada de 19.11.2018 e que o Autor recebeu – vide factos provados em 9 e 10 -, ficando, pois, os mesmos, nesse contexto, desvinculados de vir a outorgar na escritura pública de compra e venda para que foram intimados pelo Autor e aqui apelante.
    Dito de outra forma, mais simples: à data em causa (15.04.2019) – e abstraindo da questão de saber se o promitente-comprador podia agendar a celebração do contrato de compra e venda para aquela data (anterior ao prazo de duração mínima do contrato de arrendamento celebrado a 30.11.2016 – 5 anos) – já não existia obrigação dos RR. que os mesmos pudessem não cumprir e decorrente do ajuizado contrato promessa.
    Destarte, a presente acção e os pedidos formulados contra os RR. e aqui apelados não podiam deixar de ser julgados improcedentes, como bem se decidiu na sentença do Tribunal de 1ª instância, sendo certo que, quanto às rendas consignadas em depósito pelo Autor, as mesmas decorrem estritamente da obrigação que sobre si impendia de proceder a tal pagamento, enquanto contrapartida pela cedência do gozo das fracções, na pendência do respectivo contrato de arrendamento celebrado com os RR. a 30.11.2016 e para vigorar pelo prazo (mínimo) de cinco anos, ou seja, pelo menos, até 30.11.2021 – vide, ainda, o parágrafo segundo da cláusula 4ª, referida sob o ponto 6 dos factos provados.
    Sendo assim, não existe, de facto, qualquer fundamento legal para decretar a sua restituição ao Autor ou para decretar a sua entrega aos RR. e como pagamento parcial do preço da venda, como peticionado.
    E não se diga que, desta forma, se colocam em causa as justas expectativas que o Autor mantinha quanto à futura aquisição das fracções em causa ou, ainda, se colocam em crise os princípios da certeza e segurança jurídicas, pois que as legítimas expectativas do Autor só poderiam ser as que, com o exigível rigor, diligência e boa-fé, para si decorriam das cláusulas do contrato que consensualmente aceitou celebrar com os RR. e, ademais, com o devido respeito, constitui vector essencial da arrogada certeza e segurança no comércio jurídico a exigência do integral cumprimento dos contratos assinados e do que deles emerge em termos de obrigações ou direitos para ambas as partes, assim como a exigência de que a sua modificação unilateral apenas possa ter lugar nos casos previstos na lei, tudo conforme se decretou na sentença do Tribunal de 1ª instância e aqui se acompanha.
    Concluindo, improcede a apelação, o que se julga.
    **
    V. DECISÃO:
    Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação interposta pelo Autor AA, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
    **
    Custas pelo Autor/apelante, que ficou vencido – artigo 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
    **
    Porto, 13.07.2022
    Jorge Seabra
    Pedro Damião e Cunha
    Fátima Andrade

(O presente acórdão não segue na sua redacção o Novo Acordo Ortográfico)


[1] Vide, neste sentido, F. AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 147, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em Geral”, I volume, 6ª edição, pág. 301-302; Vide, no mesmo sentido, por todos, J. CALVÃO da SILVA, “Sinal e Contrato Promessa”, 2017, pág. 13-15 e ANA AFONSO, anotação ao artigo 410º, do Código Civil, in “Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações; Das obrigações em Geral”, UCE, 2018, pág. 78-85.
[3] Sobre o regime do incumprimento do contrato-promessa e nos termos por nós antes expostos em termos gerais, vide, ainda que não em termos totalmente coincidentes, A. VARELA, op. cit., pág. 319-330 e 336-338, J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 85-145, ANA AFONSO, op. cit., anotação ao artigo 442º, do Código Civil, pág. 165-171.
[4] Vide, ainda, neste sentido, por todos, a vasta jurisprudência referida por J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 137, nota 179.
[5] J. CALVÃO da SILVA, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Separata do volume XXX do Suplemento ao BFDC, 1987, pág. 152.
[6] Vide, neste sentido, por todos, L. CARVALHO FERNANDES, “Teoria Geral do Direito Civil”, II volume, 5ª edição, pág. 447-448 e PEDRO PAIS VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, 7ª edição, pág. 471-472.
[7] Vide, neste sentido, A. MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil – I – Parte Geral”, 2005, pág. 760-763.
[8] Vide, neste sentido, por todos, C. MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, 4ª edição, pág. 443, A. VARELA, P. LIMA, “Código Civil Anotado”, I volume, 4ª edição, pág. 223 e, por todos, AC STJ de 16.10.2008, relator Sr. Juiz Conselheiro Mário Cruz ou AC STJ de 7.07.2009, relator Sr. Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, ambos disponíveis in www.dgsi.pt
[9] Vide, neste sentido, por todos, EVARISTO MENDES/FERNANDO SÁ, “Comentário ao Código Civil – Parte Geral”, UCE, 2014, pág. 540.
[10] Vide, neste sentido, por todos, C. MOTA PINTO, op. cit., pág. 445, EVARISTO MENDES/FERNANDO SÁ, op. cit., pág. 540, C. FERREIRA de ALMEIDA, “Contratos IV”, 2ª edição, pág. 270 e P. LIMA, A. VARELA, op. cit., pág. 274.
[11] Vide sobre a revogação do contrato e, em particular, a sua revogação unilateral, PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Da Cessação do Contrato”, 2ª edição, pág. 111-115.
[12] EVARISTO MENDES, FERNANDO SÁ, in “Comentário ao Código Civil”, cit., pág. 541.

Processo n.º 15174/19.9T8PRT.P1 – Apelação
Juízo Central Cível do Porto – Juiz 4.
Relator: Jorge Seabra
1º Juiz Adjunto: Desembargador Pedro Damião e Cunha
2º Juiz Adjunto: Desembargadora Maria de Fátima Andrade

15174/19.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
LIBERDADE CONTRATUAL
DISTRATE UNILATERAL
INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO

RP2022071315174/19.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE